Indígenas registrados têm benefícios e acesso a direitos

Mesmo com a imagem estereotipada, a cultura indígena permanece presente no cotidiano da sociedade, por meio da linguagem, culinária e costumes. Porém, cada vez mais, os grupos indígenas têm agregado os valores da vida moderna e buscando participar dos diversos momentos. Para isso, a documentação é fator inicial para esta integração.

No Brasil, a Fundação Nacional do Índio (Funai) realiza o trabalho de identificar os nascimentos nas aldeias indígenas, emitindo um Registro Administrativo de Nascimento Indígena (Rani), que tem caráter quantitativo da população indígena, mas que hoje, já não possui tamanho valor legal quando há algum tempo.

Nesse sentido, a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) está formando uma ação integrada que culminará em uma mobilização nacional para emissão do registro civil de nascimento para os povos indígenas (a popular certidão de nascimento).

Para o Direito e o Estado, uma pessoa só passa a ser reconhecida legalmente quando possui o registro civil. Nas aldeias indígenas, a situação é um pouco mais complicada. Devido à cultura e a distância dos grandes centros, algumas pessoas não procuram efetuar o registro civil, que é gratuito.

“Certas tribos ainda pensam que, por ser um documento de ‘branco’ o registro civil é pago. Mas a lei 9534 de 1997 é clara quando confirma a gratuidade do documento. E este primeiro documento precisa ser o passo para a retirada de outros, que garantem a cidadania não só do índio, mas também de toda a população que não possui documentação”, afirma a advogada e professora Patrícia Helena Carneiro, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Somente com documentação, o indígena – e qualquer cidadão – tem acesso a matrículas em escolas e universidades (públicas e privadas), consegue atendimento na rede pública de saúde, se cadastra nos programas sociais do governo e na Previdência Social, além de conseguir abrir conta corrente e créditos financeiros.

Segundo Renata Silvia Melo, coordenadora de educação previdenciária e diretora de atendimento do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) em Brasília, o órgão integra a mobilização da SEDH para instruir a população indígena sobre a necessidade de retirar a documentação básica (carteira de identidade e Cadastro de Pessoa Física – CPF) é orientar sobre a aposentadoria para esse grupo.

“A maioria dos indígenas atua em economia familiar, produzindo para a própria sobrevivência. Desse modo, eles são cadastrados como trabalhadores segurados especiais, o que permite receber a aposentadoria após determinado tempo. Outros, porém já trabalham sem carteira assinada, com artesanato ou em outras condições que prejudicam a vida futura. Mas somente com os documentos é possível assegurar os direitos desses trabalhadores”, informa Renata.

A SEDH identificou que no Nordeste há um expressivo número de sub-registros, que ocorre quando a pessoa deixa de retirar o documento. Parodoxalmente, é no Nordeste que se concentra a maior parte dos beneficiários do Bolsa Família, programa do governo federal que complementa a renda das famílias de acordo com alguns critérios, como número de filhos, regularidade na vacinação e participação da mulher em programas de saúde neonatal.

Mato Grosso do Sul

No Mato Grosso do Sul, alguns municípios também apresentam altos índices de sub-registro. A SEDH determina uma margem de 5% entre o número de nascidos e os registros emitidos no período. O Estado apresenta, de acordo com informações da SEDH com base no Censo Demográfico de 2006 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com 2.264.489 habitantes. A margem entre os nascidos e registrados está atualmente em 6%.

As cidades de Japorã, Tacuru, Caarapó, Amambai, Figueirão, Eldorado, Paranhos, Aral Moreira, Batayporã e Juti devem receber atenção especial sobre a mobilização para emissão do registro civil. “Para se ter uma idéia, Japorã possui 7.157 habitantes, dos quais cerca de 3 mil são indígenas. A taxa entre nascidos e registrados está muito alta, e precisamos descobrir o que causa tal situação”, diz Ana Ajala, coordenadora de Cidadania da Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social (Setas).

Em Mato Grosso do Sul, a Setas pretende atingir com a mobilização as populações ribeirinha, cigana, que reside em quilombolas e assentamentos e, sobretudo, a indígena. Ana Ajala, coordenadora de Cidadania da Setas, aponta a anuência das lideranças indígenas como essencial para o desenvolvimento do projeto.

“Não podemos obrigar os indígenas a retirar o registro civil. A questão cultural é muito forte e traz o pensamento de que, com o novo documento, eles irão perder direitos, quando na verdade é exatamente o contrário, com a manutenção daquilo que diz a lei e com o acesso a participação nas políticas públicas”, acrescenta Ana.

Entre os integrantes no Estado que participam do comitê gestor que irá atuar na mobilização do SEDH em novembro, a Associação dos Notários e Registradores (Anoreg-MS) terá papel importante no momento do registro.

“Uma das defesas das etnias é que, em alguns casos, os cartórios não aceitam emitir o documento com o nome indígena da pessoa, sendo que esse nome possui um alto teor significativo para eles. Por isso, os notários serão instruídos para manter esse detalhe, que é extremamente importante”, complementa Ana.

O Estado possui 72 aldeias indígenas oficiais em 28 municípios.
 



MS Notícias-MS