APELAÇÃO – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE C/C ANULAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA – AQUISIÇÃO DE IMÓVEL SEM VAGA DE GARAGEM – ERRO – INEXISTÊNCIA
– Somente o erro essencial, devidamente comprovado, pode servir de fundamento para a anulação do negócio jurídico, principalmente em se tratando de direitos disponíveis e sendo os agentes pessoas maiores, capazes e em pleno uso de suas faculdades mentais, como é o caso.
– A mera insatisfação da autora com o negócio realizado não condiz com a alegação de vício de vontade, que exige, para sua confirmação e aptidão para ensejar alteração ou rescisão do negócio jurídico, prova robusta e convincente da sua ocorrência.
Apelação Cível nº 1.0024.12.302568-6/001 – Comarca de Belo Horizonte – Apelantes: Antônio Luiz dos Santos, Orlando Pereira da Silva e outro, Paulonício de Melo, Antônio Roberto Dias de Almeida, Geralda Valentim Lopes de Melo – Apelada: Milena Matozo Alvarenga – Relator: Des. Alberto Henrique
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em rejeitar a preliminar e dar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 21 de maio de 2015. – Alberto Henrique – Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. ALBERTO HENRIQUE – Cuida-se de recurso de apelação, interposto por Orlando Pereira da Silva e outros contra a sentença de f. 313/323, proferida nos autos da ação de reintegração de posse c/c ação de anulação de escritura pública de compra e venda ajuizada por Milena Matozo Alvarenga, perante a 12ª Vara Cível desta Capital, que julgou procedente os pedidos, determinando que os requeridos se abstenham de colocar os veículos na vaga 3 ou impedir a utilização da mesma pela autora, sob pena de pagamento de multa de R$1.000,00 por cada descumprimento; declarou nulas as alterações de números R- 4-116.323 e Av 5116.323 feitas na Matrícula 116.323 e retificações de instituição do condomínio e convenção de condomínio AV 8 Protocolo nº 364.309, de 05.07.2012, e AV 9.108.117 Protocolo nº 364.309, de 05.07.2012, efetuados na Matrícula 108.117 e determinar que os réus providenciem o cancelamento das mesmas, no prazo de 30 dias, sob pena de multa diária de R$100,00, limitada a R$10.000,00; condenou os réus ao pagamento das custas e honorários fixados em R$1.000,00 para cada um.
Embargos declaratórios interpostos às f. 324/326 e rejeitados à f. 327.
Inconformados, recorrem os réus (f. 328 e seguintes), afirmando que, no contrato de compra e venda assinado pela autora, consta expressamente que ela não teria direito à vaga de garagem.
Alegam que o apartamento foi anunciado por um preço inferior visto não possuir vaga de garagem.
Sustentam que a venda da garagem foi efetuada em consonância com os ditames legais.
Afirmam a necessidade de uma ordem judicial para o cancelamento dos registros imobiliários declarados nulos.
Arguem a ilegitimidade passiva do apelante Paulonício.
Argumentam que não cometeram esbulho, visto que a autora não possui direito à vaga de garagem.
Preparo regular à f. 341.
Sem contrarrazões.
É o relatório.
Conheço o recurso próprio e tempestivo.
Preliminar.
Ilegitimidade passiva. Réu Paulonício.
Arguem os apelantes a ilegitimidade passiva do réu Paulonício. Sem razão, todavia. A autora pretende a declaração de cancelamento do registro nº R-4116.323, referente ao contrato de compra e venda de vaga de garagem celebrado entre Orlando Pereira da Silva e outro e Paulonício de Melo e outra. Portanto, descabida a alegação de ilegitimidade passiva.
Visto isto, rejeito a preliminar.
Mérito.
No mérito, tenho que assiste razão aos apelantes.
Com efeito, tenho que não comprovou a apelada nenhum vício ou nulidade do contrato de compra e venda que pudesse levar à anulação da rerratificação das vagas de garagem.
Não houve prova, na espécie, do vício de consentimento a ponto de levar à anulabilidade, porque ausentes os requisitos do erro ao qual se reportou a autora.
O anúncio do apartamento era claro ao dispor sobre a inexistência de garagem (f. 207/208), esclarecendo, inclusive, que “o apartamento não tem vaga de garagem e nem estacionamento, o preço deste imóvel com garagem é de 290 mil, está sendo vendido por apenas 230 mil, grande oportunidade, […]”.
Da mesma forma, o contrato celebrado entre as partes (f. 21/25) é claro ao discorrer, em letras garrafais e em negrito, que o apartamento “não tem vaga de garagem” (f. 21), o que é novamente afirmado na cláusula 9.4 (f. 24).
Ora, não é crível supor que a autora, representante comercial e, portanto, experiente, assinou os documentos esperando que o contrato fosse posteriormente substituído com as alterações requeridas, principalmente a atinente à vaga de garagem.
O certo é que a autora não negou, em nenhum momento, as assinaturas lançadas no contrato. Em nenhum momento, comprovou que teria sido coagida a assinar aqueles documentos. Assim, não há falar em ilegalidade.
Ademais, necessário assinalar que são dois os defeitos que podem inquinar o ato negocial. Um atinge a própria manifestação da vontade e influi no momento em que se exterioriza a deliberação do agente, denominando-se "vício de consentimento". O outro afeta o ato negocial em si, salientando a desconformidade do resultado pretendido pelo agente com o ordenamento legal, sendo chamado "vício social".
Embora a doutrina faça essa distinção entre os tipos de vícios, o Código Civil regula-os de forma conjunta. Nos termos do art. 171, é anulável o negócio jurídico por incapacidade jurídica do agente, ou por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
Na hipótese em análise, alega a recorrida ter incidido em erro no momento da celebração do contrato, visto que acreditou que a promessa de compra e venda seria posteriormente substituída.
Sobre o "erro", vale trazer à baila o ensinamento de Caio Mário da Silva Pereira:
"O mais elementar dos vícios do consentimento é o erro. Quando o agente, por desconhecimento ou falso conhecimento das circunstâncias, age de um modo que não seria a sua vontade, se conhecesse a verdadeira situação, diz-se que procede em erro. Há, então, na base do negócio jurídico realizado, um estado psíquico decorrente da falsa percepção dos fatos, conduzindo a uma declaração de vontade desconforme seus verdadeiros pressupostos fáticos. Importa na falta de concordância entre a vontade real e a vontade declarada. […] Para que torne defeituoso o ato negocial, e, pois anulável, o erro há de ser, primeiro, a sua causa determinante e, segundo, alcançar a declaração de vontade na sua substância, e não em pontos acidentais (Código Civil, art. 138). É o que se denomina erro essencial ou substancial (definido pelo art. 139), em contraposição ao erro acidental" (Instituições de direito civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, p. 517;519).
Portanto, somente o erro essencial, devidamente comprovado, pode servir de fundamento para a anulação do negócio jurídico, principalmente em se tratando de direitos disponíveis e sendo os agentes pessoas maiores, capazes e em pleno uso de suas faculdades mentais, como é o caso.
No entanto, não verifico tal erro na hipótese. Além disso, noto que, se houve o erro, ele foi determinante diante também da negligência da autora ao não exigir as alterações no contrato antes de assiná-lo.
Dito isso, ao que parece, a autora assinou o contrato, sem a vaga de garagem, de forma livre e tinha pleno conhecimento de suas consequências.
A propósito:
“Ementa: Ação de rescisão contratual. Contrato de compra e venda de fundo de comércio. Alegação de erro por parte do comprador. Ausência de comprovação. Improcedência do pedido. – Nos termos do art. 171 do novo Código Civil, é anulável o negócio jurídico por incapacidade jurídica do agente, ou por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. Porém, somente o erro essencial, devidamente comprovado, pode servir de fundamento para a anulação do negócio jurídico, principalmente em se tratando de direitos disponíveis e sendo os agentes pessoas maiores, capazes e em pleno uso de suas faculdades mentais” (Apelação Cível n° 1.0518.06.101243-2/001 – Relator: Des. Duarte de Paula). A mera insatisfação da autora com o negócio realizado não condiz com a alegação de vício de vontade, que exige, para sua confirmação e aptidão para ensejar alteração ou rescisão do negócio jurídico, prova robusta e convincente da sua ocorrência.
A propósito:
“Ação ordinária – Nulidade – Negócio jurídico – Vício de consentimento não demonstrado – Nulidade afastada. – A teor do que determina o art. 333 do Digesto Instrumental Civil, imputa-se ao autor o dever de comprovar os fatos constitutivos de seu direito e ao réu a demonstração da existência de evento impeditivo, modificativo ou extintivo do direito autoral. – Não restando comprovadas as alegações apresentadas na exordial e constatando-se que o negócio jurídico realizado não foi eivado de vícios, não há que se falar em sua anulação” (Apelação Cível nº 2.0000.00.495481-0/000 – Relatora: Des.ª Teresa Cristina da Cunha Peixoto).
Com relação à necessidade de aquiescência da autora para realização da transferência da vaga de garagem, laborou em equívoco o MM. Juiz a quo.
O art. 1.331 do Código Civil atualmente vigente dispõe nos seguintes termos:
"Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.
§ 1º As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio".
Verifica-se, pois, que a lei permitia que as partes da propriedade condominial destinadas à utilização exclusiva fossem livremente alienadas e gravadas pelos proprietários, e, com muito mais razão, entre os próprios condôminos, razão pela qual prescindível a anuência dos demais condôminos, podendo tal ter sido concretizado mediante simples instrumento particular entre os proprietários.
Com tais considerações, rejeito a preliminar e dou provimento ao recurso para reformar integralmente a sentença e julgar improcedentes os pedidos iniciais. Inverto a sucumbência.
Custas recursais, pela apelada, observado o disposto na Lei 1.060/50.
DES. ROGÉRIO MEDEIROS – As particularidades do caso em debate me levam a acompanhar o judicioso voto do Des. Relator.
Registro que o contrato de promessa de compra e venda do imóvel, por duas vezes e, inclusive, com grafia em caixa alta, registrou que o imóvel estava sendo adquirido sem vaga de garagem. Tal situação foi verificada no abatimento do valor do bem.
Além disso, chamo atenção para a ausência de qualquer menção à malfadada vaga de garagem no laudo de vistoria do imóvel.
Outrossim, chamo a atenção para o fato inconteste de que a apelada alugava vaga de garagem no prédio e, também, friso que, a meu sentir, durante a instrução do feito, não foi produzida prova que pudesse atestar que a autora, representante comercial, foi levada a erro ao entabular o negócio jurídico. Ao contrário, na audiência, foi dispensada a produção da prova oral.
Ademais, segundo a convenção de condomínio, inexiste qualquer previsão quanto à inalienabilidade de vagas de estacionamento.
Por fim, registro que o culto Relator aplicou bem o direito à espécie quando entendeu pela redução do percentual da multa contratual que recaíra sobre a parte apelada.
Assim, acompanho na íntegra o voto do ilustre Relator.
DES. LUIZ CARLOS GOMES DA MATA – De acordo com o Relator.
Súmula – REJEITARAM A PRELIMINAR E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG