O recorrente afirma que o testamento é fruto de fraude perpetrada pelos réus e, diante da inexistência de herdeiros legítimos, a valiosa herança (cerca de sessenta imóveis) ter-se-ia por jacente, devolvendo-se o acervo hereditário à respectiva municipalidade. A questão refere-se ao cabimento de ação popular no caso em que se pretende anular testamento por suposto vício de consentimento. No caso, não obstante tratar-se de ação popular, o fato é que a relação em litígio é eminentemente de ordem privada, pois se litiga sobre a nulidade de um testamento. O interesse da Administração Pública é reflexo, devido à possível conversão da herança em vacante. Para que o ato seja sindicável mediante ação popular, ele deve ser, a um só tempo, nulo ou anulável e lesivo ao patrimônio público, no qual se incluem os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico. Com efeito, mostra-se inviável deduzir em ação popular pretensão com finalidade de mera desconstituição de ato por nulidade ou anulabilidade, sendo indispensável a asserção de lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público. No caso, como já dito, pretende-se a anulação de testamento por suposta fraude, sendo que, alegadamente, a herança tornar-se-ia jacente. Daí não decorre, todavia, nem mesmo em tese, uma lesão aos interesses diretos da Administração. Isso porque, ainda que prosperasse a alegação de fraude na lavratura do testamento, não haveria, por si só, uma lesão ao patrimônio público, porquanto tal provimento apenas teria o condão de propiciar a arrecadação dos bens do falecido, com subsequente procedimento de publicações de editais. A jacência, ao reverso do que pretende demonstrar o recorrente, pressupõe a incerteza de herdeiros, não percorrendo, necessariamente, o caminho rumo à vacância, tendo em vista que, após publicados os editais de convocação, podem eventuais herdeiros apresentar-se dando-se início ao inventário nos termos dos arts. 1.819 a 1.823 do CC/2002. Ademais, nem mesmo a declaração de vacância é em si bastante para transferir a propriedade dos bens ao Estado, uma vez que permanece resguardado o interesse dos herdeiros que se habilitarem no prazo de cinco anos, nos termos do art. 1.822 do CC/2002. Diante disso, a Turma conheceu parcialmente do recurso especial e lhe deu provimento, apenas para afastar a multa aplicada na origem. REsp 445.653-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/10/2009.
Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – Nº 0411