Colunista do Estado de Minas ressalta aspectos positivos das diretivas antecipadas de vontade lavradas em cartório

Quero morrer assim

(Anna Marina)

 
Ao longo de minha vida na imprensa, firmei algumas admirações – muitas delas sem qualquer tipo de repercussão na coletividade. Como a eutanásia, por exemplo, que sempre acreditei ser um direito da pessoa. Recentemente, li um livro, Carta a D., do jornalista francês André Gorz, editado pela Cosac & Naify. Conta a história de um casal apaixonado e termina com a morte dos dois. Ela, doente sem cura, e ele, são, preferiram morrer juntos. Achei maravilhoso esse tipo de amor, na vida e na morte. O que me angustia, claro, é ter que enfrentar uma tragédia pessoal sem contar com qualquer apoio familiar ou médico.

 

Esta semana, recebi, vinda de São Paulo, correspondência do Colégio Notorial do Brasil sobre uma realidade que, como muita gente, eu não conhecia. A cada ano, aumenta o número de pessoas que se preocupam em indicar seus desejos caso fiquem impossibilitadas de manifestar sua vontade. Segundo levantamento do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo, em 2014, 548 brasileiros recorreram ao testamento vital, 16% a mais do que o registrado no período anterior. Lavrado por um tabelião de notas, o documento permite ao cidadão expressar orientações quanto às diretrizes e ao tratamento médico futuro, caso fique impossibilitado de manifestar sua vontade em virtude de acidente ou doença grave.

 

Outro fato desconhecido – pelo menos pra mim – é que o Conselho Federal de Medicina está ajudando a impulsionar e disseminar a lavratura de testamentos vitais. Qualquer cidadão plenamente capaz pode fazer o seu perante um tabelião de notas. Basta apresentar documentos pessoais e declarar que tipo de cláusulas deseja incluir. A escritura será apresentada posteriormente aos médicos por familiares ou por quem o declarante indicar, caso futuramente seja acometido por doença grave ou fique impossibilitado de manifestar sua vontade por causa de um acidente. Nesse testamento vital, não se pode prever a eutanásia – procedimento proibido no Brasil –, que ocorre quando o médico induz a morte do paciente.

 

Na verdade, não se trata verdadeiramente de testamento, mas de uma escritura pública declaratória que produzirá efeitos enquanto o testador ainda estiver vivo. Entre os motivos para fazer um testamento vital, está justamente a dignidade. A Declaração Antecipada de Vontade (DAV) permite que ele escolha previamente a que tipo de tratamento médico deseja ou não ser submetido, preservando-se o direito a vida e morte dignas.

 

Outro motivo para tomar essa decisão é a tranquilidade: não se antecipa a morte do paciente (eutanásia), apenas se garante que ela ocorra de modo natural ou se permite seu retardamento conforme a vontade da pessoa. Há também respeito: a DAV por escritura pública gera a tranquilidade de que a vontade do cidadão será respeitada, sobretudo quando ele não puder mais se manifestar. Também assegura paz, pois proporciona maior conforto e menos sofrimento para a família no momento de dor.

 

A escritura pública também oferece mais segurança para o médico cumprir integralmente os desejos do paciente, resguardando-o de eventuais pressões de familiares. Além disso, há a questão da autonomia: a DAV pode ser feita por qualquer pessoa, a qualquer tempo, desde que esteja lúcida e consiga expressar sua vontade sobre o destino de seu próprio corpo.

 

Outra vantagem: a lealdade. É possível nomear um procurador que se responsabilize por apresentar aos médicos e à família os desejos e escolhas do paciente. A DAV pode ser alterada ou revogada a qualquer tempo, desde que a pessoa esteja lúcida. Um de seus pré-requisitos é a perpetuidade: o documento fica eternamente arquivado em cartório, e a obtenção de segunda via (certidão) é viável a qualquer tempo.

 

 

Fonte: Jornal Estado de Minas