Jurisprudência mineira – Ação de indenização por abandono moral e material – Revelia – Efeitos – Presunção relativa de veracidade – Compensação requerida pelo filho ao pai

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ABANDONO MORAL E MATERIAL – REVELIA – EFEITOS – PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE – COMPENSAÇÃO  REQUERIDA PELO FILHO AO PAI – MANIFESTAÇÃO DE AMOR E RESPEITO ENTRE PAI E FILHO – SENTIMENTOS IMENSURÁVEIS – AUSÊNCIA DE ILICITUDE  – NÃO CABIMENTO

– Revela-se inconteste a dor tolerada por um filho que cresce sem o afeto do pai, bem como o abalo que o abandono causa ao infante; entendo, no entanto, que a reparação pecuniária, além de não acalentar o sofrimento ou suprir a falta de amor paterno, poderá provocar um abismo entre pai e filho, na medida em que o genitor, após a determinação judicial de reparar o filho por não lhe ter prestado auxíli o afetivo, talvez não mais encontre ambiente para reconstruir o relacionamento. Apelação Cível n° 1.0145.08.475498-8/001 –

Comarca de Juiz de Fora – Apelante: R.M.P.D.B. representado p/ mãe E.N.P. – Apelado: J.D.B. – Relator: Des. Osmando Almeida

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Osmando Almeida, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento.

Belo Horizonte, 13 de dezembro de 2011. – Osmando Almeida – Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. OSMANDO ALMEIDA – Trata-se de matéria versada na apelação interposta por R.M.P.D.B., representado pela mãe E.N.P., visando à reforma da r. sentença de f. 90/94, proferida pela MM.ª Juíza de Direito da 7ª Vara Cível da Comarca de Juiz de Fora, nos autos da ação de indenização por abandono material movida pelo ora recorrente contra J.D.B.

Em suas razões – f. 110/115 -, pretende o apelante a reforma da r. sentença, afirmando ausência de prestação jurisdicional adequada, porquanto indeferiu pleitos não postulados pelo autor. Afirma haver requerido indenização por danos morais e materiais, e não por abandono afetivo, como entendeu a d. Sentenciante. Assevera não ter sido considerada a revelia do réu/apelado, deixando a r. decisão de apreciar o pedido de "retorno do suplicante à sua própria casa, assim provada a sua propriedade, com os documentos que acompanham a presente, com a determinação expressa ao suplicado para desocupá-la incontinente, pois que a usurpa ao suplicante e em prejuízo deste" – f. 98. Tece longas considerações a respeito da matéria, lamentando que a questão não tenha sido bem apreendida pela d. Juíza. Invoca as disposições do ECA. Diz que tal como proferida, a r. decisão objurgada, apreciando o mérito, fecha-lhe "as portas do Judiciário para pleitear o que não lhe foi dado neste pleito" – f. 101.

Afirma que a sua postulação foi embasada em farta documentação e não merecia uma "salomônica decisão que, data máxima venia, não decidiu nada e ainda premiou o revel com uma decisão que largamente o beneficia" – f. 102. Pugna pelo provimento do recurso.

O apelado foi intimado, mas deixou transcorrer in albis o prazo para resposta.

Remetidos os autos à d. Procuradoria-Geral de Justiça, veio o parecer de f. 114/118, pelo desprovimento do recurso.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso, ausente o preparo ante a gratuidade judiciária concedida à f. 51. Preliminares não foram deduzidas nem as vi de ofício para serem enfocadas.

Em sua inicial, o autor afirma ser filho legítimo do réu, que "nunca teve o menor interesse em cuidar e educar o suplicante, abandonando-o à mingua de recursos morais e materiais, jogado à própria sorte; nunca, jamais, o levou a passear a um parque de diversões ou mesmo a um terreno baldio; nunca lhe comprou ou cuidou em arranjar-lhe um brinquedo, por mais tosco, simples ou barato que fosse. […] nunca jamais compareceu a uma reunião de pais nas diversas escolas em que o suplicante esteve matriculado. […] nunca teve o menor interesse em saber do rendimento do suplicante nas diversas escolas em que frequentou. […]" – f. 04. E, discorrendo longamente a respeito das atitudes do requerido, afirmando-as indevidas e atentatórias à dignidade do requerente, vem, através de sua genitora, postular indenização a título de danos "resultantes do abandono moral e material" – f. 08. Postula ainda seja o requerido instado a desocupar o imóvel deixado ao requerente pela avó materna, do qual foi expulso pelo pai/apelado.

Observo que o pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi negado pela decisão irrecursada de f. 50/51.

O pedido inicial foi julgado improcedente, com a imposição de sucumbência, suspensa em razão da gratuidade judiciária concedida ao postulante, decisão que causou a insurgência recursal.

Inicialmente, há de ser analisada a questão da revelia do recorrido/apelado, porquanto, o mesmo, regularmente citado – f. 52/53 – deixou  transcorrer in albis o prazo para defesa – f. 53-v.

Nos termos do art. 319 do Código de Processo Civil, "se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor". Verificase, pois, que a apresentação de contestação constitui ônus processual do réu, o qual, caso dele não se desincumba, suportará em sua esfera jurídica as consequências de sua inércia.

