O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) julgou procedente o pedido de uma jovem para incluir em seu registro de identidade o nome do padrasto, casado com sua mãe há 10 anos. A jovem continua a ter o nome do pai biológico no documento, com quem ainda mantém relacionamento.
O acréscimo no registro foi, inclusive, aprovado pelo pai biológico, que reconheceu a ligação sentimental existente entre a filha e o marido da ex-mulher. Ficou provado no processo que a menor sente o mesmo amor, carinho, respeito e confiança por ambos os pais – biológico e socioafetivo –, “motivo pelo qual, em respeito ao pórtico da dignidade da pessoa e aos novos desdobramentos a que o conceito de entidade familiar tem passado, entendo por bem deferir o pedido inicial”.
Para deferir o pedido, a juíza Sirlei Martins da Costa analisou os depoimentos da adolescente, do genitor, de familiares e de terceiros a fim de comprovar a existência do vínculo socioafetivo entre enteada e padrasto.
Na decisão, a magistrada ponderou que a afeição tem valor jurídico. “Percebi que a vontade dos requerentes é fulcrada no afeto, no carinho e no amor de um pai para com sua filha e vice-versa, e não em interesse meramente econômico”.
Ela destacou, ainda, que “pai de papel há inúmeros, mas estes nem sempre são, na prática, pais de verdade; prova disso são as constantes demandas no Judiciário visando indenizações pecuniárias por abandono afetivo”.
Para o professor Christiano Cassettari, diretor do IBDFAM de São Paulo, a decisão é importante porque judicializa uma situação fática já existente. “O Direito não pode ignorar os fatos sociais que já estão consagrados na prática, deixando-os marginalizados da possibilidade de gerarem consequências jurídicas. Georges Ripert afirmava que o Direito não deve ignorar a realidade, pois quando o Direito ignora a realidade esta se vinga e ignora aquele. Esta frase é perfeita e demonstra que o Direito deve sempre estar atento aos fatos sociais, para criar regras que os normatizem. A referida decisão valoriza, mais uma vez, a parentalidade socioafetiva como uma forma de parentesco, consoante a permissão contida no art. 1.593 do CC, que reconhece que o mesmo pode ser de outra origem”, diz.
Segundo Cassettari, a decisão reforça a tese da multiparentalidade, que é, segundo ele, o maior efeito jurídico da parentalidade socioafetiva. O professor defende essa tese em seu livro "Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva: Efeitos Jurídicos", 2º edição, publicado pela Editora Atlas.
Cassettari afirma que decisões como esta, que reconhecem a multiparentalidade, já se tornaram frequentes no Brasil. “Já podemos dizer que são maioria, pois existem inúmeras decisões em nosso país;quase que em todos os estados já temos precedente. Praticamente um em cada estado brasileiro, tais como AC, AM, CE, DF, ES, GO, MA, MG, PE, RJ, PR, RS, RO, SE e SP”, diz.
Fonte: IBDFAM