Estrangeiro pode adotar criança brasileira

Tratado de Haia facilita o processo de adoção entre países

Crianças órfãs, abandonadas ou tiradas da guarda de seus responsáveis por maus tratos ou por descumprimento de obrigações por parte dos pais são, diariamente, mandadas para abrigos e cadastradas para adoção. O Brasil tem muitas crianças para serem adotadas e, como nem sempre as famílias brasileiras dão conta desse número, o governo abre espaço para estrangeiros interessados em dar-lhes um lar.

A adoção internacional, porém, deve sempre ser a última medida a ser tomada, depois de todas as outras tentativas – de manter a criança na família biológica ou ainda no país – terem falhado. É o que diz a Convenção de Haia, que regulamenta a adoção internacional com o principal objetivo de garantir os direitos das crianças e de quem deseja adotá-las.

Liliane Maria Lacerda Gomes, coordenadora da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (CEJA) de Minas Gerais, diz que há muita procura por crianças brasileiras e a Itália está no topo desse ranking. “Várias entidades italianas fazem essa intermediação. Mas há também espanhóis, franceses e outras nacionalidades”, afirma.

O advogado especialista em direito civil e membro do instituto dos advogados brasileiros, Luiz Octávio Costa Neves, conta que a convenção de Haia tem mais de 83 países ratificados, inclusive o Brasil. ”Para ocorrer o processo de adoção internacional, os países da criança e da família adotiva têm que estar habilitados na convenção. Alguns países como Haiti, Nepal, Vietnã e Japão não aderiram e, nesses casos, o processo fica mais complicado”, diz.


Para adotar uma criança brasileira

O estrangeiro interessado em adotar uma criança brasileira deve conseguir uma autorização emitida por autoridades de seu país – com tradução juramentada – e apresentá-la junto ao Conselho da Infância, Juventude e Adolescente no Brasil, conta Neves. A autorização, porém, não habilita os estrangeiros para a adoção. Segundo Liliane, o processo de habilitação passa por uma preparação do pretendente, para que este possa entender as dificuldade e rejeições pelas quais a criança a ser adotada provavelmente passou.

No caso da CEJA mineira, conta a coordenadora, a chegada da criança é publicada em edital e, dentro de um prazo de 30 dias, os interessados entram com um pedido de adoção. “Pode acontecer de haver vários pretendentes para a mesma criança. De qualquer forma, a comissão – composta por assistentes sociais e psicólogos – analisa os pedidos e os repassa ao relator do caso”, diz.

Nesse processo, tudo é avaliado: se há pretendentes brasileiros que residem no exterior, se a autorização estrangeira está regular e quantas crianças a pessoa está disposta a adotar – principalmente se houver grupos de irmão para serem adotados. “Tudo é pensado em prol da criança”, afirma Liliane.

É proibido por lei que o candidato tenha contato com a criança antes de ser autorizado por um juiz. Assim, a comunicação com os interessados é feito via representante legal – advogado ou procurador – no Brasil. “Quando o pretendente é escolhido marca-se data para o estágio de convivência. Esse período – que dura, geralmente, 30 dias – é para adaptação tanto do adotado quanto do interessado”, conta Liliane.

Se o resultado da convivência for positivo, aquele que antes era pretendente vira pai ou mãe. “A pessoa já sai com a criança e com a sentença, o documento final que deverá ser apresentado à Polícia Federal e ao consulado. É tudo muito cuidadoso”, diz Liliane. Com a documentação em mãos, a criança chega ao país de seu novo lar e, geralmente, já recebe a cidadania sem muita burocracia – principalmente se o país for signatário do tratado de Haia.

Mas a fiscalização não acaba por aí. Para ter um controle de como as crianças são recebidas no exterior, a CEJA exige o envio de relatórios pós-adotivos por um período de dois anos. “Se os pais são vinculados a alguma associação, por exemplo, é por meio dela que receberemos os relatórios semestrais. Ou então os próprios pais se responsabilizam por essa tarefa”, conta Liliane.

Os relatórios apontam a adaptação em relação à família, escola, rotina e também a condição de saúde da criança. “No último mês desse período não temos mais controle. A criança já passa a ser uma cidadã estrangeira. Normalmente, as crianças brasileiras são muito bem recebidas. É raro haver um caso difícil e, mesmo quando há algum problema, os pais recorrem à ajuda de profissionais como psicólogos e logo resolvem a situação”, afirma.


Burocracia

Por mais que pareça fácil, o processo de adoção é burocrático e, muitas vezes, demorado. “Não tem como estipular um prazo para, finalmente, virar pai de uma criança. Principalmente se a criança for estrangeira”, conta Ronald Sanches, advogado especialista em direito da família. Sem contar que a rapidez ou demora da adoção não tem a ver apenas com os trâmites do processo. “Há muitos fatores envolvidos e que não são resolvidos por meio de documentos. A família tem que gostar da criança e a criança da família. Se isso não acontecer, não é feita a adoção, pois isso mexe com sentimento, é complexo. É preciso ter paciência”, ressalta.

Caso aconteça de o pretendente não ter interesse pela criança, ele ainda vai poder continuar participando do programa de adoção. “Essas coisas acontecem e ele vai continuar esperando para adotar. Mas, nesse caso, o pretendente vai para o final da fila novamente”, conta Neves.

Sanches define adoção como sendo o ato de abrir, na própria família, um espaço físico, mental e emocional para a acolhida de uma criança gerada por outros, que tem sua própria história e a necessidade de continuá-la com novas pessoas que lhe garantam uma segunda oportunidade na vida. “Ter um filho adotivo não é só fazer uma ligação jurídica. A importância de dar um lar a crianças abandonadas e sem perspectiva de futuro é imensurável. Mas é preciso pensar muito e ter a certeza de que se está preparado. É um processo parecido com a gravidez, com a simples e crucial diferença de que há que se gerar o filho no coração e não no útero”.


Crianças estrangeiras

Caso um brasileiro tenha interesse em adotar uma criança de outro país ele deve começar procurando pelos juizados locais. “Deve-se fazer o cadastramento mostrando que há interesse. O juizado da infância e da juventude vai aceitá-lo ou não. Lá, o pretendente receberá orientação de documentos necessários – como comprovante de renda, atestado médico de sanidade física e mental com firma reconhecida e declaração de idoneidade moral – e será encaminhado a uma entrevista psicossocial para poder dar entrada no protocolo de habilitação”, explica Neves.

O interessado receberá um número de processo e poderá acompanhar o passo a passo na internet. “Há então o parecer do ministério público, que soltará uma sentença judicial habilitando ou não o pretendente a adotar”, conta Neves. Se habilitado, o interessado deve esperar pela convocação para conhecer a criança ou adolescente designado a ele.

As dificuldades para um brasileiro adotar uma criança estrangeira são grandes, pois um muitas crianças que precisam de adoção aqui no Brasil e o governo incentiva as adoções nacionais, de acordo com Neves. E quem quer adotar não pode exigir por uma nacionalidade específica. “Ao dar entrada com o pedido, o candidato tem a possibilidade de dizer quais características prefere e dar um parâmetro de raça, faixa etária. Mas é só isso. O conselho tutelar é que designará a criança e sua nacionalidade, sempre dando preferência a crianças brasileiras”, explica o advogado.

Segundo Neves, a adoção – depois de dada a sentença final – é irrevogável. “Porém, assim como acontece com os pais biológicos, se os responsáveis não cumprirem com suas obrigações, podem ser destituídos e perderem a guarda da criança”, conta.

O Código Civil declara que, para adotar, a pessoa precisa ser maior de 18 anos e o adotado deve ser pelo menos 16 anos mais novo do que o adotante. O processo pode ser feito por pessoas solteiras e casadas – ou que estejam, comprovadamente, em uma união estável.

O processo de adoção no Brasil corre de maneira gratuita tanto para brasileiros quanto para estrangeiros. “O estrangeiro, inclusive, tem que assinar um documento reconhecendo que não está pagando nada pelo processo. Porém, o interessado terá custos com advogados – brasileiros e internacionais – e com viagens para conhecer a criança e passar pelo processo de convivência”, diz Sanches.

 

 

Fonte: Terra