ADMINISTRATIVO – PENSÃO POR MORTE – BENEFICIÁRIA QUE RECEBIA ALIMENTOS DO DE CUJUS, SEU EX-CÔNJUGE – IMPOSSIBILIDADE – FILHOS MAIORES E CAPAZES AO TEMPO DA MORTE – PENSÃO INTEGRAL PAGA POR LONGO PERÍODO – DEFERIMENTO DO PEDIDO
– Não é dado ao órgão previdenciário, no momento de cálculo da pensão por morte, reduzir o valor dos alimentos fixados em sentença judicial, considerando que a verba foi arbitrada em prol de toda a entidade familiar, sem especificação do percentual devido a cada um dos membros.
– A exoneração do encargo alimentar referente a qualquer dos membros da família não implica, por si só, a redução dos alimentos arbitrados intuitu familae.
– Considerando que a parte autora recebeu os alimentos integrais por mais de 30 anos – e por período superior a 10 anos após a maioridade dos filhos – sem que o de cujus manejasse qualquer ação revisional, não é possível que a entidade previdenciária reduza o valor dos alimentos a serem pagos em razão da morte do ex-servidor.
Apelação Cível nº 1.0024.14.055595-4/001 – Comarca de Belo Horizonte – Apelante: Efigênia Custódia de Carvalho – Apelado: Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais – Relator: Des. Alberto Vilas Boas
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 27 de novembro de 2018. – Alberto Vilas Boas – Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. ALBERTO VILAS BOAS – Conheço do recurso.
1 – A espécie em exame.
Cuida-se de apelação interposta por Efigênia Custódia de Carvalho com o intuito de reformar a sentença oriunda do juízo da 1ª Vara de Família da comarca de Belo Horizonte que, no âmbito da ação ordinária ajuizada em face do Ipsemg – Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais, julgou improcedente o pedido.
No âmbito da inicial, a parte autora informou que, em ação de alimentos proposta em 1976, foi homologado acordo havido entre ela e o seu falecido cônjuge Ubirajara de Carvalho (ex-servidor do Estado), de modo que lhe seriam pagos alimentos no montante de 35% dos vencimentos recebidos pelo de cujus.
Alegou que a verba alimentar foi paga regularmente no mencionado patamar, sendo certo que, após a morte do alimentante, o Ipsemg reduziu a quantia para 4,77% dos rendimentos do de cujus, sob o argumento de que os alimentos, originariamente, tinham sido fixados para a autora e os seis filhos.
Em sua contestação, o réu citou o art. 23, § 5º, do Decreto Estadual 42.758/2002 e aduziu que a cota parte da autora, de fato, corresponde a 1/7 do valor da pensão total.
Afirmou que os filhos são todos maiores de 21 anos e não mais ostentam a condição de dependentes.
O pedido foi julgado improcedente, veredito com o qual não se conforma a parte autora.
No âmbito do apelo, sustentou que a quantia de 35% lhe foi paga por período superior a 37 anos.
Asseverou que o acordo de alimentos firmado entre as partes não faz nenhuma menção à quantidade de filhos, tampouco à percentagem destinada a cada um deles.
Enfatizou que os filhos, no momento do falecimento do genitor, já não necessitavam de alimentos, pois já eram maiores e capazes.
Requereu o restabelecimento da pensão no patamar de 35%.
2 – Mérito.
A sentença deve ser reformada, data venia.
A controvérsia existente nos autos cinge-se em avaliar se a autora faz jus ao recebimento da pensão por morte no percentual de 35% dos rendimentos líquidos, equivalente à quantia anteriormente fixada a título de alimentos, ou se deve receber o correspondente a 1/7 do valor arbitrado.
Enfatizo, inicialmente, que, não obstante a requerente alegue que antes da morte do seu ex-cônjuge o valor descontado a título de alimentos era de 35% dos rendimentos líquidos, é possível notar que a quantia total era de 33,39% (f. 26).
Com efeito, o Decreto Estadual nº 42.785, que disciplina a pensão por morte devida à ex-cônjuge que recebe alimentos do de cujus, dispõe que:
“Art. 23. Por morte do segurado adquirem direito à pensão em cotas-parte, pela metade, o cônjuge ou companheiro sobrevivente, e, pela outra metade, em partes iguais, os filhos.
[…]
§ 5º A cota-parte de ex-cônjuge ou ex-companheiro com direito a pensão alimentícia será no valor dessa, que será deduzida do valor global da pensão por morte antes de se promover o rateio, definido no caput deste artigo, do qual estará excluído”.
No caso em comento, consta da sentença em que foram fixados os alimentos a referência de que a verba seria destinada à autora e aos filhos (f. 75).
O cálculo elaborado pelo Ipsemg para chegar ao montante de 4,77% levou em conta a menção na inicial daquela ação de que as partes tinham seis filhos (f. 62).
Todavia, resta claro no processo originário que os alimentos foram fixados intuitu familiae, uma vez que não há no título judicial qualquer divisão da quantia que seria destinada a cada um dos filhos e à cônjuge.
Tal como já me manifestei em diversas oportunidades, a exoneração de um dos membros que foram considerados para a fixação de alimentos em prol de uma família não implica, por si só, a redução proporcional do encargo. Em outras palavras, não é possível realizar uma simples conta matemática quando se trata de verba alimentar arbitrada em benefício da coletividade familiar.
Além disso, no caso em comento, entendo que não é dado ao Ipsemg funcionar como órgão que realiza a revisão do valor dos alimentos fixados entre as partes.
Sim, porque se verifica que a pensão foi estabelecida em 1976, quando as partes possuíam seis filhos menores (João Evangelista, Ubiratan, Uniracy, Reginaldo, Rogério e Ronaldo) (f. 63).
O mais novo dos filhos naquela ocasião, Ronaldo, nasceu em 10/3/1976 (f. 138). Ou seja, no momento do falecimento do genitor, em 31/7/2013, possuía 37 anos, sendo certo que não há nos autos qualquer informação de que não seria capaz.
Além disso, é importante consignar que, após a fixação dos alimentos, em 1976, a autora teve outra filha com o de cujus, Luciana de Carvalho, que nasceu em 19/12/1977 (f. 137).
Dessa forma, em verdade, as partes tinham sete filhos, sendo certo que os alimentos fixados em 1976 e descontados por toda a vida do segurado tinham por escopo alimentar toda a entidade familiar.
Digo isso apenas para justificar o motivo pelo qual reputo que o cálculo e a redução da pensão efetuada pelo Ipsemg, de modo a pagar à requerente apenas 1/7 do valor dos alimentos, mostram-se equivocados e afrontam o título judicial.
Ora, a filha mais nova do casal completou 21 anos em 1998, e por período superior a 10 anos a requerente permaneceu recebendo o valor total da pensão alimentícia, sendo certo que o de cujus em nenhum momento buscou a redução do valor.
Nesse aspecto, considero equivocada a conduta do órgão previdenciário de simplesmente reduzir, de ofício e na esfera administrativa, o valor dos alimentos, que foram pagos à requerente por mais de 30 anos, sem qualquer contestação pelo alimentante.
Repito, além de ferir a expectativa da beneficiária que, no tempo da morte de seu ex-cônjuge, já contava com mais de 70 anos e recebia a pensão alimentícia por longo período, o ato administrativo ofende o título judicial em que foi estabelecido o encargo. É importante considerar que a base da pensão por morte a ser paga pelo órgão previdenciário a ex-cônjuge deve levar em consideração o encargo alimentar fixado de acordo com as necessidades daquele que recebe a prestação.
Assim, entendo que deve ser restabelecido o benefício previdenciário no patamar de 33,39% dos rendimentos líquidos do autor.
O réu deverá arcar com as diferenças havidas considerando a data em que foi realizada a redução e observada a prescrição quinquenal a partir do ajuizamento da ação.
Ao calcular as diferenças no caso em julgamento, será necessário definir qual o critério de atualização monetária, haja vista que, quanto aos juros de mora, prevalecerá aquele aplicável à caderneta de poupança, na medida em que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, não foi declarado inconstitucional pela Suprema Corte.
Todavia, no âmbito do RE 870.947 cujo julgamento foi concluído em 20 de setembro de 2017, o STF ratificou o juízo de valor que havia sido externado na ADI nº 4.357 e que abrangia os créditos derivados de precatórios, e, por conseguinte, considerou a TR novamente inconstitucional, agora em relação aos créditos reconhecidos em processos judiciais que ainda não transitaram em julgado.
