JURISPRUDÊNCIA MINEIRA
JURISPRUDÊNCIA CÍVEL
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA – INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – RETIFICAÇÃO DE REGISTRO – EXAME DE DNA – FILHO MAIOR – FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA – DECADÊNCIA – PRESCRIÇÃO – NÃO OCORRÊNCIA – AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO IN CASU
– Inexiste no direito brasileiro a decadência ou mesmo a prescrição do direito ou da ação de filho objetivando reconhecer seu pai biológico, tendo em vista a teoria da imprescritibilidade da ação de estado.
– Somente através da prova científica "DNA" e da ação investigatória respectiva, o filho pode ter a certeza de quem é seu pai biológico.
Agravo de Instrumento Cível nº 1.0720.10.004253- 3/002 – Comarca de Visconde do Rio Branco – Agravante: A.C.C. – Agravado: V.H.S.V., representado pela mãe C.S.V. – Relator: Des. Belizário de Lacerda
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em rejeitar a preliminar e negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 26 de fevereiro de 2013. – Belizário de Lacerda – Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. BELIZÁRIO DE LACERDA – Cuida-se de agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo da decisão agravada de f. 16-TJ, na qual, nos autos da ação de reconhecimento de paternidade c/c pedido de alimentos, foi deferida a realização da prova pericial, com o exame de DNA do trio, devendo a coleta ser realizada na comarca de origem.
Foi indeferido o pedido de efeito suspensivo da decisão agravada de f. 16-TJ, visto entender irrelevante seu fundamento jurídico de pedir, haja vista que pouco importa que o agravante não tenha sido intimado para manifestar sobre o novo exame, pois o certo é que deste tomou ciência, contratou advogados e, segundo a solicitação de f. 119-TJ, a genitora do agravado pugna pela realização de novo exame de DNA, uma vez que discorda da colheita do material realizada pelo Laboratório Anaclin Ltda.
Foram requisitadas informações e intimados os advogados do agravado para resposta, tudo no prazo comum de 10 (dez) dias e em consonância com a norma contida no art. 527 do CPC.
Em seguida, foi aberta vista à douta Procuradoria-Geral de Justiça.
Requisitadas informações, o Magistrado a quo deixa de se manifestar, conforme faz certa a certidão de f. 136-TJ.
Intimado para resposta, o agravado, também, deixa de manifestar-se, conforme faz certa a certidão de f. 137-TJ.
Aberta vista à douta Procuradoria-Geral de Justiça, esta às f. 140/144-TJ apresenta judicioso parecer opinando para que ao recurso seja negado provimento.
Conheço do recurso, visto que satisfeitos seus requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.
Preliminar de cerceamento de defesa.
Não vejo como acolher a preliminar arguida, mormente com relação à designação de coleta da mucosa para o dia 30.07.2012, haja vista que referida data já foi ultrapassada, bem como para que seja realizada a prova pericial, sendo esta uma das condições para tal.
Portanto, rejeito a preliminar.
Do mérito.
Com o presente recurso, objetiva o agravante seja revogada a decisão agravada de f. 16-TJ, na qual, nos autos da ação de reconhecimento de paternidade c/c pedido de alimentos, foi deferida a realização da prova pericial, com o exame de DNA do trio, devendo a coleta ser realizada na comarca de origem.
Entendo não merecer reparos a decisão agravada, haja vista que a determinação para o prosseguimento do exame de DNA na ação de investigação de paternidade c/c pedido de alimentos se deu em razão de que se trata de origem de ancestralidade, ligado à dignidade da pessoa humana.
Todavia, quanto à decadência do direito, bem como sua prescrição, não vejo como acolher a súplica, já que o direito do filho no reconhecimento da paternidade não atinge a decadência do direito, nem mesmo pelo fato de não ter sido o agravante intimado para se manifestar sobre o novo exame de DNA, não ocorrendo a prescrição do direito de aquele saber a sua verdadeira origem biológica.
É sabido que o exame de DNA se revela como sendo a prova técnica que veio a trazer maior certeza aos julgados atinentes aos laços de parentesco, garantindo às partes envolvidas o alcance da verdade real, pois, antes de sua descoberta, competia ao juiz e às partes envolvidas se conformarem, apenas, com a verdade formal, dadas as conhecidas dificuldades de se comprovar a filiação por meio de testemunhas e/ou outros meios.
Assim, tenho que nada pode impedir a busca da verdade biológica, seja em caso de adoção, seja em caso de paternidade socioafetiva, pois o direito de conhecer a sua origem genética decorre do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Sobre o tema, quando do julgamento do Recurso Especial nº 833712/RS, a Ministra Nancy Andrighi, assim se manifestou:
“[…].
Caracteriza violação ao princípio da dignidade da pessoa humana cercear o direito de conhecimento da origem genética, respeitando-se, por conseguinte, a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica”.
Corroboram com esse sentido os ensinamentos do mestre Paulo Luiz Netto Lobo, in Direito ao estado de filiação e direito à origem genética.
“[…] O estado de filiação, que decorre da estabilidade dos laços afetivos construídos no cotidiano de pai e filho, constitui fundamento essencial da atribuição de paternidade ou maternidade. Nada tem a ver com o direito de cada pessoa ao conhecimento de sua origem genética. São duas situações distintas, tendo a primeira natureza de direito de família e a segunda de direito da personalidade. As normas de regência e os efeitos jurídicos não se confundem nem se interpenetram.
Para garantir a tutela do direito da personalidade, não há necessidade de investigar a paternidade. O objeto da tutela do direito ao conhecimento da origem genética é assegurar o direito da personalidade, na espécie direito à vida, pois os dados da ciência atual apontam para necessidade de cada indivíduo saber a história de saúde de seus parentes biológicos próximos para prevenção da própria vida. Não há necessidade de se atribuir a paternidade a alguém para se ter o direito da personalidade de conhecer, por exemplo, os ascendentes biológicos paternos do que foi gerado por doador anônimo de sêmen, ou do que foi adotado, ou do que foi concebido por inseminação artificial heteróloga. São exemplos como esses que demonstram o equívoco em que laboram decisões que confundem investigação da paternidade com direito à origem genética”.
Com relação ao exame de DNA, veja o seguinte trecho da doutrina de Caio Mário da Silva Pereira ao se referir à exatidão do exame de DNA:
"De posse do material das pessoas cujo relacionamento é pesquisado, o expert avalia o índice do pretenso pai convertido em uma ‘probabilidade de paternidade’ fundada nas condições específicas de cada caso. Realizados os testes do material colhido do filho, do pretenso pai e (quando possível) da mãe, o perito pode, num cálculo de probabilidade, chegar a um resultado matemático superior a 99,9999%, ou seja, afirmação absoluta" (Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, p. 205-206).
Vejam-se as seguintes ementas de acórdão deste egrégio Tribunal de Justiça:
“O exame de DNA revela-se como sendo a prova técnica que veio a trazer maior certeza aos julgados atinentes aos laços de parentesco, garantindo às partes envolvidas o alcance da verdade real, pois, antes de sua descoberta, competia ao juiz e às partes envolvidas se conformarem, apenas, com a verdade formal, dadas as conhecidas dificuldades de se comprovar a filiação por meio de testemunhas e/ou outros meios. – Não se justifica a realização de novo exame com apoio em meras conjecturas, notadamente quando a parte não apoia seu inconformismo em dados concretos” (Número do processo: 1.0525.08.149239-5/001(1) – Numeração única: 1492395-88.2008.8.13.0525 – Acórdão Indexado! Precisão: 59 – Relator: Des. Edivaldo George dos Santos – Data do julgamento: 26.07.2011 – Data da publicação: 19.08.2011). “Ementa: Ação de investigação de paternidade. Exame de DNA realizado com o investigado. Resultado negativo. Pedido de realização de novo exame. Possibilidade.
– Tratando a investigação de paternidade de questão relacionada diretamente à dignidade da pessoa humana e diante da relevância das razões recursais, justificável a realização que novo exame de DNA, no intuito de trazer segurança e tranquilidade a todos.
– Ademais, não haverá prejuízo à parte agravada, principalmente porque a agravante se dispôs a custear as despesas do novo exame.
– Recurso provido” (TJMG – Jurisprudência – Agravo de Instrumento Cível n° 1.0024.09.690184- 8/001 – Comarca de Belo Horizonte – Agravante: I.C.V.S., representado pela mãe J.C.V.S. – Agravado: J.L.G.G. – Relator: Des. Eduardo Andrade).
Inexiste no direito brasileiro a decadência ou mesmo a prescrição do direito ou ação do filho objetivando reconhecer seu pai biológico, tendo em vista a teoria da imprescritibilidade da ação de estado. Somente através da prova científica "DNA" e da ação investigatória respectiva, o filho pode ter a certeza de quem é seu pai biológico.
Por tais sucintos fundamentos é que não vejo razão plausível para socorrer a súplica, motivo pelo qual é que rejeito preliminar e ao agravo nego provimento.
DES. PEIXOTO HENRIQUES – De acordo com o Relator.
DES. OLIVEIRA FIRMO – Voto convergente.
1. Senhor Presidente, acompanho o Relator para dar provimento ao recurso, aduzindo apenas algumas considerações.
2. Na ação em que se investiga a paternidade, a indicação da pessoa que ocupará o polo passivo da lide pressupõe, em um contexto de normalidade, a convicção da parte requerente de que aquele seja de fato seu pai. E vem a juízo precisamente para transformar sua convicção em certeza jurídica, com foros de definitividade.
3. Dentro do espectro limitado de resultados (procedência, improcedência do pedido ou extinção do processo sem resolução de mérito), o desfecho da ação sempre será imprevisível, visto que dependente da atuação de cada parte na construção do provimento final. E isso porque incumbe ao Estado, que detém o monopólio da jurisdição, o dever de pacificação dos conflitos e de composição das lides de modo definitivo, segundo a técnica processual. Para o mister, cura ao Estado-juiz assegurar às partes que a lide será decidida no âmbito de um devido processo legal, garantindo-lhes o exercício da ampla defesa, em paridade de armas.
4. No caso, o agravado, representado por sua genitora, pleiteia a realização de novo exame pericial em razão da convicção de sua mãe de que o agravante é de fato seu pai, bem como porque são do conhecimento dela “algumas falhas em exames periciais com material colhido pelo laboratório Anaclin Ltda. e que, inclusive, tramita neste Juízo uma ação de indenização por danos morais, uma vez que apresentaram um resultado positivo para HIV, sendo que a paciente não possuía esta moléstia" (f. 119). O exame de DNA foi realizado no curso do processo, em contraditório, por órgão técnico de confiança do juízo, cuja nomeação as partes não impugnaram. A genitora do agravado declarou haver acompanhado e conferido os procedimentos de coleta de amostra (f. 107-TJ). Insatisfeita com o resultado, que excluiu a paternidade de A.C.C., com base em 8 (oito) incompatibilidades dos 15 (quinze) marcadores analisados (sendo suficientes quatro para excluir a paternidade), fundamenta o pedido de repetição do exame apenas em motivo de foro íntimo e sob a alegação das possíveis falhas no exame.
5. Com a devida vênia, toma ares de mero capricho a pretensão do agravado em repetir prova que lhe foi desfavorável, uma vez que se esteia exclusivamente em uma certeza que, de tão íntima, furta-se ao contraditório, e invoca o truísmo da falibilidade humana, dado inexorável da vida, de que decorre inclusive a álea presente em todo processo, levando muita vez a um resultado não necessariamente justo, mas desejável em atenção ao valor da segurança jurídica.
6. Contudo, embora não vislumbre qualquer vício na produção da prova que tornasse o laudo pericial imprestável ou inidôneo, tenho que o exame de DNA fora marcado para a data de 30.07.2012 (f. 19- TJ), o que por si só leva a admitir a possibilidade de já ter sido realizado, uma vez que estamos no final do mês de fevereiro do ano de 2013, ou seja, 7 (sete) meses depois da data marcada para realização do exame em questão, e o presente recurso foi recebido apenas no efeito devolutivo.
7. Dessarte, a reforma da decisão, a essa altura, só enseja indesejável tumulto processual, e, embora lamentando que se tenha de decidir em rendição à eloquência do fato consumado, acompanho o Relator para negar provimento ao recurso.
É o meu voto.
Súmula – REJEITAR PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG