Especialista defende mudança de gênero mesmo sem a cirurgia de transgenitalização

Os transgêneros que vivem no Brasil enfrentam inúmeras dificuldades em seu dia a dia. Além do preconceito, por vezes existente na própria família, a violência e a desaprovação do mercado de trabalho complicam o bem-estar e retiram a dignidade destes cidadãos. Conforme estudo realizado pela organização não governamental Transgender Europe (TGEU), rede europeia que apoia os direitos da população trans, somente entre janeiro de 2008 e março de 2014, foram registradas 604 mortes de travestis e transexuais em nosso país. Se até mesmo o nome social é desrespeitado, a possibilidade de mudar oficialmente o registro sem a intervenção médica – a cirurgia de transgenitalização – pode amenizar esse sofrimento.

 

“Obter a adequação do Registro Civil independentemente da realização da cirurgia significa o reconhecimento judicial de que esta é opcional e que não é a intervenção médica quem dita o gênero do cidadão. Ademais, a decisão ou não pelo procedimento deve ser da pessoa trans, pois muitos não desejam realizá-la, visto que o conceito do bem-estar é subjetivo. É possível que ela esteja bem com seu corpo e a presença da genitália não lhe traga conflitos ou necessite/queira aguardar a realização de eventuais cirurgias. A obtenção da documentação com prenome e gênero adequados já permite o convívio social sem constrangimentos, portanto cabe à pessoa trans verificar se deseja ou não modificar algo no seu corpo, não se configurando em uma obrigatoriedade para ver seus direitos reconhecidos”, esclarece a advogada especializada em mudanças de nome e gênero, Tereza Rodrigues Vieira, integrante do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

 

O Brasil oferece o procedimento cirúrgico gratuitamente desde a publicação da portaria N° 457, de agosto de 2008. De acordo com o Ministério da Saúde, até 2014, foram realizados 6.724 procedimentos ambulatoriais e 243 cirurgias em quatro serviços habilitados no processo transexualizador do Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, nem todos conseguem a operação. “O fato de o Ministério autorizar a realização da transgenitalização, não significa que tenha vagas para todos os que a desejam”, explica Tereza Vieira. Para ambos os gêneros, a portaria do Ministério da Saúde estabelece que a idade mínima para procedimentos ambulatoriais seja de 18 anos. Esses procedimentos incluem acompanhamento multiprofissional e hormonioterapia. Para procedimentos cirúrgicos, a idade mínima é de 21 anos.

 

“Sou favorável à mudança de nome nos documentos mesmo quando não há cirurgia de transgenitalização. As características biológicas de nascimento da pessoa trans não impedem o reconhecimento da sua identidade de gênero, contudo, o atendimento por médicos e psicólogos deve ser oferecido para acompanhamento ou esclarecimento, mas isso não significa que todos tenham que a ele se submeter para obter a adequação da documentação civil para o gênero desejado. O processo para adequação do registro civil deve ser desmedicalizado”, defende Tereza.

 

Ainda há no Brasil, uma grande oscilação jurisprudencial nos casos de mudança de gênero. Algumas pessoas conseguem alterar oficialmente o nome, enquanto outros não têm a mesma sorte. Em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) está a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4275 (ADI), que visa o reconhecimento dos transexuais de substituírem nome e sexo no registro civil, independentemente da cirurgia de transgenitalização.

 

“Tratar uma pessoa pelo nome e gênero diversos aos que ela sente pertencer é muito cruel e o Judiciário, mais do que ninguém, não pode permitir tratamento degradante. Assim, a ADI 4275 poderá contribuir bastante para pacificar a matéria no país, demonstrando que o gênero é construído e o Estado deve garantir o seu livre exercício. Ressalte-se que a participação do IBDFAM como amicus curiae nessa ADI é valiosa, por se tratar de um respeitável instituto que já conseguiu muitos avanços inimagináveis, influenciando positivamente nossa jurisprudência”, ressalta a advogada.

 

VIOLÊNCIA

 

De acordo com o último relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil, publicado em 2012, pela Secretaria de Direitos Humanos, foram recebidas 3.084 denúncias de violações relacionadas à população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros), envolvendo 4.851 vítimas. Em relação ao ano anterior, houve um aumento de 166% no número de denúncias – em 2011, foram contabilizadas 1.159.

 

 

Fonte: Ibdfam