Jurisprudência mineira – Ação rescisória – Ação declaratória – União de fato – Erro de fato presente

AÇÃO RESCISÓRIA – AÇÃO DECLARATÓRIA – UNIÃO DE FATO – ERRO DE FATO PRESENTE – IUDICIUM RESCINDENS – IUDICIUM RESCISSORIUM – PRETENSÃO RESCISÓRIA PROCEDENTE COM NOVO JULGAMENTO DE LIDE

– Ocorre erro de fato quando se afirma fato inexistente ou é negado fato que existe.

– Presente o erro de fato, em iudicium rescindens, impõe-se acolhimento à pretensão rescisória.

– Tendo a autora expressamente pedido novo julgamento, em iudicium rescissorium, considerando que a rescisão é de sentença, a lide deve ser novamente decidida.

– Ação rescisória julgada procedente com rescisão da sentença e novo julgamento da causa, sendo rejeitada a pretensão inicial da ação declaratória.

Ação Rescisória n° 1.0000.07.466210-7/000 – Comarca de Juiz de Fora – Autora: Hilda Gomes de Carvalho – Réus: Luci Rosa Teixeira, Pedro Otávio Masson, Isabel Cristina Masson, Sônia Maria Masson – Relator: Des. Caetano Levi Lopes

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda o 1º Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Roney Oliveira, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em julgar procedente o pedido rescisório.

Belo Horizonte, 2 de março de 2011. – Caetano Levi Lopes – Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. CAETANO LEVI LOPES – A autora Hilda Gomes de Carvalho aforou esta ação rescisória contra a ré Luci Rosa Teixeira e, mediante emenda de petição inicial, também contra os réus Pedro Otávio Masson, Isabel Cristina Masson e Sônia Maria Masson. Asseverou ter mantido união estável com o agora falecido Francisco Masson, pai dos três derradeiros réus, por quarenta e três anos, ou seja, desde 1962 até o óbito dele, ocorrido em 24.08.2005. Acrescentou ter sido surpreendida com uma correspondência da fonte pagadora de pensão por morte informando a existência de união estável judicialmente reconhecida entre o falecido e a primeira ré. Afirmou que esta não manteve qualquer vínculo afetivo com o falecido e a sentença teria sido lavrada em decorrência de erro de fato na apreciação da prova. Entende que está amparada pelo art. 485, IX, do CPC. Pretende seja rescindida a sentença acostada à f. 89-TJ e feito novo julgamento da causa.

Deduziu os demais pedidos de praxe e deu à causa o valor de R$ 500,00.

A primeira ré ofereceu resistência mediante contestação de f. 131/133-TJ e negou a existência do alegado erro de fato. Os demais réus ofertaram contestação às f. 176/177-TJ, 189/191-TJ e 196/198- TJ. O réu Pedro Otávio Masson asseverou desconhecer a vida íntima de seu falecido pai. As demais rés afirmaram ter havido relacionamento amoroso entre Francisco Masson, pai delas, e a primeira ré.

Anoto, en passant, que a autora não foi parte na ação originária, mas está legitimada na condição de terceira juridicamente interessada (art. 487, II, do CPC) em decorrência de ser beneficiária de benefício previdenciário agora dividido com a primeira ré.

Feito o reparo, cumpre verificar se ocorreu o alegado erro de fato.

A prova documental produzida é inócua.

Houve prova oral.

A autora depôs à f. 269-TJ e asseverou ter convivido com Francisco Masson, o qual nunca dormia ou tomava refeições fora de casa. Acrescentou desconhecer o suposto relacionamento amoroso dele com a ré Luci, todavia tinha ciência de que ele ajudava um filho de Luci que estava preso.

A ré Luci Rosa Teixeira prestou depoimento pessoal à f. 265-TJ e afirmou ter convivido com Francisco Masson de 1993 até 2005, quando ele faleceu, e não tiveram filhos.

A ré Isabel Cristina Masson depôs à f. 266-TJ. Informou que Francisco Masson, seu pai, sempre era visto em companhia da ré Luci. Acrescentou que o seu pai morava com a autora e a depoente sempre visitava o casal. Asseverou que ele não morou sob o mesmo teto com a ré Luci.

O réu Pedro Otávio Masson prestou o depoimento pessoal de f. 267-TJ e afirmou que seu pai Francisco Masson conviveu com a autora por muito tempo e ele, depoente, frequentava a casa deles. Acrescentou nunca ter visto o seu pai com a ré Luci. A ré Sônia Maria Masson depôs à f. 268-TJ e asseverou que seu pai Francisco Masson mantinha relacionamento amoroso tanto com a autora quanto com a ré Luci, embora não pernoitasse na casa  esta.

A testemunha Luiz Otávio Masson (f. 270-TJ) informou desconhecer a existência de  relacionamento entre Francisco Masson, seu tio, com a ré Luci.

A testemunha Paulo da Silva (f. 271-TJ) afirmou que sempre esteve na companhia do falecido Francisco Masson, o qual nunca foi visto com a ré Luci. A testemunha Vivalde da Silva Vieira (f. 272-TJ) afirmou ter sido casado com uma das filhas de Francisco Masson. Informou que nunca viu o sogro a companhia da ré Luci. Estes os fatos.
No que respeita ao direito, excepcionalmente a ordem jurídica permite rescindir uma sentença de mérito com trânsito em julgado caso uma ou mais dentre as hipóteses previstas no art. 485 do CPC sejam concretizadas. A autora, insista-se, invocou a existência de erro de fato no julgamento contido na sentença rescindenda.

É oportuno registrar que o erro de fato ao qual se refere a norma processual expressamente invocada pelo autor é aquele decorrente de falha na percepção e que, se não ocorresse, levaria a julgamento diverso. É sempre oportuna a lição de Pontes de Miranda (Tratado da ação rescisória. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 341):

“O que se revela, com o erro de fato, é a falta de coincidência entre a ideia e o estado verdadeiro da coisa ou do fato. O erro ou é erro em senso estrito (ideia falsa, em lugar de ideia verdadeira), ou falta de ideia (o erro apenas é ignorância). Mesmo em caso de ideia errônea, não deixa de existir a manifestação de vontade. Sem o erro de fato, a manifestação de vontade seria outra; mas houve, e pois existe”.

E prossegue:

“A distinção entre erro escusável e erro inescusável é estranha ao erro de que tratamos como causa de rescindibilidade. A sentença, e não qualquer litigante, foi que admitiu fato inexistente, ou negou o fato existente. O erro é do juiz. Não se traga à balha o que concerne a erro do negócio jurídico, ou de outro ato jurídico dos figurantes. O juiz pode ter ignorado a existência do fato como pode ter dito que existiu ou existe o que não existia ou não existe”.

Consta da telegráfica sentença rescindenda, em não mais do que quatro linhas, a título de fundamentação:

“A concordância das partes em audiência preliminar e a falta de contestação por parte do herdeiro que não compareceu em audiência são suficientes para confirmar a existência da união estável entre a autora e o falecido, devendo esta ser reconhecida nos termos do art. 1.723 do Código Civil”.

Vê-se, claramente, que a precária fundamentação não é lastreada em qualquer prova mais séria. Ora, a prova oral produzida neste feito patenteia que talvez tenha havido fugaz namoro entre a ré Luci e o falecido Francisco. Nada mais. Ele manteve convívio duradouro foi mesmo com a autora. Nunca é demais lembrar que a união estável é instituto criado pela Constituição da República de 1988 para legitimar a família que surge sem casamento. As Leis nº 8.971, de 1994, e 9.278, de 1996, apenas disciplinaram o texto constitucional.

É importante anotar que o derradeiro diploma legal exige como requisitos essenciais da união estável a convivência pública, duradoura e contínua dos companheiros com o objetivo de constituir família. A respeito esclarece Orlando Gomes na obra atualizada por Humberto Theodoro Júnior (Direito  de família. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 50):

“É preciso lembrar que a ‘união estável’ tutelada pela Constituição, como ‘entidade familiar’ é aquela que a lei ordinária deverá preparar para a ‘conversão em casamento’ (art. 226, § 3º). Dita conversão não será viável, como é natural, se os conviventes não preencherem ‘os requisitos fundamentais que se materializam nos impedimentos e dirimentes, tais como previstos no art. 183 do Código Civil […]

Poder-se-á afastar a necessidade da autoridade celebrante, mas se exigirá a inexistência dos impedimentos decantados […] a lei facilitará, mas não suprirá exigências que a lei ordinária já impõe à sua concretização”.

Até a entrada em vigor do atual Código Civil, a proteção do Estado à união estável, determinada no art. 226, § 3º, da Constituição da República, encontrava-se regulamentada pelas Leis nº 8.971, de 1994 e 9.278, de 1996. O Código Civil trouxe a regulamentação da união estável nos arts. 1.723 a 1.727, sendo que o primeiro assim define o instituto:

“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521: não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente”.

Por outro norte, a Lei nº 8.971, de 1994, estabeleceu a proteção ao direito dos companheiros a alimentos e sucessão, considerando a união com pessoa solteira, separada judicialmente ou viúva, desde que o convívio seja superior a cinco anos ou tenham filhos. A Lei nº 9.278, de 1996, por sua vez, reconheceu como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.

Não há qualquer prova, apesar da ampla oportunidade concedida, para convencer que a ré Luci e Francisco mantiveram união com os requisitos analisados. Logo, existe mesmo o erro de fato invocado, impondo-se o acolhimento da pretensão inicial.

Com esses fundamentos, no iudicium rescindens, julgo procedente a inicial e decreto a rescisão da sentença trasladada à f. 89 – TJ por entender que houve erro de fato pois a ré Luci Rosa Teixeira e Francisco Masson não mantiveram união estável. Em consequência, no iudicium rescissorium e tendo em vista o expresso pedido formulado à f. 7-TJ (art. 488, I, do CPC), julgo improcedente a pretensão inicial da ação declaratória porque, insista-se, não existiu união estável entre Luci Rosa Teixeira e Francisco Masson.

Condeno a ré Luci Rosa Teixeira no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em decorrência de ter sucumbido na ação declaratória. Arbitro os honorários advocatícios para a referida ação em R$ 1.000,00, tendo em conta a singeleza do trabalho que lá foi prestado.

Condeno todos os réus desta rescisória no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em R$ 1.500,00 porque o trabalho prestado, embora de boa qualidade, não exigiu tempo e esforço
extraordinários. Defiro para a ré Luci Rosa Teixeira a gratuidade de justiça que ela requereu na contestação de f.
131/133-TJ, tendo juntado a declaração de f. 135-TJ, e determino, quanto a ela, seja observado o disposto na Lei nº 1.060, de 1950.

Indefiro a gratuidade de justiça requerida pelos demais réus porque eles não acostaram declaração de hipossuficiência financeira.

Dispositivo para publicação: julgaram procedente a ação rescisória, rescindiram a sentença e, no iudicium rescissorium, julgaram improcedente a pretensão inicial da ação declaratória.

DES.ª VANESSA VERDOLIM HUDSON

ANDRADE – Trata-se de ação rescisória proposta por Hilda Gomes de Carvalho, em face de Luci Rosa Teixeira e outros.

Ao bem-lançado voto do em. Relator acrescento que diversas provas existentes nos autos não foram consideradas pelo ilustre prolator da sentença rescindenda, além da prova testemunhal citada em seu respeitável voto. Na sentença que o eminente Relator muito bem definiu como "telegráfica" não houve qualquer
apreciação de prova, em face da revelia de um dos herdeiros e da falta de anuência de outros dois, tendo-o como suficientes para entender como  confirmada a existência de união estável naqueles autos. Considerou, assim como existente, fato não comprovado e que, por si só, não admite presunção de veracidade pela simples revelia.

É bom observar que a autora, se com o segurado tinha relacionamento, deveria ter conhecimento de sua relação com a ora autora em face das firmes provas produzidas.

A ré não juntou aos autos documentos daqueles autos que comprovassem a sua veracidade. Não se vê elemento probatório que confirme a sentença. Assim é que a autora desta rescisória foi precisamente que declarou o óbito do de cujus (f. 16) em agosto de 2005 e foi quem assinou o contrato de prestação de serviços hospitalares  prestados em 23.07.2004 (f. 12) e foi designada como dependente pelo servidor (f. 22). O servidor fez declaração em documentos registrados no Cartório de Notas em 1987 de que a autora desta rescisória era sua companheira, com ela vivendo há mais de dez anos.

Em 23.01.2004, o servidor fez declaração por meio de escritura pública de união estável com Hilda Gomes de Carvalho, ora autora.

A cópia da sentença de f. 30 reconhece a união estável entre a ora autora e o de cujus, em que houve homologação de acordo entre a ora autora e os filhos do de cujus.

A ré divorciou-se em 08.03.2004, portanto era casada até pouco antes do óbito. Em seu pedido de divórcio, feito em dezembro de 2003, alegou que se encontravam separados "há mais de 6 (seis) anos", o que demonstra que, pelo menos seis anos antes, não podia viver em união estável com o de cujus, desmentindo a sua alegação feita na inicial do processo rescindendo, onde alegou que viveu em união estável com o de cujus durante treze anos. Ver f. 89.

O MM. Juiz julgou sem apreciar provas necessárias, induzido a erro.

Aplicável, assim, a hipótese de erro Judiciário, previsto no art. 485, IX, § 1º:

"Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

[…]

IX – fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa;

§ 1º Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quanto considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido.

§ 2º É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato".
Barbosa Moreira traz valiosa lição:

"Ao exigir a lei a inexistência de pronunciamento judicial sobre o fato, ainda que ele tenha permanecido incontroverso entre as partes, deve esse requisito ser entendido como ‘uma questão não resolvida pelo juiz – ou, consoante às vezes se diz com fórmula criticável, de uma questão apenas implicitamente resolvida’

– 1. Ou seja, é necessário  que o fato, existente ou inexistente, devidamente provado nos autos, não foi colhido ‘pela percepção do juiz’, que, ao decidir, pura e simplesmente saltou por sobre o ponto, sem feri-lo. Se, ao contrário, o órgão judicial, errando na apreciação da prova, disse que decidia como decidiu porque o fato ocorrera
(apesar de provada a ocorrência), não se configura o caso do inciso IX. A sentença, embora injusta, não será rescindível". Só se caracteriza erro de fato, portanto, quando se pode presumir que o juiz não atentou para a prova. ‘Não, porém, quando haja ele julgado em tal ou qual sentido por ter apreciado mal a prova em que atentou’" (Comentários ao CPC. Rio de Janeiro: Forense, v. V, p. 133/134) (trecho transcrito da Ação Rescisória, n. 587020942).

É de antiga lição do Supremo Tribunal Federal que:

"Somente se admite a rescisória fundada no inc. IX do art. 485 do CPC, quando for razoável presumir que o juiz não teria julgado como o fez se tivesse atentado para a prova, e não quando a apreciou e, bem ou mal, firmou sua convicção" (STF – Rel. Min. Cunha Peixoto. In: PAULA, Alexandre de. O processo civil à luz da jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, v. V/350).

Não juntou a ré qualquer prova daqueles autos que confirmasse o acerto – ou pelos menos – não elidisse o desacerto da sentença. O erro de fato se encontra configurado.

Acompanho o em. Relator.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Armando Freire, Alberto Vilas Boas, Hilda Teixeira da Costa, Afrânio Vilela, Roney Oliveira, Brandão Teixeira, Eduardo Andrade e Geraldo Augusto.

Súmula – JULGARAM PROCEDENTE.

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG