Em sentença assinada na segunda-feira (20/6), o juiz Clésio Coelho Cunha, da Comissão Sentenciante Itinerante, determinou “ao oficial do Cartório de Registro Civil da 2ª Zona da Capital que proceda à alteração do prenome no assento de nascimento” de D. M. do N. N. para Paula do N. N. A sentença atendeu a processo em tramitação na 2ª Vara Cível da Comarca da Ilha de São Luís, onde a parte autora solicitou a mudança do nome de registro para o nome social.
No processo, a parte autora, hoje com 43 anos, alega que é travesti e que desde os 15 anos de idade identifica-se como mulher, tendo contado sempre com o apoio da mãe e dos irmãos – e posteriormente do pai – para assumir a condição feminina. Afirma ainda que já realizou todas as transformações necessárias no corpo para atingir o ideal almejado de ser mulher.
Situações vexatórias – Cabeleireira com salão próprio, que é sua fonte de renda atualmente, Paula garante que é identificada por todos como mulher, entretanto, queixa-se de ter sofrido e ainda sofrer discriminação em lugares públicos, como lojas, salas de espera de hospitais e consultórios médicos, onde tem constantemente exposta sua vida privada em razão do nome masculino nos documentos, “em absoluta desconformidade com a aparência feminina que apresenta”. Paula relata ainda que é alvo de olhares curiosos e perguntas invasivas, além do “preconceito e de todas as situações vexatórias, como dificuldades de identificação”.
Em suas fundamentações, o juiz Clésio Cunha ressalta que o Estado tem o dever de proteger o direito à identidade. “A Declaração Universal dos Direitos Humanos define: ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação”, enfatizou.
Nome discordante – Nas palavras do magistrado, “no exercício desse direito e no gozo dessas liberdades, ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vistas exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros, a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática”. Na visão do juiz, o nome é o que é mais provado e mais inerente à identidade de um indivíduo. Para Clésio, cabe ao Estado acatar a vontade individual de uma pessoa adulta, com nome discordante do gênero assumido e agindo de legítima vontade, além de “proteger essa vontade através dos órgãos de Justiça, reconhecendo o direito à mudança de nome”.
Constrangimento – Clésio Cunha observou ainda que há várias situações humilhantes (privação do acesso à educação, saúde e outros serviços) por que passam pessoas cujo nome não corresponde à vivência e aparência, “devido ao extremo constrangimento de serem chamadas por nomes que não correspondem às suas identidades”. Destacando o aumento de 166% de denúncias de homofobia no país entre 2011 e 2014 (dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República), o juiz alerta para a discriminação de seres humanos por pertencerem à comunidade LGBT.
Para o juiz, “se não acatar o pedido, o Estado continuará a manter Paula numa condição vulnerável e falhará na proteção a sua dignidade como pessoa humana”. “Tem o Estado a obrigação de tutelar o direito dessa cidadã, dando-lhe o nome pelo qual responde e se sente bem ao ouvir-se pronunciar. O livre exercício da orientação sexual e de gênero é um direito humano e deve ser uma premissa norteadora da prática democrática em nosso país e estado, e isso nos obriga a deferir mecanismos que protejam esse direito, e o uso do nome conforme a natureza do indivíduo também é um desses mecanismos que impede a discriminação”, observou o magistrado.
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Fonte: CGJ-MA