Representantes dos oficiais de registro civil de Minas defendem aumento da contribuição de todos os tipos de cartórios, para ajudar a ressarcir o gasto dos cartórios de registro civil, que são obrigados por lei a realizar diversos atos gratuitos. Também propõe adotação de medidas para “blindar” a Câmara de Compensação da Gratuidade (Recompe-MG), mantendo a transparência da gestão. Isso impediria que novas leis desvirtuem o uso do recurso, originalmente destinado a compensar os cartórios civis pela emissão gratuita e universal de registros de nascimento e óbito e outros.
Essas foram as principais demandas apresentadas por entidades representativas dos registradores civis, na reunião da Comissão de Participação Popular, nesta quarta-feira (19/6/24), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. A audiência pública, realizada a pedido dos deputados Doutor Jean Freire e Leleco Pimentel, do PT, Lucas Lasmar (Rede) e da deputada Leninha (PT), teve como objetivo debater potenciais alterações na gestão do Recompe-MG, previstas no Projeto de Lei (PL) 1.931/20, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.
O presidente do Sindicato dos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais de Minas (Recivil), Genilson de Oliveira, lamentou que, após 20 anos de criação da Lei 15.424, de 2005, os registradores tenham que se preocupar com a sustentabilidade dos cartórios. Essa norma criou a Recompe-MG, que compensa os atos gratuitos praticados pelos registradores, incluindo os registros de nascimento e óbito, casamentos gratuitos realizados para os declaradamente pobres e, ainda, certidões e mandados judiciais gratuitos, mediante comprovação.
O maior problema, na avaliação dele, foi o excesso de gratuidade acrescentado às originais, previstas na Constituição Federal. “Isso nos sufoca. Os cartórios de imóveis lidam com patrimônio, enquanto os de registro civil tratam de cidadania”.
Também membro do Recompe-MG, Oliveira disse que vem lutando para melhorar a gestão da câmara, para tentar acrescentar renda aos cartórios civis que passam por mais dificuldades, especialmente no interior. A renda mínima oferecida a cerca de 600 serventias, para garantir sua sobrevivência, era de R$ 2.800 e hoje foi aumentada para R$ 4.800. Mas ele ainda considera o valor baixo, principalmente se comparado a outros estados, onde recebem valores de até R$ 15 mil.
Na análise do presidente do Recivil, a mudança na composição da comissão gestora do Recompe-MG, prevista no PL 1.931/20, jogaria por terra o trabalho realizado, retirando dos pequenos cartórios o ganho que obtiveram. Como solução para a dificuldade financeira crônica dessas unidades, propôs o aumento do percentual recolhido de todos os cartórios, dos atuais 5,66% para 8%. Isso ampliaria a arrecadação, conseguindo fazer frente a outras gratuidades acrescentadas na legislação.Play00:0004:41MuteSettingsRegistradores civis criticam projeto que altera gestão de fundo de compensação
Maioria dos atos realizados pelo registro civil seriam gratuitos
O presidente da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), Gustavo Fiscarelli, detalhou a situação insustentável de muitos cartórios de registro civil. “Minas tem a maior quantidade de serventias civis entre os estados – quase 20% delas; e a maioria dos atos realizados é gratuita”, disse.
Também defendeu a proteção dos recursos do Recompe-MG contra qualquer iniciativa que possa torná-lo precário ou pouco transparente, ou que reduza a capacidade dos cartórios civis de receberem o devido ressarcimento: “Proteger o fundo, dando-lhe regras claras, é proteger a cidadania”. E propôs majorar a renda mínima paga aos pequenos cartórios.
Anna Carolina Pessoa de Aquino, presidente do Fundo de Compensação de Pernambuco, cerrou fileiras com os representantes dos registradores mineiros, reforçando suas demandas. “Quando soube deste projeto de lei, fiquei impressionada, pois não vejo motivo para mudar o modelo de gestão da Recompe, que é exitoso e solidário. A alteração proposta não vai atender aos anseios dos registradores e muito menos da população.”Anna Carolina Pessoa de AquinoPresidente do Fundo de Compensação de Pernambuco
Ela ainda lembrou que seu estado implantou o Siscomp, que tem como modelo o Recompe-MG. “Pernambuco emitiu mais de 66 mil certidões gratuitas, maior número do Brasil, graças à força do fundo que criamos”, comemorou.
Menos da metade dos gastos do registro civil são ressarcidos
De acordo com Juliana de Souza, coordenadora das câmaras de fiscalização do Recompe-MG, o fundo só consegue ressarcir 42,15% das despesas dos registros civis com a gratuidade. Por isso, também defendeu o aumento do percentual de 5,66 cobrados dos cartórios para ampliar a arrecadação e conseguir remunerar adequadamente os registradores. “É uma vergonha; se não é remunerado de forma digna, o registrador vai acabar prestando um serviço ruim à população”, avaliou.
Ela lembrou que, dos atos oriundos de mandados judiciais, entre 80% e 90% são gratuitos. Depois de apresentar números da arrecadação mensal do Recompe-MG, ela reconheceu que a comissão gestora acaba criando regras limitadoras e burocráticas para dificultar muitos pagamentos, pois o dinheiro não consegue ressarcir tudo.
Importância da emissão de documentos para carentes
Maria Alice Santos coordena o Projeto Banho de Amor, que oferece à população em situação de rua banheiros itinerantes, atendimento médico, auxílio odontológico e serviços como emissão de documentos. “Às terças-feiras, vamos às ruas entre 18 e 22 horas, levando o banho para as pessoas, o que é uma forma de dar-lhes dignidade”, disse ela, destacando a parceria com a Defensoria Pública e com o Recivil, para fornecimento de certidões e outros documentos a esse público.
Maria Angélica Biondi, presidente do Instituto de Apoio e Orientação a Pessoa em Situação de Rua (Inaper), enfatizou que muitas pessoas procuram a entidade também porque perderam seus documentos, reforçando a importância do registro civil gratuito. “O Recivil fez parceria conosco há muitos anos, para fazermos as certidões gratuitas. Sem documento, é quase impossível o acesso aos serviços; esse é um trabalho para a população, que não pode parar.”Maria Angélica BiondiPresidente do Inaper
Ainda nessa perspectiva, o deputado Doutor Jean Freire citou a série “Invisíveis”, do Fantástico, na Rede Globo, que mostrou a situação precária de milhões de brasileiros sem seus documentos oficiais. Ele defendeu que qualquer mudança no PL 1.931 deva ser para melhorar a situação dos registradores e da população. “Não podemos regredir; mas as vitórias só conseguimos com luta”, disse.
Ao final, ele propôs a criação de uma frente interestadual em apoio aos registradores civis e convidou a Defensoria Pública para participar. Presente à reunião, Leonardo Magalhães, defensor público geral federal, aceitou o convite para entrar nessa frente. “O papel dos registradores civis para a sociedade coincide com o das Defensorias, pois todos nós lutamos para que as pessoas tenham direitos fundamentais básicos”, analisou.
Já o deputado Lucas Lasmar (Rede) valorizou a importância dos cartórios civis, especialmente no interior. Colocou-se à disposição como membro do bloco de oposição ao governo na ALMG, com o compromisso de contribuir para valorizar esses estabelecimentos, lutando pela justa compensação dos serviços prestados.
Fonte: ALMG