Gera dano moral coletivo a exibição de programa de TV no qual crianças e adolescentes são alvo de humilhações, chacotas e outros tratamentos jocosos. O entendimento foi da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso da emissora TV Rádio Jornal do Commércio Ltda. contra acórdão do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE).
Em um de seus programas, a emissora exibia um quadro chamado “Investigação de Paternidade”, no qual expunha a vida e a intimidade de crianças e adolescentes cuja origem biológica era investigada. Conforme os autos, o apresentador do programa utilizava expressões jocosas e humilhantes para se referir aos menores envolvidos e à situação que vivenciavam.
Ao propor ação civil pública contra a emissora, o Ministério Público de Pernambuco pleiteou sua condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 1 milhão.
A ação foi julgada improcedente pelo juízo de primeiro grau. Entretanto, o TJPE reformou a sentença e condenou a emissora a pagar indenização de R$ 50 mil, pois considerou que todos os adolescentes e crianças que viram o programa e que estavam em situação de incerteza quanto à sua origem biológica foram atingidos pelo quadro.
Categoria autônoma
No STJ, a emissora argumentou que o dano moral é personalíssimo e que, por isso, só poderia ser reclamado pelos participantes do quadro, e não pelo Ministério Público. Sustentou ainda o descabimento do dano moral coletivo, tendo em vista a dificuldade de qualificar a noção de dor e sofrimento psíquico em uma coletividade.
O ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso da emissora, explicou que o ajuizamento da ação seria possível por qualquer dos legitimados enumerados no artigo 210 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e que o Ministério Público tem legitimidade ampla para propor ação pleiteando dano moral no processo coletivo.
Salomão afirmou que a jurisprudência predominante do STJ admite a possibilidade de condenação por dano moral coletivo, considerando-o categoria autônoma de dano para cujo reconhecimento não se fazem necessárias indagações acerca de dor psíquica, sofrimento ou outros atributos próprios do dano individual.
De acordo com o ministro, o dano moral coletivo é aferível in re ipsa, ou seja, “sua configuração decorre de mera constatação da prática de conduta ilícita que viole direitos de conteúdo extrapatrimonial da coletividade”, sendo desnecessária a demonstração “de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral”.
Vulnerabilização
Segundo o relator, a configuração do dano moral coletivo no caso julgado “não reside na identificação dos telespectadores, mas, sim, nos prejuízos causados a toda a sociedade, em virtude da vulnerabilização de crianças e adolescentes, notadamente aqueles que tiveram sua origem biológica devassada e tratada de forma jocosa, de modo a, potencialmente, torná-los alvos de humilhações e chacotas pontuais ou, ainda, da execrável violência conhecida como bullying” – objeto da Lei 13.185/15.
Luis Felipe Salomão disse que o quadro televisivo, ao expor imagens e nomes dos genitores das crianças e adolescentes, “tornou-os vulneráveis a toda sorte de discriminações, ferindo o comando constitucional que impõe a todos (família, sociedade, Estado) o dever de lhes assegurar, com absoluta prioridade, o direito à dignidade e ao respeito e de colocá-los a salvo de toda forma de discriminação, violência, crueldade ou opressão (artigo 227 da Constituição da República)”.
Para o ministro, é razoável e adequada à função do dano moral coletivo a fixação do valor em R$ 50 mil, conforme estabelecido pelo TJPE.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
REsp 1517973
Fonte: STJ