APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DIVÓRCIO – ACORDO ENTRE AS PARTES – HOMOLOGAÇÃO – GUARDA COMPARTILHADA – AUSÊNCIA DE BENEFÍCIO AOS INFANTES – ALIMENTOS – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA
– Em que pese a função jurisdicional do Ministério Público, entendo que, na hipótese em análise, o douto representante do Parquet pugnou pela fixação da guarda compartilhada sem qualquer indício nos autos acerca de eventual benefício aos infantes, ou mesmo da possibilidade da divisão da responsabilidade entre os pais, razão pela qual deve ser mantida a douta sentença de primeiro grau, que homologou o acordo firmado entre as partes, mantendo a guarda dos infantes com a genitora, sobretudo diante da fixação de um regime amplo de visitas.
– A genitora e representante legal dos menores, conforme determina o art. 8º do Código de Processo Civil, é a pessoa certa para delimitar os gastos dos infantes e saber o quantum oportuno e devido para a sua manutenção, uma vez que vivencia a real necessidade dos filhos na percepção dos alimentos, bem como tem ciência da situação financeira do genitor, inexistindo qualquer justificativa para a alteração do acordo firmado entre as partes e devidamente homologado pelo Juízo.
Recurso desprovido.
Apelação Cível nº 1.0396.12.002543-4/001 – Comarca de Mantena – Apelante: M.P.E.M.G. – Apelados: K.H.S.A., A.P.S. – Relatora: Des.ª Teresa Cristina da Cunha Peixoto
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 27 de fevereiro de 2014. – Teresa Cristina da Cunha Peixoto – Relatora.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES.ª TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO – Conheço do recurso, presentes os pressupostos de sua admissibilidade.Cuidam os autos de ação de divórcio litigioso ajuizada por K.H.S.A. em face de A.P.S., alegando a autora que se casou com o requerido em 7 de abril de 2001, advindo dessa união o nascimento de dois filhos, Y.H.S. e H.H.S., respectivamente, em 14 de setembro de 2001 e 13 de março de 2007; contudo, o casal encontrava-se separado de fato aproximadamente há 30 dias.
Afirmou que "os filhos menores do casal encontram-se residindo em companhia da requerente, a qual arca com todas as despesas referentes à mantença e subsistência destes" (f. 03), pretendendo a decretação do divórcio do casal, bem como a fixação de alimentos em favor dos filhos no valor equivalente a 40% do salário mínimo.
Em audiência realizada na Central de Conciliação, em 25 de julho de 2012, as partes solicitaram a conversão de divórcio litigioso para divórcio consensual, acordando que "o requerido pagará alimentos aos seus filhos Y.H.S. e H.H.S., no valor equivalente a 30% do salário mínimo", bem como que "a guarda dos filhos ficará com a requerente, podendo o requerido visitálos de forma livre"(f. 17).
A MM. Juíza de Direito da 2ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude da Comarca de Mantena homologou o acordo firmado pelas partes ao fundamento de que "as partes são maiores, capazes, estão devidamente representadas nos autos, e a manifestação de vontade foi externada de forma livre e consciente, sendo a homologação do acordo e a decretação do divórcio de rigor"(f. 22).
Inconformado, apelou o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (f. 25/35), aduzindo, em síntese, que "a guarda compartilhada, por atender ao princípio constitucional do melhor interesse da criança, deve ser tida como regra, cabendo ao juiz envidar todos os esforços para sua concretização, devendo, pois, evitar a mera homologação de acordo entre os pais, que, muitas vezes, são contrários ao interesse dos filhos" (f. 28), bem como que "a verba alimentar deve ser majorada para o valor de um salário mínimo, de forma que o trinômio (necessidade, possibilidade e proporcionalidade), que regula a fixação dos alimentos, seja respeitado" (f. 34), pugnando pelo provimento do recurso.
Sem contrarrazões.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais apresentou parecer às f. 43/48, opinando pelo desprovimento do recurso.
No que tange à guarda compartilhada, importante registrar que os arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil de 2002, alterados pela Lei nº 11.698/08, estabelecem:
“Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
§ 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) e por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
§ 2º A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores:
I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;
II – saúde e segurança;
III – educação.
§ 3º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos.
Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:
I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;
II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.
§ 1º Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.
§ 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.
§ 3º Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar.
§ 4º A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho.§ 5º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade”.
Dessarte, a guarda será unilateral, em regra, concedida a um dos genitores, com a supervisão daquele que não a detém, desde que demonstre melhores condições para exercê-la, assim considerando as aptidões para prover ao menor uma vida segura, saudável, afetuosa, com a devida assistência material, moral e educacional, havendo, de outro lado, a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres dos pais que não vivam sob o mesmo teto com a guarda compartilhada.
A respeito do assunto, leciona Dimas Messias de Carvalho:
“A guarda compartilhada tem demandado discussões sobre vantagens e prejuízos aos filhos, por quebrar as referências de continuidade do menor, cujos interesses devem se sobrepor aos dos pais. É inequívoco que a guarda compartilhada mantém e até estreita os vínculos de ambos os pais com os filhos, o que é benéfico, assumindo ambos, em igualdade, as responsabilidades de cuidados, criação e educação; entretanto, na maioria das vezes, é extremamente prejudicial à formação dos filhos, com disputas entre os pais, criação e valores diferentes de um e outro e quebras nos referenciais de continuidade. A jurisprudência tem decidido que, para o deferimento da guarda compartilhada, é imprescindível que exista entre os pais uma relação respeitosa e harmoniosa, sem conflitos ou disputas, agindo no melhor interesse do filho, permitindo-lhe desfrutar tanto da companhia paterna como da materna, num regime de visitação bastante amplo e flexível, mas sem que o filho perca seus referenciais de moradia. A forma ajustada pelos genitores deve ser harmônica no interesse do menor, e não na convivência de seus pais. Existindo litígio e disputas constantes entre os pais, a guarda compartilhada é descabida (Direito de família. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 217-218).
Portanto, para que seja determinada a guarda compartilhada, necessária a demonstração inequívoca dos benefícios a serem trazidos ao(s) infante(s), sendo imprescindível que a relação entre os pais seja respeitosa e harmoniosa.
No caso dos autos, o genitor nem sequer pretendeu a guarda compartilhada, inexistindo provas nos autos de que o cônjuge varão teria, ao menos, condições de cuidar dos infantes de forma mais expressiva sem prejuízo de seu labor, ao que se acresce o fato de que foi acordado um regime de visitação livre, o que se mostra bastante amplo e flexível, permitindo aos menores desfrutar tanto da companhia paterna como da materna, mas sem que percam seus referenciais de moradia, não se justificando a irresignação apresentada pelo douto representante do Ministério Público Estadual.
Assim, em que pese a função jurisdicional do Ministério Público, entendo que, na hipótese em análise, o douto representante do Parquet pugnou pela fixação da guarda compartilhada sem qualquer indício nos autos acerca de eventual benefício aos infantes, ou mesmo da possibilidade da divisão da responsabilidade entre os pais, razão pela qual deve ser mantida a douta sentença de primeiro grau, que homologou o acordo firmado entre as partes, como bem consignado pela Magistrada singular:
“No que tange à guarda dos filhos do casal, tenho que a guarda compartilhada sugerida pelo Ministério Público, apesar de consistir em abordagem nova, benéfica e que funciona muito bem para a maioria dos pais cooperativos e que conseguem isolar os filhos de seus conflitos, não deve ser adotada por casais amargos e que vivem em conflito constante, ante o risco de contaminar a educação dos filhos e trazer-lhes apenas resultados prejudiciais.
Nesse caso, sem conhecer a forma de convivência diária dos pais e destes com os filhos menores, não é recomendável o deferimento da guarda compartilhada, de dificílimo sucesso na sua aplicação prática e somente viável quando fruto do consenso. Neste sentido, somente se mostra exitosa se houver plena possibilidade de entendimento de pai e mãe, inexistente neste caso” (f. 22/23).
Nesse sentido:
“Separação judicial. Homologação de acordo. Guarda dos filhos. Concessão da guarda aos genitores em comum acordo. Recurso a que se nega provimento in specie. – A guarda de menor é direito que deve sempre estar condicionado ao seu próprio interesse, decorrendo como consequência natural do pátrio poder, e, excepcionalmente, de decisões judiciais conforme acordo entre as partes ou a situação fática. – Pactuada a guarda dos filhos pelo casal, a alteração em favor de um ou de outro somente deve ocorrer ante a existência de comprovação de motivos graves ou de conduta imprópria de um dos pais” (Apelação Cível 1.0396.12.003522-7/001, Relator: Des. Belizário de Lacerda, 7ª Câmara Cível, j. em 06.08.2013, p. em 09.08.2013).
Suscita, ainda, o Ministério Público a ocorrência de prejuízo aos menores com a realização do acordo para fixação dos alimentos no importe de 30% do salário mínimo.
No caso em exame, a meu ver, não há falar em prejuízo aos infantes em razão do acordo, devendo ser observado o princípio da eficiência à atividade jurisdicional, sobretudo diante da ausência de qualquer indício que demonstrasse a possibilidade de o genitor dos menores arcar com valor superior ao acordado.
Acrescenta-se que a genitora e representante legal dos menores, conforme determina o art. 8º do Código de Processo Civil é a pessoa certa para delimitar os gastos dos infantes e saber o quantum oportuno e devido para a sua manutenção, uma vez que vivencia a real necessidade dos filhos na percepção dos alimentos, bem como tem ciência da situação financeira do genitor, inexistindo qualquer justificativa para a alteração do acordo firmado entre as partes e devidamente homologado pelo juízo.Assim, não se verifica qualquer prejuízo às menores, sendo certo que, havendo modificação na fortuna do requerente ou na necessidade das crianças, pode ser ajuizada demanda revisional de alimentos.
Dessarte, compete ao Juiz na direção do processo velar pela rápida solução do litígio, tentando, a qualquer tempo, conciliar as partes, ao que se acrescenta prescrever o art. 269, inciso III, da Lei Processual, que será extinto o processo com resolução de mérito quando as partes transigirem, situação ocorrente e que não viola o direito das menores, que, repita-se, foram no ato, representadas por sua genitora e guardiã.
Fábio Gomes, ao comentar o referido artigo, preceitua:
“Ao homologar a transação entre as partes, o juiz atua na condição de terceiro imparcial em relação ao interesse sobre o qual recai a sua conduta, fazendo-o por dever de função, aplicando a lei ao caso concreto e tomando-a como limite de sua ação, atuação esta que caracteriza os dois pressupostos básicos da atividade jurisdicional” (Comentários ao Código de Processo Civil, arts. 243 a 269, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 3, Do processo de conhecimento, p. 373-375).
Com tais considerações, nego provimento ao recurso.
Custas recursais, ex lege.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Bitencourt Marcondes e Alyrio Ramos.
Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG