O Supremo Tribunal Federal (STF) irá decidir se é constitucional a regra do Código Civil (CC) que prevê regimes sucessórios diferentes para cônjuge e companheiro (a). O tema teve repercussão geral reconhecida por unanimidade pelo Plenário Virtual da Corte e será analisado no Recurso Extraordinário (RE) 878694, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso.
No caso dos autos, sentença de primeira instância reconheceu a companheira como herdeira universal do falecido, dando tratamento paritário ao instituto da união estável em relação ao casamento. Contudo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), ao reconhecer a constitucionalidade do inciso III do artigo 1.790 do Código Civil, reformou tal decisão. De acordo com essa norma, na falta de descendentes e ascendentes, o companheiro faz jus, a título de herança, unicamente a um terço dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável, pois concorre com os colaterais até quarto grau, devendo ser excluída sua participação como herdeiro dos bens particulares da pessoa falecida.
No STF, a recorrente sustenta que o artigo 1.790 do Código* prevê tratamento diferenciado e discriminatório à companheira em relação à mulher casada e alega violação aos artigos 5º, inciso I, e 226, parágrafo 3º, ambos da Constituição. Aponta, ainda, violação à dignidade da pessoa humana, pois o acórdão do TJ-MG permitiu a concorrência de parentes distantes do falecido com o companheiro sobrevivente e pede a aplicação do artigo 1.829 do CC (que define a ordem para a sucessão legítima) com a finalidade de equiparar companheiro e cônjuge.
Manifestação
O ministro Barroso observou que, além do caráter constitucional, a controvérsia possui relevância social e jurídica que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Segundo o ministro, a natureza constitucional reside no debate sobre a validade dos dispositivos do Código Civil que preveem direitos sucessórios distintos ao companheiro e ao cônjuge, distinguindo a família proveniente do casamento e da união estável, especialmente à luz do princípio da isonomia e do artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição, que reconhece a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar para efeito da proteção do Estado.
O relator destacou que, do ponto de vista social, a discussão também tem relevância por tratar da proteção jurídica das relações de família num momento de particular gravidade (perda de um ente querido), podendo resultar numa situação de desamparo emocional e financeiro. Verificou também a repercussão no âmbito jurídico porque relacionado à especial proteção conferida pelo Estado à família, como prevê o artigo 226, caput, da Constituição de 1988.
“Por fim, a discussão é passível de repetição em inúmeros feitos, impondo-se o julgamento por esta Corte a fim de orientar a atuação do Judiciário em casos semelhantes. A decisão, assim, ultrapassa os interesses subjetivos da causa”, frisou o relator em manifestação pelo reconhecimento da repercussão geral, entendimento que foi seguido por unanimidade em deliberação do Plenário Virtual da Corte.
*Legislação:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.
Fonte: STF