Impulsionados pelos oficiais e tabeliães que chegaram aos postos por meio de concursos públicos e pelas associações de classe, cartórios investem na adoção de métodos e princípios da iniciativa privada.
“Estamos trabalhando como uma empresa, porque somos tratados como uma empresa”, afirma a titular do 22º Cartório – Tucuruvi, Maria Elena Castagnoli Costa Neves, que foi aprovada no primeiro concurso para cartório realizado no Estado, em 1999. Ela assumiu o posto no ano 2000.
Com 100 funcionários, o cartório adotou um plano de carreira para a equipe, contratou um coach e faz treinamento para os colaboradores. Como os cartórios também ganharam novas atribuições, como fazer separações e inventários, eles precisam de equipes maiores. Usualmente, funcionários fazem cursos de grafotecnia e documentoscopia. Agora, também são treinados para melhorar o atendimento e serem eficientes.
“Temos um plano de treinamento interno que realizamos para fazer algumas promoções nos níveis mais baixos, como de auxiliar. Pelo nosso plano, há três níveis de auxiliar e, dependendo do preparo dele, que nós mesmos damos, ele recebe promoções”, diz Danilo Costa Neves Paoliello, substituto de Maria Elena e incentivador das mudanças. Além dos auxiliares, os cartórios ainda têm os escreventes, o oficial ou tabelião, além do pessoal administrativo.
Paoliello afirma que também busca mais eficiência e redução do retrabalho. “Tudo isso nós mensuramos, fazemos reuniões mensais com os escreventes para saber quais são as razões desse retrabalho, para que eles possam mudar a forma. Já temos alguns procedimentos detalhados.”
A busca por eficiência ajuda a melhorar os ganhos dos titulares e o aperfeiçoamento no atendimento ajuda a atrair para o cartório usuários que poderiam buscar alguns serviços, como autenticações e casamentos, em outras serventias.
No entanto, contraditoriamente a quem busca atuar como uma empresa, Paoliello diz que não há dados a respeito dos ganhos. “Nunca fizemos um levantamento de quanto significa o quanto estamos fazendo e quanto temos de resultado.
Mas acreditamos que as pessoas acabam nos indicando e, portanto, ficamos mais conhecidos. Isso acaba gerando resultados financeiros de uma forma indireta.” Para o titular do 1º Cartório de Imóveis da capital, Flauzilino Araújo dos
Santos, como os cartórios reúnem a dupla qualidade de um serviço público exercido em caráter privado, “isso permite que eles somem tudo de bom que a área pública e a iniciativa privada têm”. No primeiro caso está a credibilidade, a fé pública dos cartórios. No segundo, estão as questões “ligadas à eficiência e agradabilidade dos clientes”.
Ex-presidente da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp), Santos gosta de ressaltar temas que constituem “novas maneiras de relacionamento dos cartórios com os usuários”. Um deles são os serviços eletrônicos.
Ele aborda a criação da central que une os dados de todos os cartórios de registro de imóveis. “A economia desse sistema para o orçamento dos órgãos do Poder Judiciário, da administração pública, INSS, Receita Federal, Polícia Federal, todos os órgãos públicos que você pensar e que precisariam fazer buscas nos cartórios é da ordem, eu acredito, de R$ 5 bilhões”, afirma.
“A última novidade que temos é o usucapião administrativo”, conta. Antes era preciso fazer o processo judicialmente. . “O novo Código de Processo Civil estabeleceu que esse usucapião vai ser feito diretamente no cartório.” É mais um passo para a desjudicialização.
"A hereditariedade proporcionava uma zona de conforto"
“Descobri um segmento que estava precisando muito de alguém com essa visão de mercado, com essa visão de uma comunicação mais adequada a seu público-alvo”, afirma o professor da área de Educação Executiva da ESPM, consultor em gestão de pessoas e coach, Gilberto Cavicchioli.
Autor do livro Cartórios e gestão de pessoas – Um desafio autenticado, Cavicchioli vem ministrando cursos e treinamentos para os profissionais de cartórios, dos quais se tornou consultor de qualidade.
“A hereditariedade proporcionava uma zona de conforto para os titulares de cartórios. Com os concursos, entraram nesse negócio profissionais com uma outra visão de vida, de negócio”, diz o professor. Ele diz que seu objetivo é contribuir para mudar a cultura organizacional dos cartórios, com vistas à eficiência, à produtividade, ao ganho de tempo e à modernidade.
“O nosso trabalho é fazer do cartório um local de atendimento que provoque no usuário a sensação de estar diante de uma empresa moderna, preocupada com o conforto, com a rapidez, e que tenha atendentes empáticos. Este é o nosso papel.”
Para ele, face às mudanças pelas quais os cartórios vêm passando, não se justifica mais a noção de que são degraus da burocracia. E exemplifica com outra atribuição dada aos notários, para atuar em situações de mediação e conciliação.
“O cartório é extrajudicial. Por meio da presença do oficial e do tabelião é possível resolver muitos problemas, litígios, questões como batida de trânsito, briga no condomínio, etc. É isso que está acontecendo nos cartórios, a lei está ampliando os atos a serem praticados no cartório. É uma conciliação”, afirma. “O poder público reconhece a decisão lavrada em cartório como algo oficial, com efeito jurídico”, acrescenta.
Como muitas pessoas questionam até a necessidade dos cartórios, Cavicchioli diz que eles são uma herança do direito romano. “Por essa linha, existe a necessidade da prova para prevenir de falsificações. E muitos países seguem essa noção.”
O presidente do Colégio Notarial do Brasil, tabelião Ubiratan Guimarães, conta que o sistema de cartórios adotado no Brasil também está presente em cerca de 100 países. “Há uma instituição em Roma, a União Internacional do Notariado, da qual eu sou um dos conselheiros, que delineia a forma de atuação dos cartórios de 86 países.”
O dirigente da CNB, que representa os nove mil cartórios do País, conta que a entidade tem feito intercâmbio com outros países, levando para fora nossas experiências ao mesmo tempo que também aprende com o exterior.
“Estive recentemente na Espanha. O notariado local tem uma organização que comunica ao Estado as operações suspeitas de fraude, de lavagem de dinheiro com origem em corrupção. A OCP, que é administrada pelo notariado espanhol, foi considerada pela Comunidade Europeia como o órgão mais eficiente na prevenção à lavagem de dinheiro e à corrupção. Fomos lá buscar essas informações para que o notariado brasileiro passe a também a cooperar com o Coaf para fazer essa prevenção aqui.”
Fonte: O Estado de São Paulo