Destarte, em não se apresentando contestação no prazo marcado pela lei, considerar-se-á o réu revel, o que poderá lhe trazer consequências adversas, como o curso dos prazos em cartório, independentemente de intimação, e a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, entre outras.

A respeito do tema Theotônio Negrão e José Roberto F. Gouvêa (em sua obra Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 474) trazem julgado nesse sentido:

"Revel é quem não contesta a ação ou, o que é mesmo, não contesta validamente (ex.: contestação fora do prazo ou apresentada por advogado sem mandato, não ratificado posteriormente – cf. art.13- II). A revelia é o efeito daí decorrente. Caracterizase a revelia se a ação é contestada pelo sócio, individualmente, e não passa pela pessoa jurídica ré (TJBA – RP – 26/264)".

Sabidamente, os efeitos da revelia são relativos ou, como reiteradamente se proclama, não têm o condão de tornar falso o verdadeiro, ou o contrário, nem converte o legal em ilegal.

Assim, a matéria posta em lide deve ser apreciada à luz das provas dos autos e da legislação aplicável à espécie.

Nesse sentido:

"O efeito da revelia não induz procedência do pedido e nem afasta o exame de circunstâncias capazes de qualificar os fatos fictamente comprovados" (RSTJ 53/335).

Ainda:

"A presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em face da revelia é relativa, podendo ceder a outras circunstâncias constantes dos autos, de acordo com o princípio do livre convencimento do juiz" (RSTJ 20/252).

E do STJ:

"A falta de contestação conduz a que se tenham como verdadeiros os fatos alegados pelo autor. Não, entretanto, a que necessariamente deva ser julgada procedente a ação. Isso pode não ocorrer, seja em virtude de fatos não conduzirem às consequências jurídicas pretendidas, seja por evidenciar-se existir algum, não cogitado na inicial, a obstar que aquelas se verifiquem" (REsp 14.987/CE; Rel. Min. Eduardo Ribeiro; p. em 17.02.92).

Trata-se, portanto, de presunção relativa, não incidindo os efeitos da revelia sobre o direito da parte, mas, tão somente, quanto à matéria de fato. Postas essas premissas, extrai-se que o autor, representado pela sua genitora, pretende o recebimento de indenização por danos morais em face do alegado abandono afetivo do pai, ao argumento de que, além de não assisti-lo em suas necessidades emocionais, ainda ocupa a casa que lhe foi legada pela avó materna, cuja desocupação também requer. Assevera que "foi expulso de sua própria casa, pelo próprio pai; foi viver na rua ou ao abrigo da caridade alheia; sofreu lesões irreparáveis; teve toda a sua adolescência destruída de modo irremediavelmente irrecuperável e tudo isso passou em brancas nuvens, porque a ilustre MM.ª Juíza a quo, erroneamente, data venia, entende que não se pode obrigar ninguém a amar ninguém. […]" – f. 101.

Relativamente à questão de estar o recorrido/apelado residindo em casa que pertence ao menor apelante e o pedido de sua retomada, data venia, não pode ser apreciada no seio da presente ação. Demanda discussão em procedimento próprio.

De outro lado, a prova produzida, mormente o documento de f. 59/60, demonstra que, ao contrário do afirmado pelo recorrente, não foi ele expulso da própria casa, porquanto, conforme dito pela própria genitora, foi ela quem, "não suportando a convivência com o companheiro, resolveu deixar a residência", embora ressalte que tal decisão "foi motivada pelo fato de o requerido ser alcoolista e, nos momentos de embriaguez, ficar agressivo.  […]" – f. 59.

Do mesmo modo, a questão pertinente Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90). A destituição de pátrio poder ou mesmo o pedido de encaminhamento a atendimento médico, na forma do disposto na referida lei, não podem ser objeto de  análise e apreciação nesta seara, são matérias atinentes ao Direito de Família. Aqui, no âmbito do  Direito Civil, apenas se pode analisar a existência, ou não, do direito à indenização pleiteada. E, em relação ao pedido de reparação pelo abandono afetivo, a questão foi objeto de minha intensa reflexão e estudo.

E, ao enfrentar o tema, considero de um lado o pai, que deve ter assegurada a sua liberdade de sentimentos, enquanto na outra extremidade está o filho, que é merecedor de total afeto, amor, atenção, dedicação, etc., ou seja, tudo aquilo que é inerente à dignidade do ser humano.

Subjetivamente considerada, a liberdade de sentimentos do genitor deve ser preservada; entretanto, a liberdade objetiva que compreende os direitos e deveres de pai, sempre que necessário, deve sofrer a interferência, como no caso da prestação de alimentos, direito efetivamente assegurado ao filho necessitado. E, na hipótese,  restou demonstrado pelos documentos de f. 70/77 que o réu/apelado presta alimentos ao autor/apelante, aliás, como afirmado na inicial, em consequência de uma ação de alimentos intentada pelo próprio recorrente.

