Jurisprudência mineira – Agravo de instrumento – Novos contornos da concepção de família, sob a égide da Constituição de 1988 – Paternidade socioafetiva – Direito de visitas

AGRAVO DE INSTRUMENTO – NOVOS CONTORNOS DA CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA, SOB A ÉGIDE DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 – PATERNIDADE SOCIOAFETIVA – DIREITO DE VISITAS – AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE DESABONEM A CONDUTA DO PAI – BEM-ESTAR DA CRIANÇA

– Após o advento da Constituição Federal de 1988, surgiu um novo paradigma para as entidades familiares, não existindo mais um conceito fechado de família, mas, sim, um conceito eudemonista socioafetivo, moldado pela afetividade e pelo projeto de felicidade de cada indivíduo. Assim, a nova roupagem assumida pela família liberta-se das amarras biológicas, transpondo-se para as relações de afeto, de amor e de companheirismo.
 
– A melhor doutrina e a atual jurisprudência, inclusive deste próprio Tribunal, estão assentadas no sentido de que, em se tratando de guarda de menor, "o bem-estar da criança e a sua segurança econômica e emocional devem ser a busca para a solução do litígio" (Agravo nº 234.555-1, acórdão unânime da 2ª Câmara Cível, TJMG, Relator Des. Francisco Figueiredo, pub. em 15.03.2002).
 
– Também, na regulamentação de visitas, deve ser considerado o bem-estar da criança, prevalecendo aquilo que vai incentivar seu desenvolvimento físico, social e psíquico da melhor maneira possível, garantindo, sempre, seus direitos e sua proteção. 
 
Recurso desprovido.
 
Agravo de Instrumento Cível nº 1.0115.12.001451-5/001 – Comarca de Campos Altos – Agravante: L.M.S.B. – Agravado: N.B.F.
 
– Relator: Des. Eduardo Andrade
 
ACÓRDÃO
 
Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
 
Belo Horizonte, 7 de maio de 2013. – Eduardo Andrade – Relator.
 
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
 
DES. EDUARDO ANDRADE – Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão de f. 78/850-TJ, que, nos autos de ação de regulamentação de visitas, regulamentou o direito de visitas do autor à filha menor, nos seguintes parâmetros: o autor tem consigo a criança em finais de semana alternados, que se iniciaram no dia 22.12.12, pegando-a na residência da requerida a partir das 9h de sábado e devolvendo-a até as 19h de domingo.
 
Irresignada, a agravante aduziu, em breve síntese, que o recorrido não é o pai biológico da criança e que não possui nenhum vínculo afetivo com a mesma. Sustentou que o exame de DNA corrobora essa alegação, bem como que agora a genitora da infante está residindo com o pai biológico da menor. Alegou que não existem, nos autos, elementos conclusivos de que existe vínculo afetivo e de que o objetivo do agravado é apenas tumultuar a vida amorosa da genitora. Pugnou pela concessão de efeito suspensivo e, no mérito, pelo provimento do recurso.
 
À f. 163-v.-TJ, foi indeferido o pedido de concessão de efeito suspensivo.
 
Regularmente intimado, o agravado apresentou resposta ao recurso, alegando, preliminarmente, o descumprimento do art. 526 do Código de Processo Civil e, no mérito, pugnando pelo desprovimento do recurso.
 
Remetidos os autos à douta Procuradoria-Geral de Justiça, o i. Representante do Ministério Público, Dr. Márcio Heli de Andrade, opinou pelo desprovimento do recurso (f. 162/166-TJ).
 
Da preliminar de descumprimento do art. 526.
 
O agravado, em sua contraminuta, alegou que a agravante não cumpriu o comando do art. 526 do CPC, pelo que não deveria ser admitido o recurso.
 
Com efeito, dispõe o art. 526 do CPC:
 
"Art. 526. O agravante, no prazo de três (3) dias, requererá juntada aos autos do processo de cópia da petição do agravo de instrumento e do comprovante de sua interposição, assim como a relação dos documentos que instruíram o recurso. Parágrafo único. O não cumprimento do disposto neste artigo, desde que arguido e provado pelo agravado, importa inadmissibilidade do agravo."
 
Contudo, como se observa, o agravado deixou de comprovar efetivamente o descumprimento do art. 526 do CPC, sendo certo que poderia tê-lo feito mediante a apresentação de simples certidão expedida pela Secretaria do Juízo onde tramita o processo.
 
Outro não é o entendimento do c. STJ, senão vejamos:
 
“Direito administrativo. Processual civil. Recurso especial. Servidor público. Art. 526 do CPC. Não- cumprimento. Arguição pelo agravado. Prazo das contra-razões ao agravo de instrumento. Preclusão. Ocorrência. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido. – 1. A falta de juntada aos autos principais, pelo agravante, de cópia da petição do agravo e do comprovante de sua interposição, assim como da relação dos documentos que instruíram o recurso, enseja o nãoconhecimento do agravo, nos termos do art. 526 do CPC. 2. O não-cumprimento, pelo agravante, da regra prevista no art. 526, caput, do CPC, deve ser arguido e provado pelo agravado em suas contra-razões, sob pena de preclusão, não sendo admitido o conhecimento da matéria de ofício. Precedentes. 3. Recurso especial conhecido e provido.” (Recurso Especial nº 805.553 – MG. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Pub. em 05.11.2007.)
 
Assim, na ausência de comprovação, rejeito a preliminar e, por conseguinte, conheço do recurso, uma vez presentes seus pressupostos de admissibilidade. 
 
Do mérito.
 
Da análise do presente instrumento, observo que a agravante almeja afastar a regulamentação do direito do agravado de visitar sua filha menor, por não ser o mesmo o pai biológico da criança, nem ter qualquer vínculo afetivo com a menor, que, atualmente, reside com seu genitor.
 
O agravado, por sua vez, alega que sempre teve consciência de que a infante não era sua filha biológica, mas, mesmo assim, resolveu registrá-la, em face do amor e do carinho que sente pela mesma. Deseja, assim, a regulamentação de visitas, com base em paternidade socioafetiva.
 
Pois bem.
 
Antes de tudo, importante observar que, em que pese não ser o agravante o pai biológico da menor, foi ele quem registrou a criança, consoante comprova certidão de nascimento à f. 33-TJ. 
 
Como é sabido, após o advento da Constituição Federal de 1988, surgiu um novo paradigma para as entidades familiares, não existindo mais um conceito fechado de família, mas, sim, um conceito eudemonista socioafetivo, moldado pela afetividade e pelo projeto de felicidade de cada indivíduo. Assim, a nova roupagem assumida pela família liberta-se das amarras biológicas, transpondo-se para as relações de afeto, de amor e de companheirismo.
 
O art. 1.593 do Código Civil, muito embora não disponha expressamente sobre a paternidade socioafetiva, reza que "o parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou outra origem". Nesse contexto, a interpretação extensiva e teleológica desse dispositivo legal é no sentido de que o parentesco pode derivar do laço de sangue, do vínculo adotivo ou de outra origem, como a relação socioafetiva.
 
A esse respeito, cumpre transcrever a lição de Luiz Edson Fachin:
 
"O contido no art. 1.593 permite, sem dúvida, a construção da paternidade socioafetiva ao referir-se a diversas origens de parentesco. Dele se infere que o parentesco pode derivar do laço de sangue, do vínculo adotivo ou de outra origem, como prevê expressamente. Não sendo a paternidade fundada na consaguinidade ou no parentesco civil, o legislador se referiu, por certo, à relação socioafetiva. É possível, então, agora, à luz dessa hermenêutica construtiva do Código Civil, sustentar que há, também, um nascimento socioafetivo, suscetível de fundar um assento e respectiva certidão de nascimento. Mesmo no reducionismo desatualizado do novo Código, é possível garimpar tal horizonte, que pode frutificar por meio de uma hermenêutica construtiva, sistemática e principiológica." (Boletim do Instituto Brasileiro de Direito de Família, n. 19, p. 3, mar./abr. 2003.)
 
Dessa forma, não obstante o exame de DNA ter tido resultado negativo, a doutrina e a jurisprudência não hesitam em permitir o acolhimento da paternidade socioafetiva.
 
Nesse sentido, ainda, o recente julgado do Superior Tribunal de Justiça:
 
“Direito de família. Ação negatória de paternidade. Exame de DNA negativo. Reconhecimento de paternidade socioafetiva. Improcedência do pedido. – 1. Em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva. 2. No caso, as instâncias ordinárias reconheceram a paternidade socioafetiva (ou a posse do estado de filiação), desde sempre existente entre o autor e as requeridas. Assim, se a declaração realizada pelo autor, por ocasião do registro, foi uma inverdade, no que concerne à origem genética, certamente não o foi no que toca ao desígnio de estabelecer com as então infantes vínculos afetivos próprios do estado de filho, verdade em si bastante à manutenção do registro de nascimento e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro. 3. Recurso especial não provido.” (REsp 1059214/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. em 16.02.2012, DJe de 12.03.2012.)
 
A propósito, peço vênia para transcrever as palavras do i. Procurador de Justiça, Dr. Márcio Heli de Andrade (f. 165-TJ): 
 
"Essa paternidade é aquela que se sobrepõe aos laços sanguíneos decorrentes das alterações familiares da atualidade: desconstituição das famílias, pai que não assume a paternidade, adoção, dentre outros. Na verdade, é aquela em que o pai não biológico passa a tratar a criança, no âmbito de uma família, como filha, criando-a e sendo responsável pela mesma".
 
Sendo assim, e considerando que houve o reconhecimento espontâneo de paternidade, será o agravado considerado pai e terá direito de visitar a filha, principalmente tendo em vista que os documentos trazidos aos autos não são capazes de afastar o vínculo afetivo entre ambos.
 
Dito isso, observo que, por diversas vezes, já me manifestei, em se tratando de guarda de menor e regulamentação de visitas, doutrina e jurisprudência, inclusive deste próprio Tribunal, são assentes no sentido de que "o bem-estar da criança e a sua segurança econômica e emocional devem ser a busca para a solução do litígio" (TJMG, Agravo nº 234.555-1, 2ª Câmara Cível, Relator Des. Francisco Figueiredo).
 
Convém assinalar que a regulamentação de visitas, em razão de sua própria natureza, por envolver direito familiar, sentimentos pessoais e, em especial, o interesse de menor, deve ser apreciada com extrema cautela, levando-se em consideração a realidade fática vivenciada pelo menor, objetivando o seu bem-estar e regular desenvolvimento físico e psicológico.
 
E, da análise cautelosa de todos os documentos que integram o presente instrumento, tenho que razão não assiste à agravante, data maxima venia.
 
Isso porque, vejo que inexiste, no caso em discussão, qualquer elemento contundente capaz de demonstrar que o agravante deva permanecer afastado do relacionamento com sua filha menor. Muito pelo contrário, conforme se evidencia das razões recursais e dos documentos que integram o presente recurso, há manifesta intenção do mesmo em contribuir para o desenvolvimento da criança.
 
Por isso, nesse momento, não vislumbro como deixar de regulamentar o direito do pai de permanecer com a filha e de buscar aprimorar os laços de afeto, carinhos e amor entre ambos.
 
Nesse cenário, privilegiando-se o bem-estar e o desenvolvimento da menor, que possui quase três anos de idade apenas, entendo por bem confirmar o direito de visitas tal como fixado pelo i. Juiz de primeiro grau.
 
Consigne-se, ainda, que esta decisão tem caráter provisório, podendo ser alterada no decorrer do processo principal, com base em maiores elementos elucidativos e também estudos sociais que podem ser realizados, caso sejam necessários. 
 
Com essas considerações, nego provimento ao recurso.
 
DES. GERALDO AUGUSTO – De acordo com o Relator.
 
DES.ª VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE – De acordo com o Relator.
Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG