Juízo de Marabá (PA) autoriza conversão de união homoafetiva em casamento

Decisão é inédita na Comarca e possibilita a realização do primeiro casamento entre pessoas do mesmo sexo no Município.

(20.03.2012-13h30) O juiz César Dias de França Lins, da 1ª Vara Cível de Marabá, determinou ao Cartório de Registros Civil das Pessoas Naturais do Município, que adote os procedimentos cabíveis para a conversão de união estável em casamento, de duas mulheres que vivem em relação homoafetiva. A decisão do magistrado, que é inédita na Comarca e possibilita o primeiro casamento entre homoafetivos, foi em resposta ao procedimento administrativo interposto pelo Oficial do Cartório, através do qual buscou esclarecer dúvidas quanto ao pedido de conversão formulado pelo casal. O juiz determinou ao Oficial que, “diante de pedido de habilitação para casamento ou conversão de união estável em casamento de pares homoafetivos, proceda exatamente da mesma forma exigida em lei e aplicável aos casais heteroafetivos”.

Na sentença, o magistrado cita decisões do Supremo Tribunal Federal, em que destacam o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família, “reconhecimento que há de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união heteroafetiva”. Além disso, ressalta que a decisão foi fundamentada na proibição de preconceito, visando a promoção do bem de todos e a necessária proteção do Estado.

O magistrado afirmou que “na Constituição Federal não existe vedação expressa a que se habilitem para o casamento pessoas do mesmo sexo, sendo que, qualquer alegação de vedação constitucionalmente implícita é inaceitável”. O casal apresentou Escritura Pública de Declaração de União Estável lavrada em 23/09/2011 pelo Tabelionato Elvina Santis, na qual afirmam a convivência sob o mesmo teto, em sociedade de fato, há dois anos e quatro meses, bem como a condição de dependentes entre si perante os órgãos públicos e instituições particulares.


Autos nº: 0009002-60.2011.814.0028

Suscitante: Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de Marabá

Suscitadas: X.X.X. e X.X.X.

Procedimento Administrativo de Suscitação de Dúvida


SENTENÇA

Vistos etc.

Trata-se de procedimento administrativo através do qual o Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de Marabá houve por bem suscitar dúvida quanto ao pedido de conversão de união homoafetiva em casamento, formulado por X.X.X. e X.X.X. perante o Tabelionato Elvina Santis – Cartório do 2º Ofício desta cidade e comarca de Marabá.

As requerentes apresentaram Escritura Pública de Declaração de União Estável lavrada em 23/09/2011perante o já mencionado Tabelionato Elvina Santis, na qual declararam convivência sob o mesmo teto, em sociedade de fato, há 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses, bem como a condição de dependentes entre si perante órgãos públicos e instituições particulares (fl. 05).

Além disso, X.X.X. apresentou Certidão de Casamento contendo averbação de divórcio decretado por sentença proferida em 30/08/2011, transitada em julgado (fl. 06). Demonstrou, pois, ausência de impedimento.

No entanto, o Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de Marabá houve por bem remeter o pedido para análise e decisão por este juízo, por deter competência privativa para os feitos envolvendo registros públicos.

Intimado, o Ministério Público pugnou pela homologação do pedido de conversão da união homoafetiva em casamento, mencionando entendimentos recentes dos Tribunais Superiores neste sentido (fl. 12).

Após, os autos vieram conclusos.

Era o que importava relatar.

Decido.

O caput do art. 226 da Constituição Federal confere à família, base da sociedade, proteção especial do Estado.

No julgamento conjunto da ADPF nº 132/RJ e ADI 4.277/DF, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Constituição Federal não empresta ao substantivo “família” nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica. Não limita sua formação a casais heteroafetivos. Assim, família deve corresponder a um núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casal heteroafetivo ou por pares homoafetivos.

Relativamente à interpretação do § 3º do art. 226, o Pretório Excelso definiu que, ao utilizar a expressão “entidade familiar”, o dispositivo não pretendeu diferenciá-la da “família”. Consequentemente, não há hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo núcleo doméstico.

No julgamento em referência, o STF utilizou a técnica da interpretação conforme a Constituição para excluir do art. 1.723 do Código Civil qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que há de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas conseqüências da união heteroafetiva.

Vale ressaltar ainda que o Supremo Tribunal Federal fundamentou sua decisão na proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o dispositivo constitucional que visa a “promover o bem de todos”.

Ademais, reconheceu que o concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais, e que o direito à preferência sexual emana diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana.

No Recurso Especial nº 1.183.378/RS, o Ministro Relator Luis Felipe Salomão, com extrema argúcia e, acompanhado pelos Ministros Marco Buzzi (voto-vista), Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira, vencido o Ministro Raul Araújo, assim se manifestou em seu voto:

“O pluralismo familiar engendrado pela Constituição – explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte quanto do STF – impede se pretenda afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos.

O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias multiformes recebam efetivamente a "especial proteção do Estado", e é tão somente em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo doméstico chamado família”.

Por fim, faz-se mister acrescentar que, na Constituição Federal não existe vedação expressa a que se habilitem para o casamento pessoas do mesmo sexo, sendo que, qualquer alegação de vedação constitucionalmente implícita é inaceitável, na esteira da orientação principiológica conferida pelo STF no julgamento da ADPF nº 132/RJ e ADI 4.277/DF.

Por tudo acima exposto, determino que Sr. Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de Marabá, diante de pedidos de habilitação para casamento ou conversão de união estável em casamento de pares homoafetivos, proceda exatamente da mesma forma exigida em lei e aplicável aos casais heteroafetivos.

Intime-se.

Cumpre-se.

Marabá, 16 de março de 2012.


César Dias de França Lins

Juiz de Direito Titular da 1ª Vara Cível


Fonte: TJPA