Outrossim, quanto à liberdade subjetiva do pai em dispensar afeto ao filho, esta se considera restrita à vontade interior, emanada do coração, desejo inconsciente de dar amor ao filho, não há como sofrer interferência externa, sequer é razoável impor o dever de indenizar por esta ausência afetiva paternal.

Isso porque o afeto não é decorrente do vínculo genético. Se não houver uma tentativa de aproximação de ambos os lados, a relação entre pai e filho estará predestinada ao fracasso. A relação afetuosa deverá ser fruto de aproximação espontânea, cultivada reciprocamente, e não de força  judicial. Exceto em casos extremos, em que haja comprovado nexo causal entre certo dano específico e o abandono, não vejo razão para o reconhecimento do dever de reparação: corre-se o risco de, após a lide, ser erguida uma barreira intransponível que os afastará ainda mais, sepultando qualquer tentativa futura de reconciliação.

Suma venia, o amor entre pais e filhos não é um sentimento a ser imposto. Se ele não aflorou naturalmente, ou se arrefeceu em razão da ruptura do relacionamento entre o casal, todos perdem, notadamente filho e pai/mãe. A única saída é a busca do reencontro, da renovação dos laços familiares, inclusive com uma boa relação entre os pais separados.

Renovada vênia, a indenização deve ser encarada como medida extrema, em que certo dano de natureza grave é sanado através da pecúnia. O alargamento exacerbado poderá levar à desvalorização da ciência jurídica ao simples mercantilismo.

Ora, se a solução para o problema em casos que tais houvesse de ser resolvida mediante uma compensação financeira, a própria pensão alimentícia atenderia ao objeto da reparação, o que não ocorre. Quanto ao efeito punitivo e dissuasório – que intimida, mas não convence, e na verdade só serve para aumentar os conflitos, em vez de resolvêlos – corremos o risco de mal ainda maior, como brilhantemente trazido pela d. Sentenciante – f. 92:

"De mais a mais, o laço familiar que liga o pai ao filho é algo profundo, decorrente da convivência diária, da proximidade, da confiança, da vontade de fazer parte da via do filho, sendo certo que uma decisão judicial não irá alterar um distanciamento que à evidência nasceu e perdura entre as partes. Destarte, escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar ou a manter um relacionamento afetivo, sendo que eventual deferimento do pedido não atenderia à finalidade almejada, pois o pai condenado a indenizar o filho por não lhe ter atendido as necessidades de afeto não encontrará ambiente para reconstruir o relacionamento. Muito pelo contrário, eventual indenização constituiria mais uma barreira, dentre tantas que infelizmente já existem, impedindo uma possível renovação dos laços familiares".

E, examinada a hipótese dos autos, constata-se que o menor, hoje adolescente com quinze anos de idade, f. 12, sempre foi protegido, amparado e amado pela mãe, que dele cuidou e zelou, não se encontrando em situação de risco, fatos incontestes nos autos. Ademais, se os valores fixados para os alimentos são insuficientes para suprir as necessidades materiais do autor, outro deve ser o caminho a ser seguido. Sobre o tema, preleciona Décio Antônio Erpen em sede doutrinária:

"A jurisprudência não tem deferido, pelo menos de forma genérica, dano moral a título de dissabor advindo de relação afetiva, pela óbvia e simples razão de que a satisfação e o desgosto são típicos da bipolarização desta interação. A afeição de um não tem a mesma dimensão que o sentimento do outro, gerando-se o impasse pelo desequilíbrio. Os sentimentos não estão na área do controle da pessoa humana".

E prossegue o autor, advertindo que a indenização por dano moral, em casos que tais, deve: "sofrer os temperos da lei e da vida. Sua incidência há que se dar numa faixa dita tolerável. Se o dano causado, injustamente a outrem, integra uma faixa da ruptura das relações sadias, a reparação do mesmo não pode servir de motivo para se gerar mais uma espécie de desagregação social" (O dano moral e a segregação social. Revista dos Tribunais, nº 758, p. 43/52).

Não se nega que a Constituição Federal previu o direito de ressarcimento por dano moral, tal como invocado pelo apelante. Vejamos.

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[…]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação. […]".

No caso, a lide versa sobre responsabilidade civil aquiliana, de ordem subjetiva, porquanto o autor imputa ao réu omissão voluntária danosa quanto às obrigações de pai. Pois bem. Para a configuração da obrigação de indenizar no campo da responsabilidade subjetiva, exige-se a presença de três elementos indispensáveis, segundo lição de Caio Mário da Silva Pereira:

"a) em primeiro lugar, a verificação de uma conduta antijurídica, que abrange comportamento contrário a direito, por comissão ou por omissão, sem necessidade de indagar se houve ou não o propósito de malfazer; b) em segundo lugar, a existência de um dano, tomada a expressão no sentido de lesão a um bem jurídico, seja este de ordem material ou imaterial, de natureza patrimonial ou não patrimonial; c) e em terceiro lugar, o estabelecimento de um nexo de causalidade entre um e outro, de forma a precisar-se que o dano decorre da conduta antijurídica, ou, em termos negativos, que sem a verificação do comportamento contrário a direito não teria havido o atentado ao bem jurídico" (Instituições de direito civil – introdução ao direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. I, Teoria Geral do Direito Civil, p. 661).

No caso em questão, entendo que não restaram caracterizados a conduta antijurídica do réu/apelado e o nexo causal, capazes de ensejar responsabilidade civil e a condenação buscada.

Nesse sentido, já se manifestou o colendo STJ:

"Ação. Indenização. Danos morais. Pai. Filho. Abandono afetivo. – A Turma, por maioria, conheceu do recurso e deu-lhe provimento para afastar a possibilidade de indenização nos casos de abandono afetivo, como dano passível de indenização. Entendeu que escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar ou a manter um relacionamento afetivo, que nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada. Um litígio entre as partes reduziria drasticamente a esperança do filho de se ver acolhido, ainda que, tardiamente, pelo amor paterno. O deferimento do pedido não atenderia, ainda, ao  objetivo de reparação financeira, porquanto oamparo, nesse sentido, já é providenciado com a pensão alimentícia, nem mesmo alcançaria efeito punitivo e dissuasório, porquanto já obtidos com outros meios previstos na legislação civil" (REsp 757411/MG, Quarta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 29.11.2005).

E o e. Ministro, no corpo do voto, esclareceu com maestria a questão, ao asseverar:

"No caso de abandono ou do descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação dos filhos, porém, a legislação prevê como punição a perda do poder familiar, antigo pátriopoder, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 24, quanto no Código Civil, art. 1.638, inciso II. Assim, o ordenamento jurídico, com a determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta do abandono, com o que cai por terra a justificativa mais pungente dos que defendem a indenização pelo abandono moral. Por outro lado, é preciso levar em conta que, muitas vezes, aquele que fica com a guarda isolada da criança transfere a ela os sentimentos de ódio e vingança nutridos contra o ex-companheiro, sem olvidar ainda a questão de que a indenização pode não atender exatamente ao sofrimento do menor, mas também a ambição financeira daquele que foi preterido no relacionamento amoroso".

Sobre o tema já decidiu este Tribunal:

"Ação de Indenização – Danos morais – Abandono afetivo – Ato ilícito – Inexistência – Dever de Indenizar – Ausência. – A omissão do pai quanto à assistência afetiva pretendida pelo filho não se reveste de ato ilícito por absoluta falta de previsão legal, porquanto ninguém é obrigado a amar ou a dedicar amor. Inexistindo a possibilidade de reparação a que alude o art. 186 do Código Civil, visto que ausente o ato ilícito, não há como reconhecer o abandono afetivo como passível de indenização" (Ap. 1.0024.07.790961-2/001, Rel. Des. Alvimar de Ávila, j. unân. em 16.02.2009).

Ainda:

"Ação de indenização por dano afetivo – Prova de abandono afetivo – Irrelevância – Afeto – Opção paterna – Ausência de obrigação – Ato ilícito – Inexistência – Pedido improcedente. – A negativa de afeto pelo pai da autora, que nem de longe restou demonstrado nos autos, não constitui ilícito penal a ensejar a obrigação de indenizar, nos termos do art. 186 do Código Civil, tendo em vista que não se pode obrigar ou impor a ninguém amar ou ter carinho por outrem. Não se trata de um dever, mas de uma opção do pai da autora" (Ap. nº 1.0313.06.187404-3/002, Rel. Des. Batista de Abreu, j. unân. em 12.11.10). Com respeitosa vênia aos argumentos expendidos pelo recorrente, entendo que o ato, consciente ou inconsciente de um pai que não dedica amor ao filho, não caracteriza ato ilícito nem dano injusto, daí a inexistência do dever de indenizar, pois a ausência de pressuposto básico é latente. De qualquer forma, e apenas como mais um argumento a elidir a pretensão da parte autora, a análise detida e minuciosa dos autos nem sequer demonstra, objetivamente, qualquer dano causado ao recorrente. A rigor, além das meras alegações e das fotografias de f. 20/21 que, data venia, nada provam, apenas foi colacionado aos autos a "Informação Técnica Circunstancial" de f. 59, elaborada pelas profissionais de assistência social e psicologia judiciais, em que, ao que se pode aferir, existe apenas muita mágoa e mesmo revolta da mãe do autor. Confira-se o que dizem as responsáveis pela entrevista:

"A genitora prossegue dizendo que iniciou a presente ação pensando no bem-estar de seu filho, uma vez que percebe que o genitor não se preocupa com R. Ela informa que a residência na qual J. reside foi construída em cima da casa de sua mãe. Segundo a mesma, tal habitação foi concretizada com o seu esforço e do seu filho mais velho, não tendo a contribuição de J. E. relata que, após ela e R. deixarem o ambiente familiar, ambos ficaram sem referência de moradia, passando algum tempo na casa de sua irmã, sobrinha ou mãe. Enquanto isso J. permanece do domicílio e coloca empecilhos para que R. e a mãe até mesmo visitem o local. Desse modo, ela expõe que o seu principal objetivo com esta ação seria a retomada de sua residência, o que garantiria um lar fixo para o filho".

Referentemente ao próprio autor, restou consignado no referido documento:

"Em entrevista com R., o adolescente relata que há quatro anos não conversa com o pai, já tendo feito algumas tentativas de se reaproximar, mas o mesmo demonstra muita resistência. R. trouxe poucas lembranças positivas do genitor, relatou-nos que, quando ele está próximo ao pai, é atingido, a todo momento, por ofensas verbais. Além disso, J. tem o costume de comprar guloseimas, trancar-se no quarto e não oferecer ao adolescente". Ora, uma ação de indenização por danos morais decorrente de um abandono paterno não tem seus pedidos julgados procedentes apenas por estar embasado nesse tipo de relação, qual seja de família, de pai e filho. E, no caso, de concreto, a prova produzida é de pobreza franciscana, até porque, como visto, o afeto não constitui um dever, mas decorre de uma opção inconsciente de verdadeira adoção; e o abandono afetivo do pai não implica ato  ilícito nem dano injusto, principalmente pelo fato de o apelante não se encontrar em estado de perigo, estando amparado emocional e materialmente pela mãe, estando o apelado prestando os alimentos que lhe foram impostos judicialmente, ao que dos autos consta. Logo, por ausência dos requisitos da responsabilidade civil, não há falar em dever de indenizar.

Reafirme-se à exaustão: o laço sentimental é algo profundo e não será uma decisão judicial que irá mudar uma situação ou sanar eventuais  eficiências. Trago, para reflexão, o pensamento de Gibran Khalil Gibran, extraído do livro Jesus o filho do homem: "Operemos ao mal um mal maior, e diremos: É a lei? E combateremos o vício com outro vício pior, e diremos: É a moral? E lutaremos contra o crime com crimes mais cruéis, e diremos: É a Justiça?". Mais não há para ser dito, sob pena de tautologia. Com tais considerações, nego à apelação, mantida a r. sentença objurgada que deu correto deslinde à matéria.

Custas recursais, pelo apelante, cuja exigibilidade de tais verbas fica suspensa ante a gratuidade judiciária, submetendo-se aos ditames do art. 12 da Lei 1.060/50.

PEDRO BERNARDES – Mérito.

Narram os autos que o apelante, nascido em 14.02.1996, é filho do apelado, que, por sua vez, nunca teve "o menor interesse em cuidar e educar o suplicante, abandonando-o à míngua de recursos morais e materiais, jogado à própria sorte; nunca o levou para passear a um parque de diversões ou mesmo a um terreno baldio; que nunca lhe comprou ou cuidou em arranjar-lhe um brinquedo, por mais tosco, simples ou barato que fosse". Alega, ainda, que nunca foi a uma reunião de pais e nunca teve o menor interesse em seu rendimento escolar, sendo que o que fez "foi embriagar-se constantemente e nessas ocasiões ser levado para casa, praticamente às costas de seus colegas de copo e de botequim, invariavelmente sujo em suas próprias fezes e urina" (f. 04).

Na inicial, o autor também alega que tal abandono lhe causou sérios transtornos, o que resultou em baixo rendimento escolar e necessidade de frequentar psicólogos e médicos. Argumenta, também, que o réu vive na moradia que é do autor, por comodato cedido pela avó materna (nº 10 da inicial – f. 05).

Examinei atentamente o processo, lendo documentos, manifestações das partes e, após leitura do judicioso voto do em. Relator, pedindo vênia a argumentos contrários, cheguei à mesma conclusão.

Aliás, é de se ressaltar que o judicioso voto proferido pelo em. Des. Relator pormenorizou o caso de forma conscienciosa, ponderada e reflexiva, o que demonstra que tal análise demandou não só o exame do caso em concreto, mas também do caráter psicológico e afetivo da questão.

Quanto ao pedido de retomada do imóvel, bem salientou o em. Relator que "demanda discussão em procedimento próprio". Ademais, nos autos, foi informado pelo réu (f. 68) e pelo I.R.M.P. (f. 86) que existe decisão da 3ª Vara Cível da Comarca determinando, ao que parece, a continuidade da posse, em razão das benfeitorias que realizou no local.

Quanto à destituição do pátrio poder, como ressaltou o em. Relator, trata-se de questão afeta ao Direito de Família. É que o procedimento relativo à perda e à suspensão do pátrio poder está regulado nos arts. 155 a 163 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A autoridade aqui é o juiz da Vara da Infância e da Juventude ou o juiz que exerce tal função no local, como determina o art. 145 do próprio estatuto. Do dever de indenizar por abandono moral. Primeiramente, a meu ver, a atitude do apelado é, de plano, moralmente reprovável, mas também atinge o campo do direito, não havendo falar que o ato de abandonar um filho não tem previsão no ordenamento jurídico, no campo da responsabilidade civil.

É que, além da relação entre a moral e o direito ser de complementaridade, o sistema de imputações produzido pelo ordenamento jurídico pátrio, observando a CF88, o ECA e o Código Civil, tem o condão de alcançar a responsabilidade civil referente ao abandono moral e material de um filho.

