Corregedorias de todos os órgãos do Judiciário devem trabalhar mais próximas e ir além da função disciplinadora que as identifica. É preciso difundir boas práticas e, mais do que isso, ser agentes efetivas da mudança, em vez de meras observadoras. Essa é a linha de trabalho do corregedor nacional de Justiça, Humberto Martins, ministro do Superior Tribunal de Justiça.
“A ideia é aproximar as corregedorias locais da Corregedoria Nacional. O Fórum Nacional de Corregedorias é adequado para pensarmos mudanças que o Judiciário necessita e que a sociedade brasileira deseja. Devemos dar publicidade às boas práticas e sermos os protagonistas das mudanças, e não meros espectadores”, afirmou o corregedor, em entrevista ao Anuário da Justiça Brasil 2019, que tem lançamento previsto para maio.
O discurso tem sido posto em prática. Nos seis primeiros meses como corregedor, Humberto Martins publicou sete provimentos e sete recomendações, e instituiu que todos os atos deverão ser analisados pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça, em medida de transparência e publicidade.
Entre as decisões, criou o já citado Fórum Nacional das Corregedorias, determinou a implantação do Processo Judicial Eletrônico das Corregedorias (PJeCorr) e instituiu sistema de metas específico para serviços notariais e de registro. Atuou pela aprovação de norma que dá ao CNJ a responsabilidade de padronizar a folha de pagamento dos magistrados brasileiros. Editou norma que proíbe nepotismo na indicação de nomes para a composição do quinto constitucional dos tribunais. E ainda vetou atuação de magistrados em conselhos fora do Judiciário — inclusive entidades esportivas.
As medidas, em sua visão, agem para cumprir seu principal objetivo anunciado no discurso de posse: aproximação com a sociedade, para demonstrar a viabilidade do Poder Judiciário. Nessa ceara, não conseguiu calar os juízes nas redes sociais, um tema que afeta publicamente o trabalho da Corregedoria. Mediante sua recomendação, o CNJ arquivou 11 casosreferentes a manifestações de magistrados durante as eleições. “A consolidação da internet veio expor novos desafios aos magistrados”, admite.
A exposição política também. Foi o que se viu em 2018, em que membros do Judiciário abandonaram cargos para seguir carreira partidária ou no Executivo. “Cada um é livre para definir suas escolhas. A imagem pública de um magistrado é bastante vinculada ao seu papel isento e pacificador das disputas sociais, mas a opção de seguir a carreira política, desvinculando-se do Judiciário, é pessoal de cada magistrado”, minimiza.
Leia a entrevista:
ConJur — Qual é o papel do Fórum Nacional das Corregedorias?
Humberto Martins — A ideia é aproximar as corregedorias locais da Corregedoria Nacional. O Fórum Nacional é adequado para pensarmos mudanças que o Judiciário necessita e que a sociedade brasileira deseja. Devemos dar publicidade às boas práticas e sermos os protagonistas das mudanças, e não meros espectadores.
ConJur — O senhor declarou, em palestra recente, que as corregedorias precisam ser mais participativas. Por que e de que forma?
Humberto Martins — A atribuição correicional do CNJ não se submete a condicionantes relativas ao desempenho da competência disciplinar pelos tribunais locais. Todavia, as corregedorias locais desempenham um valioso e árduo trabalho por estarem mais próximas dos seus magistrados. Graças a elas, o CNJ conta hoje com uma base de informações sólidas e confiáveis, o que nos possibilita seguir em frente, olhando o futuro como um novo horizonte. Recentemente, editamos o Provimento 75, de 2018, reduzindo distâncias e aproximando cada juiz brasileiro do seu corregedor nacional de Justiça.
ConJur — Não se submete de que forma?
Humberto Martins — Não se submete ao desempenho da competência disciplinar pelos tribunais locais no sentido de tirar as atribuições dos corregedores regionais. Nós estamos para somar com os corregedores regionais. Muitas vezes se diz que a competência do corregedor nacional acaba onde começa a competência dos corregedores regionais. Não é verdade. Agora, se ocorrer omissão com relação às atribuições de um corregedor no sentido de apurar algum desvio de conduta, de função ou ferimento à ética da magistratura, o corregedor também pode, de ofício, instaurar procedimento disciplinar contra qualquer magistrado independentemente de ter corregedor regional, estadual ou federal.
ConJur — O senhor assumiu a Corregedoria Nacional de Justiça com o discurso de aproximar o Judiciário da sociedade e de prezar pela transparência. Em momento de popularidade do Judiciário, como essa aproximação deve ser feita?
Humberto Martins — A demora na prestação jurisdicional acaba associando a imagem de que os serviços judiciais são ineficientes. Temos que aproximar a sociedade, mostrando que o Poder Judiciário é viável, que é possível julgar mais processos, de modo melhor e em menos tempo. Nesse sentido, são desenvolvidas várias iniciativas do CNJ. O [relatório] Justiça em Números, por exemplo. Elas possibilitam o monitoramento e controle de processo, auxiliando os tribunais a realizarem seu planejamento. São essas ideias que aproximam o cidadão do Judiciário.
ConJur — Um exemplo de como o cidadão tem analisado e cobrado o Judiciário está na questão do auxílio-moradia. O que achou da polêmica?
Humberto Martins — O assunto foi encerrado com a revogação da liminar concedida pelo ministro Luiz Fux [que estendia o pagamento a todos os magistrados brasileiros]. Evidentemente, o auxílio-moradia também tinha amparo na própria Lei Orgânica da Magistratura nacional, mas o CNJ está disciplinando quais são os casos especiais. Por exemplo, os locais de difícil acesso, em que o magistrado terá dificuldades, inclusive, de alugar ou de comprar determinados imóveis.
ConJur — O Judiciário brasileiro, de fato, é criticado por ser o mais caro e ineficiente do mundo. O que acha das críticas?
Humberto Martins — As críticas podem e devem ser construtivas. Eventuais incorreções, desvios de caminhos, certamente serão corregidos. O ser humano é grande quando reconhece suas imperfeições. Temos que estimular o acompanhamento da produtividade e das metas estabelecidas pelo CNJ sem, evidentemente, deixar de atentar para a necessidade de se garantir a qualidade das decisões. Queremos uma magistratura forte e respeitada. Por isso, afirmo sempre: o Poder Judiciário é viável. Poder Judiciário forte, cidadania respeitada.
ConJur — Análises colocam o Judiciário como um dos maiores pesos no chamado custo Brasil. Falam da insegurança jurídica, do excesso de independência dos juízes, de liminares que suspendem megaobras ou bloqueiam aplicativos. O que o CNJ pode fazer para melhorar esse cenário?
Humberto Martins — Compete ao CNJ o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Vale lembrar que simples inconformismos com decisões judiciais não são objetos de atuação do CNJ. É certo que temos que unificar procedimentos e, para tanto, temos que envolver toda a magistratura nessa tarefa, cobrando ideias, soluções e compromisso com a melhoria das atividades do Poder Judiciário.
ConJur — Deixar de seguir jurisprudência pacificada e súmula vinculante não deveria ser passível de infração?
Humberto Martins — O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no artigo 103, parágrafo 4º da Constituição Federal. As infrações disciplinares estão disciplinadas na Loman. Todavia, temos que saber a real importância da jurisprudência dos tribunais superiores no contexto do ordenamento jurídico brasileiro.
ConJur — O que acha da nova Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que obriga juízes a analisar as consequências de suas decisões?
Humberto Martins — O juiz, naturalmente, deve estar atento às consequências de suas decisões. O Poder Judiciário tem que ser instrumento da sociedade, que sempre confiou a nós a resolução de seus conflitos de interesses, sendo assim instrumento de coesão social. Em cada processo repousa uma vida.
ConJur — O cenário político atual parece ter atraído membros do Judiciário para a carreira partidária e no Executivo. Por que acha que isso tem acontecido? Qual é a mensagem que isso passa?
Humberto Martins — Cada um é livre para definir suas escolhas. A imagem pública de um magistrado é bastante vinculada ao seu papel isento e pacificador das disputas sociais, mas a opção de seguir a carreira política, desvinculando-se do Judiciário, é pessoal de cada magistrado.
ConJur — O maior expoente é o caso de Sergio Moro. Na época, indagava-se se sua exoneração antes de prestar informações no pedido de providência o livraria de eventual investigação de acusações de participação em atividade político partidária.
Humberto Martins — Todos os processos são analisados caso a caso, e cada um tem o seu tempo, de acordo com os fatos apresentados. No que se refere ao Habeas Corpus do ex-presidente Lula, entendemos que não havia desvio de conduta nem má-fé, que cada juiz agiu de acordo com o seu entendimento jurídico, pois se tratava de um procedimento judicial. Cada um na sua área de competência entendia que não estava nem a afrontando a lei nem a Constituição, e que estava rigorosamente exercendo a sua missão constitucional de magistrado. Entendemos que não houve desvio, e das decisões judiciais cabe recurso para os tribunais superiores.
ConJur — A aproximação entre magistrados e cidadãos via redes sociais tem gerado polêmicas, relacionadas ao apoio e críticas a candidatos nas recentes eleições. O magistrado pode se manifestar fora dos autos?
Humberto Martins — A liberdade de expressão é direito fundamental de todo cidadão, inclusive dos membros do Poder Judiciário na sua esfera privada. Todavia, temos que ter em mente que a conduta pessoal do juiz muitas vezes se confunde com a profissional. O mundo contemporânea está imerso em total conectividade. E, em meu sentir, a consolidação da internet veio expor novos desafios aos magistrados. Tanto que a Corregedoria Nacional, por meio do Provimento 71, de 2018, baixou a recomendação acerca do tema.
ConJur — Como avalia a implantação do processo eletrônico na Justiça brasileira? O CNJ relaxou a exigência de utilização do PJe, enquanto outros sistemas ganham espaço. É necessário fazer a unificação?
Humberto Martins — O processo eletrônico na Justiça brasileira é um caminho sem volta. É evidente o acréscimo de produtividade que a informatização trouxe ao cotidiano do nosso trabalho. Percebemos que todo o Poder Judiciário está muito envolvido na experiência de amplificação e implantação do processo judicial eletrônico unificado. O certo é que temos que desenvolver sistemas de tecnologia com padrões mínimos de segurança, integridade e disponibilidade de dados.
ConJur — O senhor foi vice-presidente do STJ no último biênio, uma função que agora é acumulada com a Corregedoria da Justiça Federal. Avalia que esse acúmulo é bom?
Humberto Martins — Sim, porque evita de se convocar desembargadores para compor o Superior Tribunal de Justiça. E o tribunal agora fica com a composição exclusiva, a exemplo do Supremo. Ou seja, afasta-se da turma e seção apenas o vice-presidente, o presidente e também o corregedor nacional de Justiça. O tribunal atua com a sua composição completa e firmando a sua própria jurisprudência.
Fonte: Conjur