Estímulo a métodos alternativos de solução de conflitos está na CF/88

Em consonância com o preâmbulo da Constituição Federal de 1988, que descreve como objetivo maior a instituição de “um Estado Democrático […] de uma sociedade fraterna comprometida com a solução pacífica das controvérsias”, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem empregado esforços contínuos no sentido de valorizar o uso dos métodos alternativos de solução de controvérsias. Entre as ações adotadas, estão a criação da Semana Nacional da Conciliação, o Prêmio Conciliar é Legal e a própria Resolução CNJ n. 125, que institui a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesse.

 

Durante recente encontro com representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, lembrou que existe apenas um magistrado para cada 471 metros quadrados do país. A esse cenário, de acordo com o ministro, acrescentam-se dois agravantes: crescimento no número de demandas, “que já somam 80 milhões em tramitação”, e um déficit nos cargos de juízes. “Buscar métodos pacíficos de solução de conflitos não é apenas uma alternativa. É uma medida urgente”, afirmou. Ao proferir o discurso, ele participava de um seminário na sede do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Brasília, para discutir como a cultura da mediação judicial pode fazer frente ao excesso de ações que sobrecarregam os tribunais.

 

Em 2017, durante a XII Semana Nacional de Conciliação, evento promovido pelo CNJ, foram homologados 126,9 mil acordos judiciais em todo o país, totalizando R$ 1,5 bilhão. Foram atendidos 757 mil cidadãos que representavam 321 mil processos judiciais. A próxima edição da Semana Nacional da Conciliação, deste ano, já tem data marcada. Será entre os dias 5 e 9 de novembro, nos Tribunais Estaduais, Federais e do Trabalho, em todo o país. A expectativa é de que o volume de acordos seja ainda maior. Somando todas as 12 edições do evento, foram tirados dos trâmites judiciais mais de 1,7 milhão de processos, resolvidos por conciliação.

 

“Estamos trabalhando com uma mudança de cultura. A população está acostumada com a figura do juiz, que arbitra a decisão por ela. Mas a melhor decisão é aquela em que as partes participam e encontram a solução juntas”, destacou a conselheira do CNJ Daldice Santana, presidente do Comitê Gestor da Conciliação.

 

Política nacional


“A Constituição Federal, em seu capítulo II, artigo 4º, determina que compete ao CNJ incentivar a conciliação e a mediação. A Resolução CNJ n. 125 é uma resposta a essa demanda constitucional”, explicou Daldice Santana. A conselheira afirma que essa resolução do CNJ, que institui a Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesse consolidou, em um normativo único, a política de busca pela solução pacífica dos conflitos. Dentro da Resolução, ela destaca a determinação aos Tribunais de Justiça acerca da implantação dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMECs).

 

Os Nupemecs de cada tribunal são responsáveis pelo desenvolvimento da Política Pública nos Estados e pela instalação e fiscalização dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs). Os CEJUSCs são as “células” de funcionamento da Política Pública, nas quais atuam conciliadores, mediadores e demais facilitadores de solução de conflitos, bem como servidores do Judiciário, aos quais cabe a triagem dos casos e a prestação de informação e orientação aos jurisdicionados para garantia do legítimo direito ao acesso à ordem jurídica justa.

 

Os CEJUSCs originaram-se de experiências anteriores, entre elas a Lei dos Juizados de Pequenas Causas (Lei n. 7.244/1984), posteriormente aprimorada pela Lei dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099/1995). Essas experiências, além de trazerem a mediação para o processo, permitiram a utilização tanto desse método quanto o da conciliação em pré-processual, evitando a judicialização de conflitos.

 

Quem pode conciliar?


A conciliação pode ser utilizada em quase todos os casos: pensão alimentícia, divórcio, desapropriação, inventário, partilha, guarda de menores, acidentes de trânsito, dívidas em bancos e financeiras e problemas de condomínio, entre vários outros. Só não pode ser usada em casos que envolvam crimes contra a vida (homicídios, por exemplo) e situações previstas na Lei Maria da Penha. “É complicado para um juiz decidir sozinho com quem vai ficar com a guarda de uma criança, por exemplo. É preciso a participação dos pais em uma decisão como essa. Tem de haver a participação ativa dos envolvidos e é isso que estamos buscando. Mais diálogo entre todos”, enfatizou a conselheira.

 

“Quando um juiz dá uma sentença, encerra o conflito entre duas partes. No entanto, necessariamente, se uma das duas partes não fica satisfeita com a decisão e, se tem possibilidade, acaba recorrendo e o processo se prolonga”, disse o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli. Segundo o ministro, a mediação e a conciliação previnem que a enxurrada anual de novos processos sobrecarregue a estrutura do Judiciário pois encerra o litigio. “Todos nós, nas faculdades, somos ensinados a litigar. Aprende-se a entrar na Justiça e a Justiça não dá mais conta de resolver, a tempo, todos os litígios que lhe são apresentados”, afirmou o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), citando ainda a Lei da Mediação e o texto do novo Código de Processo Civil (CPC) também determinam que a mediação e a conciliação façam parte da solução de processos judiciais.

 

Banco de boas práticas


Para incentivar ainda mais a solução pacífica dos conflitos, o CNJ possui um banco de boas práticas, advindos do Prêmio Conciliar é Legal. Desde 2010, o condecoração reconhece as práticas de sucesso, estimula a criatividade e dissemina a cultura dos métodos consensuais de resolução dos conflitos. Podem concorrer ao Prêmio os tribunais, magistrados, instrutores de mediação e conciliação, instituições de ensino, professores, estudantes, advogados, usuários, empresas ou qualquer ente privado, mediante a apresentação de práticas autocompositivas executadas individualmente ou em grupo.

 

Em 2018, os critérios para avaliação e julgamento das práticas são eficiência, restauração das relações sociais, criatividade, replicabilidade, alcance social, desburocratização, efetividade, satisfação do usuário e a ausência ou baixo custo para implementação da prática.

 

Em 2017, além dos 14 projetos vencedores, 19 práticas receberam menções honrosas pelos projetos eficientes voltados à solução pacífica de conflitos. Naquele ano, pela primeira vez foi incluída a categoria Mediação e Conciliação Extrajudicial.

 

Curiosidade


O ato de conciliar um litigio não é uma política nova no sistema jurídico brasileiro. No Brasil a conciliação remonta à época imperial (século XVI e XVII), precisamente nas Ordenações Manuelinas (1514) e Filipinas (1603) que trazia em seu livro III, título XX, § 1º, o seguinte preceito: “E no começo da demanda dirá o Juiz a ambas as partes, que antes que façam despesas, e sigam entre eles os ódios e dissensões, se devem concordar, e não gastar suas fazendas por seguirem suas vontades, porque o vencimento da causa sempre é duvidoso. […].”

 

No século XIX, pela primeira Constituição Imperial Brasileira (1924), a conciliação ganhou status constitucional. O texto trazia, em seu artigo 161, o seguinte texto: “Sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliação não se começara processo algum”.

 

Em 1943, entra em vigor a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n. 5.452, de 1/5/1943), trazendo em seu artigo 764 e parágrafos, a obrigatoriedade de se buscar sempre nos dissídios individuais e coletivos do trabalho, a conciliação entre as partes, deixando a decisão do Juízo somente para o caso de não haver acordo (art. 831).

 

 

Fonte: CNJ