A meu ver, as referidas normas jurídicas estão incrustadas de preceitos morais, cuja eficácia só se justifica, nos dias de hoje, se realmente atreladas a mecanismos institucionalizados e ao direito para impor coercitivamente as suas normas.

Isso porque não existem mais práticas consagradas pela tradição e as noções de casamento e amor vêm mudando ao longo da história ocidental, tendo ocorrido um salto quanto aos costumes sexuais desde os anos 60.

A meu ver, o Poder Judiciário, completando o feixe de normas protetivas acima referido, deve exercer um papel dissuasório e punitivo para que esta opção por gerar filhos sem qualquer responsabilidade ou obrigação gere consequências para o abandonador ao menos em relação à criança, que, como sabido, vem ao mundo sem nenhum desenvolvimento ou capacidade de autonomia, que é comum em outras espécies.

Realmente, o pai (ou mãe) não está obrigado a amar, mas deve responsabilizar-se por aquilo que aconteça ao filho criado sob o manto de uma paternidade irresponsável, especialmente pelos danos que lhe são causados, seja no âmbito material ou imaterial. A meu ver, a responsabilidade não se pauta tão somente no dever alimentar, mas se insere no dever de possibilitar o desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana.

Segundo Luiz Felipe Brasil Santos (in Indenização por abandono afetivo. Seleções Jurídicas, fevereiro de 2005):

"a indenização conferida nesse contexto não tem a finalidade de compelir o pai ao cumprimento de seus deveres, mas atende a duas relevantes funções, além da compensatória: a punitiva e a dissuasória".

O infante não se satisfaz apenas com o bem material que, no caso, é a prestação alimentícia, até porque, por si só, apenas serve para matar a fome, mas em hipótese alguma mata a fome por carinho, amor, afeto, educação moral e espiritual, a companhia do pai em seu dia a dia, o zelo e o cuidado. Entretanto, em que pese à possibilidade, em tese, de os genitores serem condenados pelos danos causados a seu(s) filho(s) por abandono moral e material, tenho que, no presente caso, as provas produzidas nos autos não foram suficientes a demonstrar as condutas descritas pelo autor na inicial, nem tampouco restou provado o dano, o que afasta a obrigação de indenizar.

É que não basta o filho simplesmente alegar que foi privado do convívio, que foi abandonado e largado à mercê da sorte para ver seus pedidos julgados procedentes; é necessário provar tais alegações; e, no caso, dos autos isso não ocorreu.

Sequer existe nos autos um laudo psicológico a demonstrar que o autor possua qualquer tipo de sofrimento ou abalo pela ausência de contato com o réu e que essa ausência tenha sido exclusiva do réu ou que ele tenha tentado reavivar o contato.

Ao que parece, autor, sua genitora e réu conviveram juntos por 10 anos, sendo que a mãe, em 2006, resolveu deixar a residência em razão de o réu ser alcoolista, situação narrada pelo próprio autor na inicial, em que relata que já encontrou o réu "sujo de suas próprias fezes e urina" (f. 04), trazendo, inclusive, as fotos de f. 20/21.

O termo técnico circunstancial assinado por assistente social e psicóloga judicial (f. 60/61) não aponta quais seriam os danos ocorridos com o autor, deixando transparecer que o principal motivo da presente demanda é retomar o imóvel.

Já as declarações prestadas (f. 80/81) por psicóloga e fonoaudióloga se referem a transtornos da fala, tendo se iniciado em 1999, ou seja, muito antes da situação descrita na inicial.

Como sabido, o dever de indenizar pressupõe três requisitos: dano, ilicitude do ato e nexo causal. Para a configuração da obrigação de indenizar no campo da responsabilidade subjetiva, exige-se a presença de três elementos indispensáveis segundo lição de Caio Mário da Silva Pereira:

"a) em primeiro lugar, a verificação de uma conduta antijurídica, que abrange comportamento contrário a direito, por comissão ou por omissão, sem necessidade de indagar se houve ou não o propósito de malfazer;

b) em segundo lugar, a existência de um dano, tomada a expressão no sentido  de lesão a um bem jurídico, seja este de ordem material ou imaterial, de natureza patrimonial ou não patrimonial;

c) e em terceiro lugar, o estabelecimento de um nexo de causalidade entre um e outro, de forma a precisar-se que o dano decorre da conduta antijurídica, ou, em termos negativos, que sem a verificação do comportamento contrário a direito não teria havido o atentado ao bem jurídico" (in Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. v. I, Introdução ao Direito Civil. Teoria Geral do Direito Civil, p. 661).

Do que pode se depreender nos autos, verificou-se um forte desentendimento familiar que, provavelmente, teve início com o alcoolismo/etilismo do pai, que é uma doença, que pode alterar inclusive o caráter da pessoa com irritabilidade, impulsividade, instabilidade de humor com frequentes crises depressivas e com tendência a relegar a um segundo plano as obrigações diárias e com a família.

Portanto, a meu ver, não há como concluir que o réu tinha condições de fornecer afeto, cuidado e zelo a seu filho, e não o fez propositadamente. Penso que é um caso lamentável de desavença familiar, com um ingrediente desestabilizador/desagregador, qual seja o uso abusivo do álcool.

E, como dito anteriormente, o dano não ficou comprovado; ou pelo menos não há prova nos autos. A meu sentir, o autor não cumpriu o ônus que lhe incumbia, nos termos do art. 333, I, do CPC, devendo ser mantida a improcedência do pedido inicial.

No caso, considerando-se a situação descrita, bem como as adversidades que a vida infelizmente reservou a eles, não há como exigir do réu indenização por abandono, motivo pelo qual acompanho o em. Des. Relator. Com essas considerações, acompanho o e. Relator e nego provimento ao recurso.

Custas recursais, pelo apelante, suspensa a exigibilidade, nos termos da Lei 1.060/50.

DES. TARCÍSIO MARTINS COSTA – Peço vista.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. PRESIDENTE – O julgamento deste feito foi adiado na sessão anterior, a pedido do Desembargador Vogal, após os Desembargadores Relator e Revisor negarem provimento ao recurso. DES. TARCÍSIO MARTINS COSTA – Ponho-me de acordo com as conclusões vertidas nos bemlançados votos proferidos pelos eminentes Relator e Revisor, que enfrentaram, com segurança, precisão, conhecimento e acuidade, a delicada questão da relação paterno-filial, tema dos mais difíceis e complexos, quer sob o prisma jurídico, quer sob o enfoque psicossocial.

Ao exame que fiz do caso posto em lide, cheguei à mesma conclusão dos meus ilustres Pares, especialmente quanto à indigência da prova produzida no que concerne ao aventado abandono do infante, hoje adolescente, aqui representado por sua mãe, e o dano moral e material dele resultantes. Levando em conta o substancioso conteúdo dos pronunciamentos precedentes, tenho por despiciendos maiores acréscimos.

Entretanto, como a matéria foi por mim enfrentada anos a fio, à frente da Vara da Infância de Belo Horizonte, sem dúvida a mais angustiosa de todas da organização judiciária de Minas Gerais, e tem sido fruto de profunda reflexão aos longo do tempo, resta-me apenas tecer algumas considerações de ordem genérica sobre tema tão desafiador e de tamanha complexidade.

Em princípio, sempre com respeitosa vênia, quero deixar bem claro, que admito a possibilidade de os genitores serem condenados pelos danos causados aos filhos, por abandono moral e material, o que não é caso, ante a ausência de prova a convencer, tal como ressaltado nos judiciosos votos proferidos. Por certo, ninguém pode ser obrigado a gostar de ninguém. Entretanto, quando se está diante de uma relação pai e filho, impõem-se certos comportamentos mínimos de cuidados, a exigir a presença e o carinho, pelas gravíssimas consequências que a omissão poderá acarretar ao infante pelo resto de seus dias.

Nenhum filho pediu para nascer.

Mas, se veio à luz, a despeito de ao nascer trazer consigo todas as potencialidades germinais, forçoso reconhecer que, ao mesmo tempo, a criança é o mais frágil de todos os seres, a exigir cuidados imediatos e permanentes. Não é como o cisne que, logo depois do nascimento, se atira nas águas remançosas de um lago. Nem como o tigre, que mal apreendeu a andar, se embrenha na mata, arrostando todos os perigos. A criança, mais do que ninguém, por sua extrema fragilidade, necessita do concurso do outro. Necessita, especialmente, dos cuidados da mãe e do pai, enfim da família, e mais tarde do professor e de todos que integram o seu meio comunitário.

Cuidados esses indispensáveis, para que aflorem e venham à tona aquelas virtualidades germinais de que é portadora pela própria condição humana. Precisa, igualmente, de uma permanente sinalização para que possa distinguir entre o certo e o errado, o claro e o escuro, a liberdade e a submissão. Nesse sentido, o termo ensinar, do latim ensinare, quer dizer sinalizar, apontar, iluminar os caminhos. Daí a importância do pai, na linguagem psicanalítica, figura estruturante do sujeito, a impor, com afeto, os limites, as regras, a ordem, a disciplina, embora esse papel possa também ser desempenhado por outrem, v.g., um pai substituto, um avô, um tio e pela própria mãe.

Os estudos existentes, desde as investigações de Bowlby, realizadas logo após a Segunda Guerra Mundial, relatando o quadro doloroso da falta do carinho nas crianças órfãs, demonstram que o amor dos pais é tão importante para o desenvolvimento e a saúde mental da criança como as vitaminas e as proteínas o são para o desenvolvimento físico.

Por isso mesmo, e por bem compreender a necessidade vital da criança a uma família, a Constituição Federal, no art. 229, já estabelece que "os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência e enfermidade".

Portanto, há necessidade de que se proteja a criança desde a mais tenra idade. Desde a primeira infância, ela "precisa de alguém que a crie, eduque, ampare, defenda, guarde e cuide de seus interesses, regendo a sua pessoa e bens (CC, art. 252, IV). É um múnus público, id est, uma espécie de função correspondente a um encargo privado (direito função ou poder dever)" (Bittar Filho, Carlos Alberto, 61). Inúmeros simpósios e a rica normativa internacional enfatizaram a importância da figura paterna, podendo sua ausência conduzir a uma deterioração integral da personalidade, encontrando-se, muitas vezes aí, as raízes fundamentais do desajuste infantil, que acabam no adulto desajustado.

Esse é um consenso entre os juízes de menores, atuais juízes da infância e da juventude, tão bem resumido pelo Des. Liborni Siqueira, notável especialista brasileiro em Direito do Menor, que, por anos a fio, esteve à frente da Vara de Menores do Rio de Janeiro, ao enfatizar a repercussão do abandono na desestruturação familiar como a maior fonte de todas as carências (materiais e emocionais); isso porque, litteris:

"É ali que construímos todos os aspectos cognitivos, morfológicos, fisiológicos, afetivos e emocionais da criança. A psicologia labora sua doutrina na compreensão do comportamento humano no seio da família. É na família que socializamos a criança, projetando-a para a comunidade. A convivência familiar sadia é indispensável para modular o temperamento e instrumentalizar o caráter. Uma sólida estrutura familiar é o grande segredo da estrutura social" (SIQUEIRA, Liborni. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 11/12).

Em suma, a experiência pessoal de cada um de nós vem corroborar o entendimento esposado pelos especialistas de que a melhor solução para o problema da prevenção da criminalidade infantojuvenil é a remoção dos fatores primários que levam à conduta antissocial, tais como a prevenção da deterioração do ambiente familiar, a orientação dos pais e mães e o fortalecimento da autoridade paterna dentro do âmbito familiar.

Noutro viés, como assinalou com toda propriedade o em. Des. Unias Silva:

"A relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade possui fundamento naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de buscar compensação indenizatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave". E, mais adiante, complementa:

"No seio da família da contemporaneidade, desenvolveu-se uma relação que se encontra deslocada para a afetividade. Nas concepções mais recentes de família, os pais de família têm certos deveres que independem do seu arbítrio, porque agora quem os determina é o Estado. Assim, a família não deve mais ser entendida como uma relação de poder, ou de dominação, mas como uma relação afetiva, o que significa dar a devida atenção às necessidades manifestas pelos filhos em termos, justamente, de afeto e proteção" (Apelação Cível nº 408.550-5, Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, DJ de 01.04.2004, p. em 29.04.2004).

Sem dúvida, o princípio da efetividade especializa, no campo das relações familiares, o macroprincípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal), que preside todas as relações jurídicas e submete o ordenamento jurídico nacional. No tocante à dignidade da pessoa da criança ou adolescente, o seminal art. 227 da Constituição, reproduzido pelo art. 4º da Lei Federal 8.069/90, expressa essa concepção, ao estabelecer que é dever do Estado, da sociedade e da família assegurar-lhe, "com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária", além de colocá-la "a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". Não é um direito oponível apenas ao Estado, à sociedade ou a estranhos, mas a cada membro da própria família.

Por conseguinte, não se nega que a dor sofrida por um filho, em virtude do abandono paterno, por este privado do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, é capaz de gerar dano moral indenizável, com esteio nos princípios da dignidade da pessoa humana, da afetividade e da proteção especial exigida pela criança e adolescente, pessoas ainda em formação e desenvolvimento. Todavia, cada caso se reveste de suas particularidades.

Não ficando demonstrado nestes autos que o infante, hoje adolescente, se encontrava em situação de risco (f. 35-37), escudando-se, tão somente, o mosaico probatório nas alegações da genitora do menor e num sucinto estudo psicossocial, pouco esclarecedor e de menor valia (f. 59), não havia mesmo como prosperar a insurgência autoral.

Como bem pontuou o em. Relator: "ao que se pode aferir, existem apenas muitas mágoas e mesmo revolta da mãe". Segundo aponta referido laudo, em virtude de um problema de disputa de moradia, cedida por comodato da avó materna do infante, porém, atualmente, ocupado pelo requerido. A seu turno, o em. Revisor, depois de tecer pertinentes considerações sobre a importância do amor, do afeto, da educação moral e espiritual, do zelo e do cuidado, que em muito transcendem a questão da prestação alimentícia, concluiu, como o costumeiro acerto, que o forte desentendimento familiar, provavelmente, teve o seu início com o  alcoolismo do pai, com todas as suas nefastas consequências, a comprometer os deveres da paternidade.

Nesse contexto, penso que, no âmbito da Justiça da Infância e da Juventude, poderão ser aplicadas as medidas pertinentes aos pais ou responsáveis, dentre elas a inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras; encaminhamento a tratamento psicológico e a cursos e programas de orientação (ECA, art. 129, incisos I, II, e III).

Ou, como consignou com inegável maestria o em. Relator, a melhor solução "é a busca do reencontro, da renovação dos laços familiares, inclusive com uma boa relação entre os pais separados".

Com esses modestos registros, nego provimento ao recurso.

Estou determinando que os votos sejam publicados, tendo em conta, sobretudo, a relevância da matéria, a sua repercussão, que transcendem tanto o aspecto jurídico e adentram, vamos dizer assim, questões psicossociais.

Súmula – NEGARAM PROVIMENTO.

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG