Como trocar o nome social nos cartórios: O passo a passo para pessoas trans

Pessoas transexuais que desejam alterar o nome e gênero de registro em sua documentação de nascimento pelo nome social podem procurar diretamente, sem a presença de advogado ou defensor público, qualquer cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais (RCPN) do Brasil para fazer a mudança.

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em março de 2018,  que a alteração não precisa de autorização judicial, laudo médico ou comprovação de cirurgia de redesignação sexual. Na decisão, a maioria dos ministros invocou o princípio da dignidade humana para assegurar o direito à adequação das informações de identificação civil à identidade autopercebida pelas pessoas trans.

 

Em junho passado, a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça publicou uma norma que estabelece as regras para que a mudança na certidão de nascimento ou casamento possa ser feita diretamente nos cartórios de todo o Brasil. Desde então, pessoas maiores de 18 anos podem requerer a alteração desses dados, desde que tenham capacidade de expressar sua vontade de forma inequívoca e livre. Para menores de 18 anos, a mudança só é possível na via judicial.

 

Alguns estados já haviam se antecipado e editado regras para os seus cartórios antes da padronização do CNJ, entre eles São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás, Rio Grande do Norte, Pará, Pernambuco, Sergipe, Ceará e Maranhão.

 

Em São Paulo, onde o procedimento foi regulamentado em maio, 1.160 pessoas trans já tinham alterado seus registros até o início de novembro, segundo dados levantados pela Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen).

 

Como fazer a retificação de nome e gênero no cartório

 

Antes da decisão do STF e do provimento do CNJ, a pessoa transexual que desejasse alterar o registro civil precisava recorrer à Justiça e os entendimentos eram variados. “Alguns magistrados entendiam que só podia retificar nome e gênero se tivesse feito a cirurgia de redesignação no SUS, outros entendiam que, sem cirurgia, dava para alterar o prenome mas não o gênero”, explica a advogada Maria Eduarda Aguiar, presidente da ONG Grupo Pela Vida.

 

Também não havia um padrão para a documentação que precisava ser apresentada para fazer o pedido. “Tinham juízes que exigiam laudos, fotografias, exigiam que a pessoa passasse por perícia judicial com psiquiatra, para atestar que ela era de fato trans”, completa. Toda a burocracia estendia o processo por 2 ou 3 anos, afirma a jurista.

 

Agora, seguindo as regras estabelecidas pelo próprio CNJ, o pedido não precisar mais passar pela Justiça. Mas o procedimento administrativo no cartório não é tão simples. A lista de documentos exigidos é extensa e o gasto total pode superar os R$ 300 no estado de São Paulo, por exemplo.

 

Documentos necessários:

 

Certidão de nascimento atualizada;

Certidão de casamento atualizada, se for o caso;

Cópia do RG

Cópia da identificação civil nacional (ICN), se for o caso;

Cópia do passaporte brasileiro, se for o caso;

Cópia do CPF

Cópia do título de eleitor;

Cópia de carteira de identidade social, se for o caso;

Comprovante de endereço;

Certidões:

ATENÇÃO: Elas devem ser dos locais de residência dos últimos cinco anos

Certidão do distribuidor cível (estadual/federal);

Certidão do distribuidor criminal (estadual/federal);

Certidão de execução criminal (estadual/federal);

Certidão dos tabelionatos de protestos;

Certidão da Justiça Eleitoral

Certidão da Justiça do Trabalho

Certidão da Justiça Militar, se for o caso.

 

A regulação nacional do procedimento completou 7 meses na segunda-feira, 28, mas a população trans ainda enfrenta dificuldades para efetivar o direito diretamente no balcão dos cartórios, seja pela falta de informações, dificuldade de acesso à documentação e à gratuidade, ou falhas no atendimento. É o que constatou levantamento feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e o Instituto Prios de Políticas Públicas e Direitos Humanos, no projeto “Eu Existo”.

 

Com ajuda da cartilha do projeto, da advogada Maria Eduarda Aguiar, primeira mulher trans a ter o nome social na carteira da OAB-RJ, do oficial de Registro Civil de Cotia (SP) Gustavo Renato Fiscarelli e da defensora Lívia Casseres, da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, o HuffPost Brasil esclarece as principais dúvidas sobre como fazer a retificação de nome e gênero no cartório:

 

O que pode ser alterado?

 

Conforme a regulamentação, podem ser alterados o prenome, agnomes indicativos de gênero (filho, júnior, neto e etc.) e o gênero em certidões de nascimento e de casamento (com a autorização do cônjuge).

 

Preciso fazer a alteração no cartório em que fui registrado?

 

Não. O pedido pode ser realizado em qualquer cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais em todo território nacional. O cartório que fizer a alteração deverá encaminhar via sistema eletrônico o procedimento ao cartório que registrou o nascimento da pessoa.

 

Preciso ter todos os documentos da lista para entrar com o pedido?

 

Sim. A falta de qualquer um desses documentos impede o procedimento, afirma o oficial Gustavo Renato Fiscarelli. Ele diz ainda que, se alguma das certidões for positiva –  se a pessoa tiver o nome protestado ou algum processo em andamento, por exemplo – , isso não necessariamente impede a alteração. “Nesse caso, o oficial é obrigado a comunicar ao juízo que está havendo essa alteração, para evitar qualquer tipo de fraude”, explica.

 

Além de toda a documentação, o atendente do cartório irá coletar as informações pessoais e pedir que o requerente preencha e assine um pedido por escrito.

 

Onde encontro as certidões exigidas?

 

A lista de certidões exigidas para fazer a alteração é extensa.

 

A certidão de nascimento e casamento atualizadas podem ser obtidas nos cartórios onde a pessoa foi registrada ou oficializou o casamento, ou junto ao próprio cartório onde será realizado o procedimento. A emissão desses documentos não é gratuita.

 

As certidões de distribuição cível e criminal federais, da Justiça do Trabalho, Militar e Eleitoral podem ser obtidas gratuitamente pela internet.

 

Em São Paulo, as certidões do distribuidor cível e criminal e de execução criminal podem ser solicitadas sem custo junto ao Tribunal de Justiça. Veja mais informações aqui.

 

No Rio de Janeiro, essas certidões não são emitidas de forma gratuita. Por isso é recomendável que a pessoa trans busque a Defensoria Pública, para receber orientação e garantir a documentação sem custo, orienta a advogada Maria Eduarda Aguiar.

 

As certidões de protesto são cobradas em ambos os estados, mas podem ser solicitadas pela internet. É preciso ter a certidão de todos os tabeliães de protesto da residência dos últimos cincos anos.

 

É importante lembrar que boa parte das certidões tem prazo de validade. Caso estejam vencidas, não serão aceitas pelo registrador.

 

Quanto custa o serviço?

 

Os cartórios cobram valores diferentes para fazer a alteração do registro civil e a emissão dos documentos necessários em cada estado. Esses valores são determinados pela Corregedoria Geral da Justiça local.

 

Em São Paulo capital, o procedimento custa R$ 129,20. Além desse gasto, haverá o custo da emissão da certidão de nascimento e casamento atualizadas, de R$ 32 cada. Esse preço será superior se a certidão for solicitada em um cartório diferente daquele em que a pessoa foi registrada ou casou, afirma Fiscarelli. Também há o custo das certidões de todos os dez tabeliães de protesto da cidade. É possível solicitar todas pela internet e o custo total é de R$ 136,50.

 

No Rio, o custo do procedimento é de R$261,34, segundo a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do estado. A emissão das certidões de nascimento e casamento atualizadas saem por R$ 46,85 e as certidões de protesto, em todos os tabeliães da capital, custam cerca de R$ 120. Além disso, haverá o gasto das certidões estaduais do distribuidor cível e criminal e de execução criminal, afirma Aguiar.

 

Não posso arcar com esses custos. É possível solicitar a gratuidade?

 

Sim, a gratuidade pode ser solicitada diretamente no cartório, basta a declaração de hipossuficiência. Nesse procedimento, não é necessária a assessoria por parte da Defensoria Pública.

 

No entanto, em alguns casos, mesmo que não seja necessário, os cartórios exigem o ofício de gratuidade emitido pela Defensoria Pública como uma forma de comprovante, afirma a defensora Lívia Casseres.

 

Ela recomenda que pessoas trans que moram no Rio de Janeiro e querem fazer a alteração visitem o núcleo especializado da Defensoria Pública para receber orientação sobre o processo, ajuda para emissão das certidões pela internet e garantir o ofício de gratuidade. Os agendamentos podem ser feitos pelos telefones: (21) 23326186 e (21) 23326344.

 

Nos demais estados também é possível buscar auxílio jurídico gratuito. A relação dos telefones de todas as defensorias públicas do Brasil pode ser acessada aqui.

 

O cartório pode exigir laudo ou comprovação de cirurgia?

 

Não. A decisão do STF e o provimento do CNJ vem justamente no sentido de permitir que a retificação possa ser feita sem que haja a necessidade de autorização judicial, laudo médico ou comprovação de cirurgia de readequação sexual. Laudo médico e parecer psicológico são documentos opcionais, que podem ou não ser apresentados, a critério do requerente. Se o cartório exigir qualquer um deles, pode ser denunciado, pois está descumprindo as normas.

 

O cartório pode se recusar a fazer o serviço?

 

O cartório de registro civil não pode simplesmente dizer que não faz o procedimento. Todo cartório tem que fazer, diz Fiscarelli.  O requerente só não poderá dar início ao processo se algum documento estiver faltando.

 

Depois de feito o pedido, o cartório pode recusá-lo, caso suspeite de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade ou simulação quanto ao desejo real da pessoa requerente. Nesse caso, a recusa terá que ser fundamentada e enviada para o juiz corregedor responsável, que dará a palavra final sobre a alteração.

 

Em quanto tempo o procedimento é concluído?

 

Depende. O provimento do CNJ não estabelece um prazo para que o procedimento seja concluído. Em geral, após dar entrada no pedido, o cartório informa um número de protocolo e um prazo para fazer a alteração. “Eu aconselho guardar o protocolo e, se possível, tirar xerox, porque ele vem naquela folha amarela de extrato, que apaga com o tempo”, diz Aguiar.

 

Se eu já tiver entrado na Justiça para alterar meu nome, posso fazer o pedido no cartório?

 

Se for uma ação judicial que vise justamente a alteração do nome, é preciso comprovar o arquivamento do processo para dar entrada no requerimento no cartório. “Tem que pedir a desistência da ação. Quando sair a homologação do juiz da extinção daquele processo, a pessoa vem até o cartório munida desse comprovante”, afirma o oficial de Cotia.

 

O que acontece depois que a alteração é feita?

 

O cartório comunicará oficialmente a Receita Federal e os órgãos expedidores do RG, ICN e passaporte, bem como o Tribunal Regional Eleitoral. A documentação com novo nome e gênero terá que ser solicitada pela pessoa requerente, exceto no caso do CPF, em que atualização no sistema da Receita acontece de forma automática após a notificação do cartório.

 

O que devo fazer se tiver problemas no atendimento?

 

A pessoa deve registrar uma denúncia nas corregedorias dos tribunais de justiça ou no Conselho Nacional de Justiça, órgãos responsáveis por fiscalizar os cartórios. Ela também pode pedir auxílio às defensorias públicas.

 

A relação de todas as corregedorias estaduais pode ser acessada aqui. Não havendo resposta satisfatória, a Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ pode ser procurada através do Disque Cidadania (61 2326-5555) e do e-mail corregedoria@cnj.jus.br.

 

O projeto “Eu Existo”, da Antra e do Instituto Prios, também tem monitorado as dificuldades enfrentadas pelas pessoas trans nos cartórios e incentiva que as denúncias de violações sejam reportadas pelo e-mail euexisto@prios.org.br.

 

 

Fonte: Huff Post Brasil