Além de pioneiro, o julgador que primeiro estabeleceu a união homoafetiva como entidade familiar no Brasil é um otimista. José Carlos Teixeira Giorgis, exatos 15 anos atrás, foi relator do processo que criou um novo paradigma na área de Família, ao permitir que um homossexual herdasse metade dos bens do parceiro com quem viveu por duas décadas.
Aposentado como Desembargador do TJRS quatro anos depois da decisão histórica – proferida em pela 7ª Câmara Cível em 14/3/2001 – Giorgis ainda hoje tem sido requisitado para relembrar o episódio e refletir sobre suas consequências. Mesmo diante do perfil "conservador" que domina a cena legislativa nacional, segundo o julgador, ele vê na evolução dos costumes a garantia de que não há ponto de retorno na criação e fortalecimentos dos direitos.
Diante das barreiras ainda existentes, sugere a criação de legislação específica que permita minimizar os conflitos sobre o tema e "harmonizar a consciência nacional", ao estabelecer e vislumbrar os direitos sexuais. "É que o brasileiro gosta muito de leis", analisa.
Para o Desembargador aposentado, há dois caminhos práticos possíveis. A alteração na Constituição, como em Portugal, onde a palavra gênero foi acrescida ao artigo que trata das garantias asseguradas independente de credo, cor etc; ou, como na Espanha, em que o Código Civil ganhou um parágrafo determinando que as exigências da união familiar sejam as mesmas para quaisquer pessoas.
Passados os anos, se diz "rejubilado" com o resultado de sua decisão, de certa maneira fruto do vanguardismo que atribui às câmaras de Família do Tribunal gaúcho – e que não impediu que a decisão histórica não fosse unânime entre o trio de Desembargadores.
Giorgis não se considera um herói da causa homessexual, mas "um jogador do time", pelo qual já participou de diversas atividades, proferindo palestras em eventos de diversos estados, além de meios acadêmicos. Lembra que precisou ele mesmo superar princípios religiosos, éticos e morais antes para decidir, algo que envolveu algum tempo e muito estudo das leis e do comportamento humano, assegura.
História
A decisão de 2001 ganhou rápida notoriedade e teve consagração definitiva dez anos depois, quando Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4277), foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para reconhecer, por unanimidade, a constitucionalidade da união estável entre casais do mesmo sexo.
Nos fundamentos da decisão mais recente, observa Giorgis, a coincidência com os argumentos de 2001, como o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, da igualdade, e da não discriminação.
O caso
O processo decidido pela 7ª Câmara Cível em 14/4/2001 teve origem na morte de um dos parceiros do casal, o maior responsável pela formação do patrimônio construído ao longo dos anos. No momento da abertura do inventário, a filha adotiva da dupla exigiu todos os bens, deixando de fora o parceiro vivo, em nome de quem os bens adquiridos estavam registrados.
Inconformado, este ingressou com a ação de reconhecimento de sociedade de fato e partilha. No 1º Grau, o processo foi julgado para reconhecer a sociedade de fato (nos moldes de uma firma comercial) e houve a partilha em 75% e 25% (para parceiro e filha, respectivamente), pelo então Juiz do Foro da Restinga de Porto Alegre Tasso Caubi Soares Delabary.
No TJ, a decisão foi parcialmente reformada para rconhecer a união estável e redistribuir os bens igualitariamente. O acórdão dizia: "Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar".
O voto vencedor foi acompanhado pela então Desembargadora Maria Berenice Dias, e teve oposição do Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves.
Fonte: TJRS