Duas gaúchas disputam homem que morreu há dez anos

Duas mulheres gaúchas travam uma batalha judicial para garantir o direito à pensão de um servidor público aposentado morto em 2000, no RS. Ambas alegam ter mantido um relacionamento estável até a morte do companheiro. O caso está no STJ, que em recurso especial, definirá se é possível reconhecer uniões estáveis paralelas entre um homem e duas ou mais mulheres. O julgamento – ainda sem data para ser retomado – está interrompido por um pedido de vista do ministro Raul Araújo.

O funcionário público não se casou, mantendo apenas uniões estáveis com duas mulheres até a sua morte. Uma delas – que com ele conviveu de 1990 até seu falecimento – ajuizou ação declaratória de reconhecimento de união estável e chegou a receber o seguro de vida pela morte do companheiro.

A segunda pediu judicialmente não só o reconhecimento da união estável, mas também o ressarcimento de danos materiais e extrapatrimoniais, que seriam devidos pelos herdeiros. Ela alega que conheceu o falecido em agosto de 1991, e em meados de 1996 passaram a conviver na mesma residência, com a intenção de constituir família. Essa segunda ação teve sentença de improcedência, na 2ª Vara de Família de Porto Alegre.

Em segunda instância, o TJ-RS reformou a sentença, reconheceu as duas uniões estáveis paralelas e determinou que a pensão por morte recebida pela mulher que primeiro ingressou na Justiça fosse dividida com a outra companheira do falecido. O julgado sustentou que "o Direito de Família moderno não pode negar a existência de uma relação de afeto que também se revestiu do caráter de entidade familiar".

A primeira mulher a entrar com a ação declaratória de união estável entrou com recurso especial, pedindo a reforma da decisão que a obrigava a dividir a pensão com a outra. Ela alega ter sido a primeira a iniciar a convivência com o funcionário público, além de o Código Civil não permitir o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas.

Antes do pedido de vista, o relator do caso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, havia votado pelo não reconhecimento das uniões estáveis, sob o argumento de que estava afrontado o princípio de "exclusividade do relacionamento sólido". O entendimento foi seguido na íntegra pelo desembargador convocado Honildo de Mello Castro.

Segundo o relator, "o ordenamento jurídico brasileiro apenas reconhece as várias qualidades de uniões no que concerne às diversas formas de família, mas não do ponto de vista quantitativo, do número de uniões". O voto ponderou que "não é somente emprestando ao direito ´velho´ uma roupagem de ´moderno´,  que tal valor social estará protegido, sendo necessárias reformas legislativas". (REsp nº 912926)

Para entender o caso
 
* P. (o homem), V. e M. (as duas mulheres) são os personagens da história que tem, no centro, o cidadão que teve, antes, outras parceiras que gestaram uma extensa prole – oito filhos – todos de ventres diferentes. Uma das filhas é advogada.
 
* Nos últimos anos, P. teve essas duas companheiras (V. e M.) concomitantes e com ambas formou entidades familiares. Com as duas convivia maritalmente e – segundo a 8ª Câmara Cível do TJRS – "com as duas teve o objetivo de constituir família".
 
* A convivência com V. foi de 1990 até 12 de julho de 2000 (data de seu falecimento). Essa união estável já foi reconhecida por sentença judicial transitada em julgado.
 
* A segunda união estável com M. é de janeiro de 1996 também até o momento do óbito. O relacionamento se consolidou quando a mulher se mudou, em janeiro de 1996, de Passo Fundo para Porto Alegre para residir com o companheiro, o que perdurou até a morte dele – embora ela tenha retornado para a cidade interiorana no início de 1998 por razões de trabalho. "Ainda assim mantiveram a entidade familiar, com visitas todos os fins de semana do companheiro à mulher e vindas dela a Porto Alegre" – diz o acórdão.

* Em inúmeros documentos juntados constata-se um outro endereço do homem: era aquele que ele residia com V., a primeira companheira.
 
* A prova fotográfica juntada convenceu convenceu os desembargadores da 8ª Câmara Cível do TJRS de que havia "duas uniões estáveis concomitantes".
 
* Segundo o relator no TJ gaúcho, desembargador José Ataídes Trindade, que se aposentou em fevereiro passado, "mesmo que sete dos oito filhos do réu confirmem a existência de convivência marital apenas entre o homem e uma das duas mulheres (V.) , também é farta a prova oral confirmando a existência da união estável paralela do segundo casal". Nessa condição, ele assumiu a filha da sua nova companheira como sua filha.
 
* Os desembargadores Luiz Ari Azambuja Ramos e Rui Portanova votaram na mesma linha.

* A 8ª Câmara julgou procedente a ação declaratória ajuizada pela segunda companheira e reconheceu a existência da união estável entre ela e o falecido, vigente entre o início do ano de 1996 e 12 de julho de 2000, deferindo-lhe o direito de perceber 50% da pensão por morte recebida pela outra companheira. No ponto, o colegiado reformou a sentença de primeiro grau. Na 2ª Vara de Família de Porto Alegre, o juiz Roberto Arriada Lorea havia julgado improcedentes os pedidos.

 

 

Fonte: Espaço Vital