Especialista em direito homoafetivo faz um balanço das conquistas de travestis e transexuais

Carla Amaral é presidente do Transgrupo Marcela Prado – uma associação paranaense que agrega travestis e transexuais – e afirma ser a primeira transexual do estado do Paraná a conseguir na Justiça a troca do nome civil sem ter se submetido ao procedimento cirúrgico de mudança de sexo. Na busca pela expansão dos direitos do grupo que representa, Carla acredita que a questão principal é fazer com que a sociedade enxergue a identidade que a pessoa transgênera enxerga de si. “Não se adequando a questões de aparência, a pessoa assume uma identidade e busca referências”, explica.

Carla afirma também que o movimento trans, há algumas semanas, sofreu um revés em sua busca por legitimação. Ela se refere ao episódio ocorrido com o cartunista Laerte, numa pizzaria na zona oeste paulistana. Na ocasião, o sexagenário que se veste de mulher desde 2009 foi impedido pelo gerente do restaurante, após o pedido de uma cliente, de utilizar o banheiro feminino.

Laerte rejeita a distinção por gêneros, e afirma não existir uma palavra que o defina precisamente. Embora o cartunista reivindique o direito de usar o banheiro feminino, já utilizou as dependências públicas masculinas travestido de mulher. É justamente esse discurso que Carla Amaral critica. Ela entende – e diz acreditar que a comunidade transgênera como um todo também compartilha da mesma opinião – que a postura de Laerte diminui a credibilidade da busca por direitos transgêneros. “Descaracteriza toda uma luta de um coletivo que vivencia de maneira real, e não de maneira fetichista”, afirma.

Na esfera jurídica, as conquistas ligadas à diversidade sexual tiveram em grande medida o apoio e a atuação da desembargadora aposentada Maria Berenice Dias. A criadora do site Direito Homoafetivo preside a Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), na qual lidera um movimento nacional para criação de comissões especializadas em todo Brasil. Em entrevista ao Última Instância, Dias aborda os avanços e os obstáculos que a legislação brasileira apresenta aos direitos de travestis e transexuais.

Uma reivindicação frequente entre transexuais e travestis é a mudança do registro civil. O que é necessário para garantir a troca?

A mudança de RG ainda depende de autorização judicial. É preciso entrar com ação na Justiça para pedir a mudança do nome no registro civil e a mudança da identidade sexual, isto é, do gênero. O que eu tenho verificado é que a Justiça tem aceitado a troca do nome, mas não a troca do gênero. A vantagem é que na carteira de identidade não aparece o sexo, além de serem poucos os documentos que exigem estar definido o gênero do indivíduo.

Quando não há a troca oficial, existe a possibilidade de fazer uso do nome pelo qual a pessoa é reconhecida socialmente, o chamado nome social. Há dispositivos legais que garantem o direito de usá-lo?

Não existe ainda nenhuma lei federal que regulamente a questão. Há um projeto de lei [PL 072/2007], em tramitação no Congresso Nacional, que possibilita a mudança do prenome civil, porém ainda não houve aprovação. Além do mais, a legislação varia de estado para estado e de cidade para cidade. Mas há algumas localidades que baixaram cartas administrativas autorizando o uso do nome social.

É possível cancelar o certificado de reservista (Certificado de Dispensa de Incorporação)?

Nos casos em que há a troca legal, por meio de ação judicial, do gênero, é necessário fazer uma solicitação ao Exército para, ou fornecer o certificado de reservista – quando a mudança é do sexo feminino para o masculino –, ou para cancelar esse registro e comunicar à Secretaria de Segurança Pública que a pessoa agora tem outro sexo e não necessita mais do documento. Mas, de qualquer jeito, é preciso regularizar a situação junto ao Exército, pois o documento é obrigatório.

Existe um consenso sobre o uso do banheiro do gênero adotado?

Travestis e transexuais devem usar o banheiro da sua identidade sexual, pois esta passa a ser a sua identidade oficial. Essas pessoas não são andróginas e, obviamente, têm o direito de usar o banheiro, é uma necessidade fisiológica. Nada justifica proibir o acesso ao uso do banheiro, conforme a identidade que se apresenta. Entretanto, o estabelecimento só seria passível de punição se houvesse uma lei federal que proibisse essa reação. Como não é o caso, há que se verificar se existe alguma regra administrativa, no âmbito regional, que regulamente a questão.

E quanto ao direito a uma cela distinta nos presídios?

Há um projeto na justiça estadual de Minas Gerais que criou, em um presídio da região metropolitana de Belo Horizonte, uma ala especial na qual ficam as travestis e transexuais.

Qual é a recomendação nas situações de revista policial?

Nada justifica que não seja obedecida a identidade social. As pessoas são associadas ao que aparentam ser. Então, qualquer um que se apresente como um homem tem o direito de ser revistado por um homem. O mesmo se aplica a transexuais que não passaram por cirurgia de mudança de sexo. Entretanto, essa regra não está regulamentada.

Em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Sua decisão, com efeito vinculante em todo o país, teve como relator o ministro Carlos Ayres Britto. O casamento civil se encontra na mesma situação? Quais as diferenças legais entre os dois casos?

Após decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), o casamento entre pessoas do mesmo sexo também ficou permitido. Muitos cartórios estão aceitando a conversão da união estável em casamento civil. Inclusive, uma recomendação recente da Justiça alagoana determina e autoriza a realização direta do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, sem a necessidade de ingressar com pedido no judiciário. A diferença é a oficialização. Um tem um papel que marca o começo da união, a Certidão de Casamento, e outro, não. Fora isso, muda pouca coisa. A lei estabelece algumas diferenças nas subseções do Código Civil, mas a jurisprudência e os tribunais têm dito que esse tratamento diferenciado é inconstitucional. Família se fala tanto no casamento, quanto na união estável.

Ligados ao direito da união homoafetiva, os direitos de herança e adoção também foram reconhecidos?

O direito à herança do cônjuge ficou estabelecido no momento em que a Justiça reconheceu a união estável. O mesmo ocorre com o direito à adoção. Embora na prática seja muito mais difícil, em alguns casos há o reconhecimento da concessão do direito.

Onde é possível encontrar mais informações a respeito da legislação vigente sobre o assunto?

O site da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) apresenta um bom compêndio de informações, inclusive com uma seção indicando todos os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional.

 

 

Fonte: Site Última Instância