AÇÃO RESCISÓRIA – AÇÃO ORIGINÁRIA DE CONVERSÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL EM DIVÓRCIO – FALTA DE CITAÇÃO VÁLIDA – DECRETAÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO ORIGINÁRIO – IMPOSSIBILIDADE – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – QUERELA NULLITATIS – VIA ADEQUADA – EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO
– Em não havendo sido a autora validamente citada na ação originária de conversão de separação judicial em divórcio, à evidência, houve vício insanável e nulidade absoluta, que impede a formação de sentença de mérito válida transitada em julgado.
– O vício relativo à ausência de citação válida não pode ser arguido em sede de ação rescisória, desafiando ação declaratória de nulidade. Precedentes do STJ.
– Extinção do feito sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, incisos IV e VI, do CPC.
Ação Rescisória nº 1.0000.13.033263-8/000 – Comarca de Rio Casca – Autora: A.A.R. – Réu: Espólio de H.S.R., representado pela inventariante M.A.M. – Litisconsortes: J.H.M.S. representado pela mãe M.A.M., J.S.R. – Relatora: Des.ª Hilda Maria Pôrto de Paula Teixeira da Costa
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em, de ofício, extinguir o feito, sem resolução do mérito.
Belo Horizonte, 16 de junho de 2015. – Hilda Maria Pôrto de Paula Teixeira da Costa – Relatora.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES.ª HILDA MARIA PÔRTO DE PAULA TEIXEIRA DA COSTA – Trata-se de ação rescisória ajuizada por A.A.R. em face do espólio de H.S.R., representado pela inventariante M.A.M., e, se for o caso, pelos filhos herdeiros J.S.R. e J.H.M.S., nos termos do art. 485, incisos IV, V e VII, do CPC.
Em sua peça de ingresso, a autora afirma que o requerido, hoje já falecido, havia proposto ação de conversão de separação judicial em divórcio em 12.01.2009, em cuja exordial havia constado que a autora estaria em local incerto e não sabido, em que pese o então autor naquele feito conhecer o endereço da ora autora, uma vez que, inclusive, para ela depositava verbas a título de pensão alimentícia. Naquele feito, foi a ora autora citada por edital, e, tendo sido frustrada a citação, foi indicada curadora especial.
Esclarece que o então autor daquela demanda faleceu em 07.04.2011, na cidade de Viçosa, domicílio da autora e da filha do casal, enquanto aquela demanda tramitava na Comarca de Rio Casca. Por não ter sido citada no feito, a ora autora não teve como noticiar o óbito, razão pela qual sobreveio sentença, em 27.03.2012, julgando procedente a ação de conversão da separação judicial em divórcio, que transitou em julgado.
Sustenta que, ignorando sobre a ação de conversão, tão logo deixou de receber os depósitos de pensão alimentícia, procurou obter os dados do acordo homologado na separação consensual, não obteve sucesso por não constarem os dados na Vara, mas apenas os referentes à ação de conversão. Logo, ficou impossibilitada de conhecer os exatos termos do acordo, para fins de obtenção de pensão por morte no IPSM, ressaltando que o benefício estaria sendo pretendido ao instituto por outra pessoa.
Defende que, uma vez que o cônjuge varão faleceu mais de 11 meses antes da sentença, o estado do cônjuge sobrevivente, ora a autora, há de ser de separada judicialmente, e não divorciada.
Aduz ser este o único meio pelo qual pode ser provada a nulidade absoluta daquele feito, por invalidade da citação, tendo também ocorrido o erro da prolação da sentença de mérito após o óbito do autor, devendo ser aquela demanda declarada extinta, sem resolução do mérito, ou pelo inciso IV ou pelo inciso IX, ambos do art. 267 do CPC.
Por fim, pugnou pela procedência da demanda rescisória, rescindindo-se a mencionada sentença em face da nulidade da citação procedida naquele feito, proferindo nova decisão, extinguindo-se o feito em razão do óbito do então autor, e mantendo-se a sentença que decretou a separação consensual já averbada.
Juntou documentos de f. 13/49, que incluem, dentre outros, certidão de casamento, certidão de óbito do Sr. H.S.R. e cópia da ação de conversão de separação em divórcio.
Deferido o pedido de justiça gratuita à autora e determinada a citação da parte ré, esta apresentou contestação às f. 85/90, defendendo a validade da citação e a regularidade do processamento do feito, uma vez que fora a ora autora citada, por duas vezes, por edital, tendo sido adotadas todas as providências para localizar seu paradeiro, além de ter sido nomeada curadora que bem exerceu seu encargo no feito.
Afirma que, caso seja acolhida a tese de nulidade da citação, o que haverá é a inexistência jurídica da própria sentença, por inquinada de vício, o que impede a discussão pela via eleita, uma vez que deveria ter sido ajuizada ação declaratória de nulidade (querela nullitatis insanabilis).
A parte ré juntou documentos de f. 94/144, que incluem escritura de união estável com o falecido, datada de 04.06.2010, atestando a existência da união desde janeiro de 2007.
Não houve apresentação de impugnação à contestação no prazo legal.
Instadas a se manifestarem acerca da produção de provas, as partes manifestaram-se às f. 159/160 e 163/164, tendo sido requisitadas ao Juízo da Comarca de Rio Casca informações sobre o processo de separação consensual decretada por sentença, com a cópia da sentença proferida (f. 166).
As informações e cópias dos autos encontram-se às f. 173/198.
A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de f. 203/206, da lavra da il. Procuradora de Justiça, Fé Fraga França, manifestouse pela procedência do pedido rescisório.
Memoriais das partes às f. 213/215 e 218/224.
É o relatório.
Nota-se que a presente rescisória foi aviada com fundamento no art. 485, incisos IV, V e VII, do CPC (f. 04). Constituem, respectivamente, alegação de ofensa à coisa julgada, violação a literal disposição de lei e obtenção de documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável após a sentença.
E, apesar de não ter a autora discorrido especificamente sobre tais dispositivos e as razões pelas quais entendia serem eles cabíveis à espécie, verifica-se que o motivo pelo qual ajuizou a presente ação rescisória é, na verdade, a alegação de ausência de citação válida na ação de conversão de separação judicial em divórcio, contra ela ajuizada pelo Sr. H.S.R., falecido em 07.04.2011 (f. 14).
Defende a autora que, além de não ter sido validamente citada naquele feito, o então autor faleceu antes de ser proferida a sentença, razões pelas quais aquela sentença deve ser rescindida e o processo deve ser declarado extinto, sem resolução do mérito, em razão do óbito do autor, devendo prevalecer os efeitos da já averbada separação consensual.
Consta, nos autos, a cópia da referida ação de conversão de separação judicial em divórcio, ajuizada em janeiro de 2009 pelo Sr. H.S.R. em face da ora autora, em que, na exordial, afirma o então autor que a requerida se encontrava em local incerto e não sabido (f. 181).
Recebida a inicial, foi logo determinada a citação da requerida por edital (f. 184-v.), novamente expedido à f. 186. Após a expedição dos dois editais, foi nomeada curadora especial à requerida, sendo que a própria curadora pugnou pela realização de diligências a fim de se localizar a ré, requerendo fosse oficiado à Receita Federal e ao TRE, indagando-se acerca de possíveis endereços.
Nesse contexto, a Juíza requereu a expedição de ofício ao TRE (f. 187), diligência que não foi cumprida pela Secretaria.
Ato contínuo, a Juíza determinou a especificação de provas pelas partes (f. 190-v.), e o processo transcorreu sem maiores manifestações das partes, até que sobreveio a sentença, em 27.03.2012, julgando procedente o pedido e convertendo em divórcio a separação judicial das partes (f. 196).
Mostra-se claro que não foi realizada nenhuma tentativa de localização da então requerida e identificação de seu paradeiro, tendo sido a citação por edital realizada de plano, sem a efetivação de nenhuma diligência que se mostrava cabível. Até mesmo o ofício ao TRE, mencionado pela Juíza, não foi expedido.
Nesse sentido, é cristalina a nulidade da citação editalícia e a inobservância do devido processo legal, com flagrante ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois o Juízo acatou a alegação do então autor de modo imediato, não tendo sido realizada nenhuma pesquisa para a comprovação de que a ré realmente se encontrava em local incerto e não sabido, apta a atrair a incidência do art. 231, inciso I, do CPC.
Logo, a questão atinente à falta da citação válida é a principal questão discutida nos autos, dela decorrendo os demais debates.
Contudo, embora haja certeza de que a insurgência da autora quanto à nulidade da citação é procedente, imensa é a divergência quanto ao cabimento da ação rescisória em busca da nulidade, por ausência de citação.
Pontes de Miranda, em seu Tratado de ação rescisória, evidencia:
"Se ocorre que há causa para decretação de nulidade e causa para decretação de rescisão, primeiro se há de julgar a ação de nulidade, ainda incidente, devido ao princípio de subsidiariedade. A ação rescisória é ação subsidiária. Se a sentença é nula, não é preciso rescindir. Quem pode empuxar e afastar o obstáculo não precisa empregar machado ou outro instrumento cortante" (5. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 448).
Seguindo esse entendimento, o culto processualista Ernane Fidélis dos Santos leciona, quando do julgamento da Ação Rescisória nº 254.425-7, da Comarca de Juiz de Fora, julgada em 09.09.1999, que:
"Tratando-se de simples nulidade de citação, onde nem se formou a relação processual, impossível será a ação rescisória, mesmo porque há uma completa impossibilidade de se passar ao juízo rescisório, como é próprio dessa espécie de ação".
Em sentido contrário, existem respeitáveis posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais em prol da admissão da rescisória para a finalidade ora neste feito buscada.
Ressalto que já comunguei do entendimento de que a falta de citação válida, por se tratar de nulidade absoluta, poderia ser declarada, de ofício, independentemente de procedimento especial para tal finalidade, visto tratar-se de matéria de ordem pública que impede a formação e o desenvolvimento válido e regular do processo, conhecível a qualquer tempo e grau de jurisdição, inclusive nos autos da ação rescisória. Invocava-se, também, o princípio da instrumentalidade das formas e da efetividade processual, em defesa desse entendimento.
No entanto, após maior aprofundamento da matéria e observância de recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça, passei a entender que o correto e mais recomendável é, realmente, a propositura de ação querela nullitatis para o reconhecimento da nulidade por ausência da citação.
Isso porque a ação rescisória desconstitui sentença que produz efeitos válidos; no caso em comento, a ausência de citação é um vício que não pode produzir efeitos. A citação válida é pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo. Logo, inexistindo citação válida, os atos processuais posteriores também se encontram eivados de vício insanável, inclusive a sentença de mérito, que se mostra plenamente nula, pelo que não haverá coisa julgada.
E, em atenção à jurisprudência da 1ª Seção de Direito Privado da Superior Tribunal de Justiça, que, aderindo ao posicionamento já adotado pela 2ª Seção, firmou entendimento no sentido de que o vício relativo à ausência de citação não pode ser arguido em sede de ação rescisória, desafiando ação declaratória de nulidade, registro a alteração de meu posicionamento, no seguinte sentido:
“Processual civil. Ação rescisória. Art. 485, III e V, do CPC. Ausência de citação de litisconsorte passivo necessário. Hipótese de querella nulitatis. Extinção do processo sem resolução de mérito. […] 6. O art. 485 em comento não cogita, expressamente, da admissão da ação rescisória para declaração de nulidade por ausência de citação, pois não há que se falar em coisa julgada na sentença proferida em processo em que não se formou a relação jurídica apta ao seu desenvolvimento. É que, nessa hipótese, estamos diante de uma sentença juridicamente inexistente, que nunca adquire a autoridade da coisa julgada. Falta-lhe, portanto, elemento essencial ao cabimento da rescisória, qual seja a decisão de mérito acobertada pelo manto da coisa julgada. Dessa forma, as sentenças tidas como nulas de pleno direito e ainda as consideradas inexistentes, a exemplo do que ocorre quando proferidas sem assinatura ou sem dispositivo, ou ainda quando prolatadas em processo em que ausente citação válida ou quando o litisconsorte necessário não integrou o polo passivo, não se enquadram nas hipóteses de admissão da ação rescisória, em face da inexistência jurídica da própria sentença porque inquinada de vício insanável. 7. Apreciando questão análoga, atinente ao cabimento ou não de ação rescisória por violação literal a dispositivo de lei no caso de ausência de citação válida, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já se posicionaram no sentido de que o vício apontado como ensejador da rescisória é, em verdade, autorizador da querela nullitatis insanabilis. Precedentes: do STF – RE 96.374/GO, Relator: Ministro Moreira Alves, DJ de 30.08.1983; do STJ – REsp n° 62.853/GO, Quarta Turma, Relator: Ministro Fernando Gonçalves, unânime, DJU de 01.08.2005; AR .771/PA, Segunda Seção, Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ de 26.02.2007. 8. No caso específico dos autos, em que a ação principal tramitou sem que houvesse citação válida do litisconsórcio passivo necessário, não se formou a relação processual em ângulo. Há, assim, vício que atinge a eficácia do processo em relação ao réu e a validade dos atos processuais subsequentes, por afrontar o princípio do contraditório. Em virtude disso, aquela decisão que transitou em julgado não atinge aquele réu que não integrou o polo passivo da ação. Por tal razão, a nulidade por falta de citação poderá ser suscitada por meio de ação declaratória de inexistência por falta de citação, denominada querela nullitatis, que, vale ressaltar, não está sujeita a prazo para propositura, e não por meio de ação rescisória, que tem como pressuposto a existência de decisão de mérito com trânsito em julgado. 9. Ação rescisória extinta sem julgamento do mérito" (STJ, AR 569/PE, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. em 22.09.2010, DJe de 18.02.2011).
Veja-se, ainda, decisão proferida também pela Primeira Seção do STJ, no julgamento dos embargos de declaração opostos contra o acórdão transcrito:
“[…] 3. Não está autorizada a aplicação dos princípios que norteiam o sistema de nulidades no direito brasileiro, em especial os da fungibilidade, da instrumentalidade das formas e do aproveitamento racional dos atos processuais, para que a rescisória seja convertida em ação declaratória de inexistência de citação, máxime quando inexiste competência originária do Superior Tribunal de Justiça para apreciar aquela ação cognominada querela nullitatis. Isso porque a Constituição Federal apenas autoriza o processamento da inicial diretamente perante esta Corte Superior nas hipóteses expressamente delineadas em seu art. 105, inciso I. 4. Por outro lado, é assente a orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a competência para apreciar
e julgar a denominada querela nullitatis insanabilis pertence ao juízo de primeira instância, pois o que se postula não é a desconstituição da coisa julgada, mas apenas o reconhecimento de inexistência da relação processual. Nesse sentido, são os seguintes julgados: AgRg no REsp 1199335/RJ, Primeira Turma, Relator Benedito Gonçalves, DJe de 22.03.2011; REsp 1015133/MT, Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, Relator para o acórdão Ministro Castro Meira, DJe de 23.04.2010; REsp 710.599/SP, Primeira Turma, Relatora Ministra Denise Arruda, DJ de 14.02.2008".
Com tais considerações, a presente ação rescisória não se afigura meio adequado para a pleiteada desconstituição da sentença proferida na ação de conversão de separação judicial em divórcio, uma vez que, não tendo havido a citação válida, inexiste pressuposto para o acolhimento da presente rescisória, que é a existência de sentença de mérito transitada em julgado.
Em face do exposto, determino a extinção do feito, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, incisos IV e VI, do CPC. Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em R$788,00, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC. Suspendo, contudo, a exigibilidade do pagamento por litigar a autora sob o pálio da justiça gratuita (f. 54).
Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Afrânio Vilela, Marcelo Rodrigues, Raimundo Messias Júnior e Caetano Levi Lopes.
Súmula – DE OFÍCIO, EXTINGUIRAM O FEITO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG