JURISPRUDÊNCIA CÍVEL
AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – TESTAMENTO PÚBLICO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – DESPESA DO ESPÓLIO – PRECEDENTES DO STJ – QUITAÇÃO MEDIANTE TRANSFERÊNCIA DE BEM DEIXADO PELO DE CUJUS – POSSIBILIDADE – EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ PARA LEVANTAMENTO DE RECURSOS FINANCEIROS JUNTO À CEF – PROCURAÇÃO COM PODERES ESPECÍFICOS – EXISTÊNCIA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO
– No Superior Tribunal de Justiça, é pacífico o entendimento no sentido de que os honorários advocatícios de procurador que atuou nos autos do inventário constituem despesa do espólio e, portanto, devem ser pagos com os recursos deixados pelo de cujus.
– Havendo no testamento disposição no sentido de que, após o pagamento do montante destinado aos irmãos e sobrinho do falecido, seriam pagas as despesas do processo e, por fim, os recursos financeiros restantes serem destinados ao Estado da Cidade do Vaticano para fins de realização de obras de caridade, a despesa com pagamento de honorários não atingirá o quinhão dos primeiros beneficiários, embora se trate de despesa do espólio.
– Havendo contrato entre a agravante e o advogado que patrocinou a causa e tendo sido estabelecido que o pagamento dos honorários ocorreria mediante "dação em pagamento" com a entrega do veículo, não vejo razão para indeferir o pedido no sentido de que a transferência do bem se dê diretamente ao causídico, mormente porque, se o que desejou o falecido foi que seus recursos fossem destinados a obras de caridade, a liquidez do dinheiro possibilitará atender à sua vontade de forma mais rápida e, além disso, evitará toda a burocracia relacionada à transferência de bem móvel para organismo internacional.
– O pedido de expedição de alvará em nome do advogado para levantamento de recursos financeiros junto à Caixa Econômica Federal deve ser deferido, porquanto apresentada procuração com poderes específicos para esse fim.
Agravo de Instrumento Cível nº 1.0702.13.052073-8/001 – Comarca de Uberlândia – Agravante: Nunciatura Apostólica do Brasil – Agravado: Luiz Carlos Horta da Silva – Interessados: Espólio de Antônio Marcos Horta da Silva, representado pelo inventariante Luiz Carlos Horta da Silva, Sergio Augusto Horta da Silva – Relator: Des. Bitencourt Marcondes
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 6 de setembro de 2016. – Bitencourt Marcondes – Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
Des. Bitencourt Marcondes – Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de tutela de urgência, interposto por Nunciatura Apostólica do Brasil contra decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito Alaor de Melo Júnior, da 3ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Uberlândia, que nos autos da ação de inventário ajuizada por Luiz Carlos Horta Silva, indeferiu o pedido de expedição de alvará para o Detran/MG objetivando a transferência do veículo deixado pelo de cujus, diretamente para o advogado, como forma de pagamento dos honorários advocatícios contratuais.
Pugna pela reforma da decisão pelos seguintes argumentos: (i) a agravante firmou contrato de prestação de serviço com o advogado que subscreve o presente recurso, no qual ficou estabelecido que o pagamento seria efetuado mediante a transferência do veículo automotor deixado pelo de cujus; (ii) os honorários profissionais constituem despesa do espólio, e pelo fato de o falecido ter deixado bens suficientes para suprir as despesas com inventário, não há óbice que a transferência do veículo ocorra de forma direta para o nome do advogado contratado, "evitando, desta forma, que o veículo fosse submetido a registro no Ministério das Relações Exteriores (por se tratar de veículo que seria de Estado Estrangeiro), emplacado junto ao Detran-DF com registro diplomático e posteriormente transferido para a titularidade do advogado”. (f. 03-TJ); (iii) no testamento o de cujus especificou que, dos recursos legados à agravante se tirariam as despesas com inventário, razão pela qual não há que se falar em descuido em relação à última vontade do falecido; (iv) a agravante optou por efetuar o pagamento por meio de "dação em pagamento" para evitar as despesas decorrentes da transferência do veículo para organismo estrangeiro, bem como porque, para satisfazer a vontade do de cujus, que desejou a aplicação de seus recursos em obras de caridade, é melhor contar com a liquidez do dinheiro em espécie; (v) ao determinar o arquivamento dos autos, o magistrado a quo não se manifestou quanto ao pedido de expedição do alvará para levantamento dos recursos financeiros junto à Caixa Econômica Federal, conforme exaustivamente requerido nos autos.
Requer seja atribuído efeito suspensivo à decisão agravada e, no mérito, seja dado provimento ao presente recurso para determinar a expedição de alvará autorizando o Detran-MG a proceder a transferência do veículo diretamente para o advogado Samuel Vital Ferreira Júnior, bem como alvará para levantamento dos recursos junto a Caixa Econômica Federal.
Decisão que recebeu o recurso e atribuiu efeito suspensivo à decisão às f. 60/62-v – TJ.
Informações prestadas pelo magistrado a quo às f. 68-v./70-TJ.
Conheço o recurso, pois preenchidos os pressupostos de admissibilidade.
I – Do objeto do recurso.
Trata-se de ação de inventário proposta por Luiz Carlos Horta da Silva, irmão de Antônio Marcos Horta da Silva, falecido em 03.12.2012. O de cujus deixou testamento público, lavrado junto ao Primeiro Serviço Notarial da Comarca de Uberlândia-MG, dispondo da totalidade de seus bens em favor dos dois irmãos, um sobrinho e Estado da Cidade do Vaticano.
Ultimadas as providências do inventário, inclusive aquelas referentes ao pagamento dos tributos devidos, foi prolatada sentença homologatória que transitou livremente em julgado (f. 43 v. – TJ) e expedido o formal de partilha.
De posse do formal de partilha a agravante diligenciou junto ao Banco do Brasil e, segundo informa, sem maiores procedimentos burocráticos, a instituição efetuou a transferência dos recursos financeiros devidos, o que não aconteceu em relação à Caixa Econômica Federal, que não aceitou o formal de partilha como instrumento hábil para cumprir as disposições testamentárias, informando que, para tanto, seria necessário alvará judicial.
Assim sendo, a agravante requereu ao juízo do inventário que determinasse a expedição de referido documento e, ainda, que outro alvará fosse expedido autorizando o Detran/MG a proceder à transferência do veículo deixado pelo de cujus diretamente para o advogado contratado pelas partes, conforme estabelecido no contrato de prestação de serviço (f. 47/48-TJ).
O pedido foi indeferido, ensejando a interposição do presente recurso.
“Vistos,Indefiro o pedido de f. 138, referente à transferência da titularidade do veículo herdado pela Cidade Estado do Vaticano, através de testamento deixado pelo de cujus, uma vez que o advogado peticionário não foi beneficiário do testamento, devendo o mesmo cobrar os honorários advocatícios em via própria.
Intime-se.
Após, arquive-se os autos com a devida baixa.”
Inconformada a agravante pugna pela atribuição de efeito suspensivo à decisão e, no mérito, pela sua reforma, ao argumento de que "[…] atribuir formalismo excessivo diante de uma manifesta vontade da agravante no sentido de requerer a transferência do veículo diretamente para o advogado, como forma de pagamento de seus honorários, é ser mais realista do que o próprio rei […]" (f. 05-TJ).
Da análise dos documentos acostados aos autos, em especial das disposições testamentárias, verifico que o falecido Antônio Marcos Horta da Silva deixou R$20.000,00 (vinte mil reais) para cada um dos seus irmãos (Luiz Carlos Horta da Silva e Sérgio Augusto Horta da Silva) e a mesma quantia para o sobrinho Sérgio Augusto Horta da Silva Júnior. Além disso, dispôs que todos os seus bens, móveis e imóveis, bem como o restante dos seus recursos financeiros, fossem destinados para "o Estado da cidade do Vaticano, para que Sua Santidade o Papa o aplique em obras de caridade de sua escolha" (f. 21-TJ), após serem "[…] descontadas as despesas finais com a abertura deste testamento, Hospital/plano de saúde e funeral […]" (f. 22-TJ).
In casu, o que se discute é a possibilidade de o pagamento dos honorários advocatícios ser efetuado mediante a transferência de bem que o de cujus consignou expressamente que deveria ser destinado ao Estado da Cidade do Vaticano.
No Superior Tribunal de Justiça, é pacífico o entendimento no sentido de que os honorários advocatícios de procurador que atuou nos autos do inventário constituem despesa do espólio e, portanto, devem ser pagos com os recursos deixados pelo de cujus.
“Agravo em recurso especial. Espólio. Honorários advocatícios. Despesas do espólio. 1 – Os honorários advocatícios devidos ao advogado contratado pelo espólio e que efetivamente tenha atuado em sua defesa são computados como despesas do espólio. 2 – Agravo em recurso especial desprovido” (STJ – AREsp 494085. Rel. Ministro João Otávio de Noronha. DJ de 29.04.2016. Data da publicação 06.05.2016).
Desse modo, em que pese o fato de a despesa com o pagamento de honorários atingir a todos os interessados, porquanto conforme já consignado trata-se de custo do espólio, da análise conjunta das disposições testamentárias e do contrato de prestação de serviço, o valor destinado aos irmãos e sobrinho do falecido não sofrerá qualquer alteração em razão do deferimento do pedido, pois, após especificar o montante atribuído a cada um deles, o de cujus registrou que deveriam ser descontadas as despesas antes de transferir o restante dos recursos e bens para o Estado da Cidade do Vaticano.
Destarte, havendo contrato entre a agravante, beneficiária final do testamento, e o advogado que patrocinou a causa, e tendo sido estabelecido que o pagamento dos honorários ocorreria mediante "dação em pagamento" com a entrega do veículo, não vejo razão para indeferir o pedido no sentido de que a transferência do bem se dê diretamente ao causídico, mormente porque, se o que desejou o falecido foi que seus recursos fossem destinados a obras de caridade, a liquidez do dinheiro possibilitará atender à sua vontade de forma mais rápida e, além disso, evitará toda a burocracia relacionada à transferência de bem móvel para organismo internacional.
No que concerne ao pedido de expedição de alvará para levantamento dos recursos financeiros depositados junto à Caixa Econômica Federal, conforme se observa nas informações prestadas pelo magistrado a quo, o agravante providenciou a juntada da procuração que confere poderes específicos ao causídico, motivo pelo qual não há razão para seu indeferimento, tanto que o magistrado primevo, quando da apresentação das informações, consignou que, em razão do cumprimento da diligência, o pedido foi deferido.
II – Conclusão.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso, para determinar a expedição de alvará judicial que autorize o Detran/MG a efetuar a transferência do veículo Marca Kia, importado, Modelo Soul Ex. 1.6 FF MT, Ano de fabricação 2011, modelo 2012, chassi nº KNAJT814AC7735855, placa GZO-8971-MG, cor preta, Renavam nº 340330821, descrito no formal de partilha, diretamente para o advogado Samuel Vital Ferreira Júnior.
Custas na forma da lei.
É como voto.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Armando Freire e Alberto Vilas Boas.
Súmula – DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG