Jurisprudência do STJ – Registro de Nascimento Tardio. Indeferimento Mantido. Insuficiência de provas de nacionalidade

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. REGISTRO DE NASCIMENTO TARDIO. INDEFERIMENTO MANTIDO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DA NACIONALIDADE DA REQUERENTE. I.  Deve ser mantida a decisão que indeferiu o pedido de registro de nascimento tardio na hipótese em que o juiz, diante do conteúdo fático–probatório dos autos, concluiu pela inexistência de provas de que a requerente nasceu em território brasileiro, principalmente em se tratando de pedido formulado em região de fronteira em que potencialmente mais insegura a situação do local do nascimento, e com conseqüências registrárias na nacionalidade. II. – Recurso Especial improvido. (STJ – REsp nº 898.174 – MS – 3ª Turma – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJ 23.08.2010)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), Nancy Andrighi e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 12 de agosto de 2010 (Data do Julgamento).

Ministro Sidnei Beneti – Relator

RELATÓRIO

O EXMO SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (Relator):

1. – DANIELA DIAS interpõe Recurso Especial, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, contra Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, Relator o Desembargador RUBENS BERGONZI BOSSAY, em ação de registro de nascimento tardio cujo pedido foi julgado improcedente em pelo i. Juízo de Primeiro Grau em razão da insuficiência de provas da nacionalidade da autora.

O Acórdão recorrido está assim ementado (fls. 71):

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO TARDIO – PROVAS – INSUFICIÊNCIA – COM O PARECER – RECURSO NÃO PROVIDO.

Para se deferir o pedido de registro de nascimento tardio, as provas devem ser robustas, não bastando a simples afirmação no sentido de que a requerente nasceu em solo brasileiro, sem qualquer elemento que comprove tal alegação.

2. – As razões de Recurso Especial apontam violação do art. 50 da Lei de Registros Públicos, sustentando, em síntese, ser obrigatória a lavratura de assento de nascimento ocorrido em território nacional, salvo se provada a falsidade das declarações prestadas pelo requerente, o que não foi admitido pelo Acórdão.

3. – O Recurso Especial foi admitido na origem (fls. 96/97).

4. – Instado, na pessoa do Dr. MAURÍCIO DE PAULA CARDOSO, o Ministério Público Federal opinou pelo provimento do Recurso (fls. 104/110).

É o relatório.

VOTO

O EXMO SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (Relator):

5. A irresignação não merece prosperar.

6. Cinge-se a controvérsia em avaliar se deve ser deferido o registro de nascimento tardio da autora na hipótese em que o Acórdão recorrido, a partir da análise dos elementos probatórios dos autos, concluiu pela insuficiência de provas de que a requerente nasceu em solo brasileiro, com base nos seguintes fundamentos (fls. 72/73):

Conforme se observa das provas documentais e testemunhais acostadas aos autos, não há elementos suficientes que comprovem que a requerente nasceu em solo brasileiro.

Isso porque os documentos trazidos às f. 6, 8 e 36, consistentes respectivamente nas certidões de nascimento dos filhos da requerente na cidade de Caracol/MS, e na resposta do Cartório de Registro Civil de Caracol/MS ao ofício n. 25/2005, informando a inexistência de registro da requerente naquele Cartório, não servem para autorizar o registro de nascimento da requerente.

Some-se a isso, a fragilidade das provas testemunhais acostadas em F. 20–21, consistentes nos depoimentos de Leonor Martins Leite e Honorina Lopes Leite, responsáveis pela criação e educação da apelante até os 13 anos de idade. Senão vejamos:

Depoimento de Leonor Martins Leite:

que conhece a requerente desde quando tinha 8 meses de idade quando foi deixada pela mãe aos seus cuidados; (..); que não se recorda ao certo o ano em que a requerente passou a morar com sua pessoa, sendo que acredita ter sido no início dos anos 70; que não sabe informar a idade da requerente e sua data de nascimento; (…); que não sabe o nome do pai, bem como de quem possa dar maiores detalhes sobre a data de seu nascimento; que sabe informar que ela nasceu no Brasil, na região de Caracol/MS” (F. 20).

Depoimento de Honorina Lopes Martins:

(…); que não sabe o nome do pai, bem como de quem possa dar maiores detalhes sobre a data de seu nascimento; que sabe informar que ela nasceu no Brasil, na região de Caracol/MS; (…)”

Conclui–se, portanto, que os depoimentos foram insuficientes para autorizar o registro de nascimento da apelante, limitando–se tão–somente a afirmar que a apelante nasceu na região de Caracol, sem contudo fornecer elementos que apontem a veracidade de suas afirmações. Ao contrário, evidente a ignorância dos fatos afirmados pelas depoentes, pois sequer souberam informar quem era o pai da apelante.

Logo, tendo em vista que os pedidos referentes a registro de nascimento tardio devem vir acompanhados de provas robustas para serem deferidos, o que no caso dos autos, restaram frágeis e insuficientes, escorreita a sentença que indeferiu o pedido de lavratura de registro de nascimento tardio.

7. De acordo com o disposto no artigo 50 da Lei de Registros Públicos, com a redação dada pela Lei n. 9.053/95, é obrigatório o registro civil de nascimento das pessoas nascidas em território nacional, no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da residência dos pais, dentro do prazo de quinze dias, que será ampliado em até três meses para os lugares distantes mais de trinta quilômetros da sede do cartório.

O artigo 46 desse mesmo diploma legal, com a redação dada pela Lei nº 10.215, de 2001, determinava que as declarações de nascimento feitas após o decurso do prazo legal somente fossem registradas mediante o despacho do juiz competente do lugar da residência do interessado, sendo dispensado o despacho do Juiz, caso o registrando tivesse menos de doze anos de idade.

Atualmente, após a alteração trazida pela Lei nº 11.790, de 2008, o dispositivo em comento traz a seguinte redação:

Art. 46. As declarações de nascimento feitas após o decurso do prazo legal serão registradas no lugar de residência do interessado. (Redação dada pela Lei nº 11.790, de 2008).

§ 1o O requerimento de registro será assinado por 2 (duas) testemunhas, sob as penas da lei. (Redação dada pela Lei nº 11.790, de 2008).

Vê-se que a evolução da legislação foi no sentido de simplificar, ao máximo, o procedimento do registro tardio de nascimento, dispensando-se, a partir da última alteração legislativa, a obrigatoriedade da autorização judicial, ficando, contudo, condicionado ao requerimento assinado por duas testemunhas, sendo que, em caso de dúvida, poderá o oficial requerer ao Juiz as providências que forem cabíveis para esclarecimento do fato, nos termos do art. 52, § 2º, da Lei de Registros Públicos.

8. No caso em análise, o pedido de registro tardio de nascimento foi formulado antes da alteração trazida pela Lei nº 11.790, de 2008, e, por isso, por meio de requerimento judicial.

9. Não se ignora a importância do registro de nascimento, que como restou salientado no Parecer do Ministério Público Federal, é inerente à dignidade da pessoa humana e instrumento necessário ao exercício da cidadania (fls. 104), nem, tampouco, a evolução legislativa no sentido de simplificar o procedimento de registro.

Todavia, no caso aqui tratado, o pedido de registro foi formulado por pessoa adulta, acompanhado de provas incapazes de levar a qualquer conclusão a respeito da data de nascimento, da naturalidade e, principalmente, da nacionalidade da requerente que, conforme restou consignado na Sentença, requer o registro na Comarca de Bela Vista-MS, alegando ter nascido no município de Caracol-MS, cidades que fazem fronteira com o Paraguai.

De salientar, ainda, que deve-se valorizar a convicção do juiz, que, mais próximo das provas produzidas e da realidade da região em que foi formulado o pedido de registro tardio, pode avaliar melhor a possibilidade de se estar diante de uma tentativa de fraude, mormente em região de fronteira, podendo haver conseqüências registrárias na nacionalidade.

10. Por fim, cumpre observar que não há impedimento para que a requerente formule novo pedido de registro, apresentando, desta vez, provas capazes de comprovar sua nacionalidade, uma vez que trata-se procedimento de jurisdição voluntária, de caráter administrativo e, sendo assim, conforme afirma JOSÉ FREDERICO MARQUES, os procedimentos de jurisdição voluntária não produzem coisa julgada e as decisões nele proferidas também não podem ser objeto de ação rescisória” isso porque “falta a seus efeitos aquela imutabilidade que só se encontra no ato jurisdicional consubstanciado em sentença” (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Ensaio Sobre a Jurisdição Voluntária”, Campinas: Millennium, 2000, 1ª Edição atualizada, p. 313).

11. Ante o exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial.

 

Fonte: Informativo de Jurisprudência do STJ