Recife (PE) – Com o tema Novas Tecnologias e as Metas da Corregedoria Nacional do CNJ para o Extrajudicial, a plenária de abertura do 2º dia do IX Fórum de Integração Jurídica, realizada na última sexta-feira (03.08), teve como palestrante o juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, Márcio Evangelista. Com objetivo de debater o Provimento nº 74, publicado no último mês de julho, e que cria padrões mínimos de tecnologia para os serviços extrajudiciais, a mesa ainda contou com o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJ/PE), Eduardo Sertório, como mediador; e com a presidente do Sindicato dos Notários e Registradores no Estado de Pernambuco (Sinoreg/PE), Eva Tenório de Brito, como debatedora.
Na abertura de sua apresentação, Evangelista destacou a importância da segurança tecnológica, mostrando que, de acordo com um estudo realizado pela Norton Cyber Security, o Brasil é o 4º País que mais sofreu ataques hacker em 2016 e o 2º que mais perdeu dinheiro com cibercrimes em 2017.
“Venho falando sobre tecnologia nos cartórios há pelo menos um ano e meio. Até nos encontros com os representantes dos serviços extrajudiciais, sempre falei da necessidade de trabalharmos essa questão da tecnologia nas serventias. E porque temos que olhar para este tema? Porque nós estamos sendo atacados. Nos já tivemos algumas notícias relatando ataques a bancos de dados em cartórios no Brasil. É essencial criarmos políticas básicas de segurança”, afirmou.
De acordo com Evangelista, o Provimento nº 74 foi construído no intuito de criar uma uniformização dos sistemas, dando continuidade à prestação dos serviços com equipes técnicas minimamente estruturadas e com instalações razoavelmente adequadas, além de ter mais integridade e disponibilidade dos atos e informações realizadas em cartórios.
“Todas as serventias devem ter um sistema básico tecnológico. Se não, nunca vamos avançar. Para criação do Provimento, fizemos uma análise técnica e financeira porque não podíamos exigir que as todos tivessem o mesmo tipo de sistema que o setor bancário, porque é muito caro. Mesmo assim, sabemos que há cartórios que não vão ter condições de fazer o que se foi pedido na normativa. Temos plena consciência disso. Mas, como venho falando há tempos, essa não é uma questão apenas para os cartórios pequenos resolverem. É um problema de todos”, afirmou. “O sistema será de todos vocês. Se eu quero, por exemplo, ter um sistema de excelência do registro de imóveis, todos os cartórios precisam estar interligados. Se dois não estiverem, não vai funcionar”, completou.
Para exemplificar o seu ponto de vista, o juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça destacou a questão da mudança de gênero e prenome de transexuais nos cartórios de Registro Civil. Segundo Evangelista, se o sistema cartorário não estiver ligado de ponta a ponta, será inseguro. “Por exemplo, eu quero fazer um negócio com uma pessoa que fez a alteração de nome e gênero e eu não sei. Como eu vou saber se o nome dela não estava sujo? Se não é acusada de algum crime? Quando se realiza essa alteração de nome e gênero é preciso informar a vários órgãos, como a Polícia Federal por conta do passaporte. Como vai ser feita essa comunicação? Por ofício? Via papel? Tem que ser imediato, eletrônico. É necessário que todos os serviços estejam interligados e com a mesma segurança. Para eu ter certeza que a certidão retirada pelo sistema buscou todas as informações daquele indivíduo em todos os cartórios do País. E não estou falando de sistemas exclusivos entre cada natureza. Os sistemas, de todas as naturezas de cartórios, precisam conversar entre si”, disse Evangelista.
Backup
O artigo 4º do Provimento nº 74, que trata sobre o armazenamento do banco de dados dos cartórios, foi o que mais levantou questionamentos da plateia ao representante da Corregedoria.
Presente na mesa da plenária, a presidente do Sinoreg/PE, Eva Tenório, questionou Márcio Evangelista sobre a necessidade de o backup ser feito em até 24 horas “com recuperação da cópia de segurança em até 30 minutos. Não é complicado, até para os maiores cartórios? E no anexo I, para os pequenos cartórios, se afirma que se houver pane no sistema, o atendimento deverá voltar em 15 minutos. Como?”, perguntou ela.
“A ideia inicial era que o backup fosse feito de três em três horas. Mas percebemos que seria um grande problema para as serventias pequenas. Então, se fixou o backup a cada 24 horas. Ou seja, quando se encerra o expediente se começa o backup”, explicou Evangelista. “Já a segunda questão está relacionada a retomada de serviços. Que deve ser em até 15 minutos porque a população não pode esperar mais do que isso. A ideia inicial é que o cartório tenha uma equipe estruturada com condições de fazer essa virada de chaves. O sistema atual quebrou. Travou. Nada funciona. Desliga tudo e sobe em um segundo servidor. Essa é a ideia. Então, as últimas cópias de segurança tem que ser feitas em até 30 minutos antes da queda”, completou.
“Como usuário, muitas vezes, fico surpreso. Por exemplo, fui procurar algum um endereço no Google Maps e aparecia uma opção de backup automático. O Google tem condições de fazer esse backup automático. Então, podemos ter os livros do cartório armazenados nos serviços do Google?”, também perguntou o mediador da mesa, o desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Eduardo Sertório.
“O sistema de backup em nuvem não tinha uma regulamentação correta. Que dizer, ainda não tem, porque a Lei de Proteção de Dados não foi sancionada ainda. Mas o Marco Civil da Internet determina que os dados de brasileiros não podem ser armazenados em sistemas de nuvens fora do País. Então, não se pode usar o Google. E dentro dos cartórios é essencial um sistema fechado. Funcionário não pode acessar seu e-mail pessoal, por exemplo, no computador da serventia. Teria que ser um sistema zero de internet, em que só quando fosse subir os dados, é acessada a rede. Se não tiver isso, está vulnerável”, explicou Evangelista.
Ao final da mesa, a presidente do Sinoreg/PE, Eva Tenório, manifestou preocupação com relação aos que não tem conhecimento sobre o tema e que irão depender de um técnico contratado. “Mas tem o outro lado também. Normalmente os mais novos, que são os mais afoitos. Então, tem que ter o equilíbrio, cuidado. Tudo que está vindo neste provimento, sabemos que não é um castigo, que é necessário evoluir. Quando a gente não evolui, é arrastado a força. É preciso abrir a cabeça e perceber que esse é um investimento”, disse ela.
O presidente Associação dos Notários e Registradores de Alagoas (Anoreg/AL), Rainey Marinho, também manifestou sua preocupação com relação a normativa. “Tenho uma preocupação muito grande sobre como se dará esta retomada de sistema em 15 minutos. Como vamos operacionalizar isso no Brasil inteiro? E mais ainda, no artigo 9, se fala que já estamos descumprindo norma administrativa, penal e civil porque o Provimento é alto aplicável. Como vamos colocar em prática o provimento? E se os corregedores começarem a aplicar, estaremos todos em descumprimento. Minha pergunta: será que essa normativa deveria ser autoaplicável dessa forma?”, questionou.
“A responsabilidade civil e criminal já existe, então não tem novidade nenhuma. A pedido das associações colocamos que o Provimento entra em vigor após 180 dias de sua publicação. Isso para que vocês possam fazer um planejamento estratégico. A Associação e o próprio delegatario pensarem em quanto tempo podem implementar. É importante esse planejamento e apresentar ao corregedor local. Foi por isso que contamos com a colaboração de todos: para apresentar as dificuldades e as facilidades”, respondeu Evangelista.
Balanço
Ao final de sua apresentação, o juiz-auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, Márcio Evangelista, fez um rápido balanço sobre as ações e metas desenvolvidas pelo órgão judiciário ao longo dos últimos dois anos sob a gestão do Ministro João Otávio de Noronha.
Entre esses projetos, Evangelista destacou a regulamentação de temas importantes no âmbito do extrajudicial como apostilamento, os novos modelos de certidões de nascimento, a paternidade socioafetiva, a inseminação artificial, a usucapião, o Ofício da Cidadania, a conciliação e mediação, o teletrabalho, a mudança de gênero e nome de transgêneros e as regras mínimas de tecnologia.
Fonte: Anoreg-BR