É da maior importância a posse da ministra Ellen Gracie como nova presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Não apenas por ser a primeira mulher a ascender ao posto máximo da Justiça brasileira, mas porque a ministra Gracie pode imprimir as profundas mudanças necessárias ao nosso Poder Judiciário. O último presidente, Nelson Jobim, realizou uma gestão pautada pela criação e consolidação do Conselho Nacional da Justiça (CNJ) como o órgão gestor do Judiciário, promovendo inúmeras medidas moralizantes e administrativas. Mas é preciso avançar mais, e a ministra Gracie reúne os predicados para capitanear mais essa reforma. É corrente e equivocado se entender que não existem recursos financeiros e orçamentários no nosso Judiciário. Podem faltar cadeias, segurança privada, juízes e cartorários – mas o que o debate esconde é que se gasta mal (e não pouco) os recursos disponíveis. E além de se gastar mal, se gasta sempre em despesas de custeio, e não em investimentos para melhor a prestação do serviço. É um fato irrefutável que tais recursos estão vinculados e não há qualquer liberdade para gastar mais racionalmente e é igualmente verdadeiro o fato de que nosso Judiciário, por conta disso, acaba custando mais, ao menos proporcionalmente, do que a maior parte dos países semelhantes ao nosso e que se possa comparar. Este artigo tenta explicar algumas dessas razões, claro, sem esgotar o assunto.
Se considerarmos, para efeitos de ilustração, o Poder Judiciário como uma empresa (e para facilitar nosso exemplo, vamos nos valer dos dados do Judiciário cível de São Paulo, excluindo-se os demais), temos um serviço de quase monopólio, de demanda extremamente aquecida e com clientes pouquíssimo satisfeitos. Os ativos do Judiciário S.A. são impressionantes – 600 prédios em 360 comarcas, 50 mil funcionários e cerca de 14 auxiliares por juiz, enquanto a média mundial é de oito. Além disso, nosso Judiciário como porcentagem do PIB é o dobro do mexicano. E apesar desse alto custo, nosso cliente está muito insatisfeito – em geral, não com a qualidade do resultado, mas com a demora do serviço que, claro, impacta muito negativamente nas suas expectativas. A demanda para os serviços do Judiciário continua forte e crescente e isso não pode ser considerado como necessariamente positivo. O fato é que existem 15 milhões de ações em andamento apenas na primeira instância da Justiça paulista. E, ademais, há em São Paulo cerca de onze processos por 100 habitantes, enquanto na França tem-se seis e no Reino Unido, nove, mesmo que esses países tenham PIB cerca de oito vezes maior.
A falta de troca de informações digitalizadas, ações em massa cuidando rigorosamente do mesmo conflito, ritual excessivo de muitos passos no andamento das ações e atos repetitivos no curso do processo representam sérios e graves entraves ao fluxo das atividades desse serviço chamado prestação jurisdicional. A demora na prestação do serviço e a impossibilidade de informatizar seu trâmite, mesmo com os pequenos esforços já realizados, ainda está aquém das necessidades – há uma lista imensa de providências a serem tomadas e aqui estão apenas alguns poucos itens. Mas para isso é preciso recursos. Só a Austrália gastou U$ 3,3 bilhões na modernização do seu Judiciário e os prazos caíram cerca de 80%. Segunda conclusão evidente dos números de nosso Judiciário S.A., não faltam recursos orçamentários vinculados, mas falta capacidade de investimento. Aliás, não existem recursos financeiros para a modernização do serviços. Não é incomum juízes terem que pagar do próprio bolso itens corriqueiros como cartucho de impressora, clipes etc.
Um outro fato que acarreta um enorme ônus ao nosso Judiciário é a participação dos inativos e aposentados no custo geral orçamentário. Certo que isso é um problema da previdência pública e, portanto, alheio ao Judiciário, mas é evidente que sem a reforma necessária uma grande parte dos recursos serão canalizados para pagar inativos. Mesmo que os esforços tímidos da atual gestão do Tribunal de Justiça paulista (TJSP) nessa área sejam louváveis, há muitos problemas a serem enfrentados.
Enquanto, por um lado, o debate avançou, já que pontuado por estatísticas que não existiam antes, por outro ainda está faltando alinhavar quais são os esforços imprescindíveis a serem perseguidos para melhorar a eficiência do nosso Judiciário. Ou seja, falta um plano diretor que centralize e ordene os esforços. É preciso colocar as várias propostas, tanto do lado da administração da demanda de tais serviços quanto do lado da oferta. É preciso criticar as propostas irrealistas e aceitar aquelas que caminham na direção de maior eficiência e fluidez do Judiciário. A Secretaria Especial de Reforma do Judiciário, importante iniciativa, deveria se encarregar desta nobre missão.
Claro, não se pode esperar que tais reformas, duras como são, passem incólumes. Sem retirar privilégios e sem afrontar interesses, não há reforma possível. É preciso sacrifício e planejamento. É preciso injetar recursos para investimentos. É preciso avançar – e rápido, para que tenhamos o Judiciário que este país necessita.
Autor Jairo Saddi é advogado, doutor em direito econômico pela Universidade de São Paulo (USP), professor e coordenador-geral do curso de direito do Ibmec São Paulo) e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef)