Jazmín de los Ángeles Elizondo conseguiu se casar com sua noiva, Laura Flórez-Estrada, porque um funcionário a registrou como menino em 1991, quando nasceu no município costa-riquenho do Pérez Zeledón (centro-sul da Costa Rica). Elas compõem o único casal homossexual a ter se casado até hoje nesse país centro-americano, que no ano passado estabeleceu um prazo até meados de 2020 para que os casamentos igualitários sejam legalizados.
Jazmín e Laura podem causar inveja em muitos outros casais de mulheres na Costa Rica, um país muito avançado em questões sociais para os padrões latino-americanos, mas atrasado na regulação de alguns direitos civis. Por isso, o direito a serem felizes para sempre não foi plenamente cumprido: elas agora enfrentam um processo penal por “matrimônio proibido”, que pode resultar em até três anos da prisão. Na Costa Rica, diferentemente do Brasil, um advogado é responsável pelo procedimento de legalização do casamento no Registro Civil. Mario Castillo, o advogado que registrou o casamento das duas, pode ser condenado a 18 anos de reclusão por falsidade ideológica.
Jazmín – conhecida como Jaz, uma atriz de 27 anos – e Laura – ou Lalai, chef de cozinha espanhola de 31 anos – conseguiram dar visibilidade à causa da população LGBT na Costa Rica. Mas também se tornaram um exemplo especialmente claro da discriminação do Estado neste país, como lamenta Castillo, o advogado responsável pelo registro quase sigiloso do casamento em 25 de julho de 2015. A carteira de identidade de Jazmín dizia que ela era do sexo masculino; a de sua noiva, que pertencia ao sexo feminino – tudo estava juridicamente em ordem, até que o caso ganhou a esfera pública, e as autoridades manifestaram seu desgosto. O Registro Civil trocou a letra M de “masculino” pelo F de “feminino” e quis anular o casamento. Também abriu um processo penal contra as duas mulheres, que agora estão prestes a serem julgadas. Os réus na audiência preliminar, que acontece nesta terça-feira, são as duas mulheres, Castillo e duas testemunhas do enlace.
O caso segue adiante apesar de uma sentença emitida em novembro pela Sala Constitucional, que deu 18 meses para que a Costa Rica reconheça o matrimônio igualitário, hoje proibido em toda a América Central. Tampouco foi afetado pelo pronunciamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – que ainda por cima tem sua sede em San José a apenas um quilômetro do restaurante do casal –, que em 9 de janeiro de 2018 determinou a oferta desse direito legal à população LGTB, atiçando uma discussão local ainda vigente entre progressistas e conservadores com fortes raízes religiosas. A história de Lalai e Jaz é parte desse debate.
Para o Estado, não se trata de algo menor, e sim de uma fraude. Jazmín se fez passar por homem aproveitando um erro, conforme salienta a acusação do Registro Civil, subordinado ao Tribunal Supremo de Eleições. A vítima não é ninguém em concreto, e sim um conceito: “A família costa-riquenha”. O Código de Família ainda diz que é proibido o casamento entre pessoas do mesmo sexo, como é o caso delas.
“É ridículo que nós, ao formarmos uma família, atentemos contra o conceito de família. É risível que nos acusem de algo assim no século XXI. É até difícil de explicar. Pela jurisprudência que já há, o caso deveria ser arquivado, mas tudo pode acontecer. Estamos completamente tranquilas”, diz Flórez-Estrada ao EL PAÍS enquanto trabalha no seu restaurante, identificado na fachada com a bandeira multicolorida do orgulho LGTB.
O advogado Castillo também considera que o caso deveria ser encerrado desde que a CIDH emitiu sua decisão favorável ao casamento igualitário, ou pelo menos desde que a Sala Constitucional ordenou sua aplicação na Costa Rica. “Mas o Ministério Público insiste em nos acusar; não sei bem por que, mas isto só serviu para que mais gente nos apoie”, respondeu. Por isso, os réus esperam que a audiência preliminar desta terça-feira se transforme em uma nova manifestação pelo direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, sem a necessidade de erros do cartório.
Fonte: El País