No contexto do referido julgamento, prevaleceu o voto do Min. Luiz Fux, Relator para o recurso extraordinário, e nele não se estabeleceu nenhuma espécie de modulação para se saber se o IPCA-E – índice criado pelo IBGE em 1991 – passará a ser aplicado a partir de 30 de junho de 2009, quando a Lei nº 11.960/2009 entrou em vigor ou em uma outra data específica.
É necessário lembrar que, posteriormente ao julgamento da ADI nº 4.357, a Suprema Corte apreciou questão de ordem e efetivou a modulação temporal dos efeitos da decisão declaratória de inconstitucionalidade, especialmente diante do regime especial de precatório criado pela EC nº 62/2009.
E, naquela oportunidade, ao abordar a questão relativa à inconstitucionalidade da TR como critério de atualização dos precatórios, decidiu-se que
“fica mantida a aplicação do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos da Emenda Constitucional nº 62/2009, até 25.03.2015, data após a qual (a) os créditos em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) e (b) os precatórios tributários deverão observar os mesmos critérios pelos quais a Fazenda Pública corrige seus créditos tributários;
Agora, em face da conclusão do julgamento do RE nº 870.947 e ainda pendente de trânsito em julgado, remanesce a dúvida quanto a saber se, em relação aos processos anteriores ao julgamento ocorrido em 20/9/2017, será possível aplicar o IPCA-E de forma a alcançar crédito nascido antes e depois da Lei nº 11.960/2009, ou se se manteria a TR até o trânsito em julgado do referido recurso.
Nesse particular, não me parece lícito que o Tribunal de Justiça possa querer modular os efeitos do julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal de modo a permitir a incidência do IPCA-E somente a partir de 20/9/2017, ou desde logo ordenar a aplicação do referido indexador retroativamente quando nenhum pronunciamento concreto foi dado pela citada Corte.
Sendo assim. e para evitar uma insegurança jurídica desnecessária neste momento, sem que se saiba se o STF irá ou não modular os efeitos do julgamento feito no RE 870.947 parece-me que seria aceitável considerar como possível que esta Câmara Cível continue a aplicar a TR como indexador da correção monetária até o trânsito em julgado do recurso extraordinário.
Outrossim, é cabível dizer que não há prejuízo para a parte credora, uma vez que eventual recurso especial ou recurso extraordinário que venha a interpor poderá ser objeto de juízo de retratação quanto à atualização monetária.
E, ainda, seria possível que, pendente o recurso especial ou o recurso extraordinário, o credor pudesse executar provisoriamente a parte incontroversa de seu crédito (a obrigação principal mais os encargos legais, aí incluída a TR), haja vista que o art. 520, caput, CPC, enfatiza que o cumprimento provisório da sentença impugnada por recurso sem efeito suspensivo será realizada da mesma forma que o cumprimento definitivo.
Assim, como o cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública não difere, na parte procedimental, do cumprimento de sentença tradicional – exceto pelo fato de que o pagamento deverá ocorrer por precatório ou por requisição de pequeno valor – é lícito que se postergue a discussão quanto ao que exceder da TR para um momento posterior.
Dentro dessa perspectiva, considero que a TR deva ser o indexador do crédito obtido pela parte autora no âmbito desta ação ordinária, enquanto não acontecer o trânsito em julgado do acórdão proferido no RE nº 870. Por certo, substituir a TR pelo IPCAE não seria uma medida prudente, se observado o que ocorreu na ADI nº 4.357.
É que, se a parte deseja receber o crédito corrigido pela TR e materializar-se o trânsito em julgado nesta causa que ora se julga, é certo que renunciou à possibilidade de impugnar o acórdão mediante recurso de natureza excepcional e de fazer a execução provisória da parte incontroversa.
Logo, os créditos pretéritos deverão ser corrigidos pela TR e os juros de mora serão os aplicáveis à caderneta de poupança.
Inverto os ônus da sucumbência e condeno o réu ao pagamento de custas e honorários advocatícios em percentual a ser fixado em liquidação de sentença nos termos do art. 85, § 4º, II, do CPC.
3 – Conclusão.
Fundado nessas considerações, dou provimento ao recurso para reformar a sentença e determinar o restabelecimento da pensão da autora equivalente a 33,39% dos rendimentos líquidos do autor e o pagamento das diferenças retroativas, observada a prescrição quinquenal.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Washington Ferreira e Geraldo Augusto.
Súmula – DERAM PROVIMENTO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG