Jurisprudência mineira – Apelação cível – Ação declaratória de nulidade de promessa de compra e venda – Loteamento irregular de chácaras – Objeto ilícito – Contrato nulo

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA – LOTEAMENTO IRREGULAR DE CHÁCARAS – OBJETO ILÍCITO – CONTRATO NULO – IMPOSSIBILIDADE DE RETENÇÃO DE VALORES – RETORNO AO STATUS QUO ANTE


– Constitui elemento essencial de todo e qualquer contrato a licitude de seu objeto, cuja ausência impõe a declaração de nulidade do negócio jurídico, a teor do disposto no art. 166 do Código Civil.


– É nulo o contrato que viola norma cogente proibitiva.


– A declaração de nulidade impõe às partes o retorno ao status quo ante, sendo impossível reconhecer direito à retenção de quantias cujas atividades decorreram do ato nulo.


Apelação Cível nº 1.0569.14.003032-5/001 – Comarca de Sacramento – Apelante: Janete Rosa de Santi – Apelados: Guilherme de Ávila Fonseca e outro, Gustavo Palhares Katayama – Relator: Des. Roberto Soares de Vasconcellos Paes 


ACÓRDÃO


Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em suscitar, de ofício, e acolher a preliminar de não conhecimento parcial do recurso e, na parte conhecida, negar provimento ao apelo.


Belo Horizonte, 10 de agosto de 2017. – Roberto Soares de Vasconcellos Paes – Relator.


NOTAS TAQUIGRÁFICAS


DES. ROBERTO SOARES DE VASCONCELLOS PAES – Janete Rosa de Santi interpôs apelação contra a r. sentença de f. 207/208, que, em ação declaratória de nulidade c/ pedido alternativo de rescisão contratual c/c indenização por danos materiais proposta por Guilherme de Ávila Fonseca e Gustavo Palhares Katayama, julgou procedente o pedido inicial, para declarar nulos os contratos particulares de promessa de compra e venda de imóveis rurais, com a restituição dos valores pagos, e impôs à ré, ora apelante, as custas processuais e os honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, com suspensão da exigibilidade do pagamento em razão da assistência judiciária concedida.


Nas razões recursais de f. 210/224, a apelante sustenta o desacerto da sentença, afirmando que os ora recorridos não foram ludibriados em nenhum momento, que sempre souberam que o loteamento ainda seria regularizado; e, mesmo assim, se interessaram pelo negócio.


Assevera que a aquisição se deu por interposta pessoa, o seu antigo “parceiro”, que, após vender as chácaras, deixou a cidade sem cumprir as responsabilidades que assumiu.


Aduz que, de boa-fé, autorizou as alienações, acreditando que o loteamento viria a ser regular, o que ainda não ocorreu por razões alheias à sua vontade.


Defende que não há, no contrato firmado, nenhum prazo para a conclusão do projeto, nem para a escrituração do imóvel e, por isso, não estaria em mora.


Argumenta que os apelados adquiriram uma parte ideal do imóvel rural, não havendo nenhuma ilicitude no objeto do contrato, sendo certo que a irregularidade do empreendimento não é suficiente para torná-lo inválido.


Salienta que, em 23/6/2015, a Câmara Municipal de Sacramento aprovou a Lei nº 1.423, que “transforma a propriedade da recorrente em área urbana, possibilitando, desse modo, a regularização imobiliária” (f. 222).


Pondera que deve ser observada a força obrigatória dos contratos, haja vista que os recorridos são pessoas esclarecidas e conheciam todas as nuances do negócio antes da sua efetivação.


Destaca que, não havendo ilicitude na contratação, o pacto deve ser preservado.


Ao final, requer o conhecimento do apelo e que a ele seja dado provimento, a fim de que sejam acolhidas as preliminares arguidas na defesa ou, no mérito, a r. sentença seja reformada, para julgar improcedente o pedido da inicial ou, subsidiariamente, para que seja reconhecido o direito a abatimento/retenção de valores pagos por despesas administrativas, comissão da corretora e taxa de ocupação.


Devidamente intimados, os apelados apresentaram as contrarrazões de f. 225/235, nas quais se manifestaram em óbvia contrariedade.


É o relatório.


Decido.


I – Juízo de admissibilidade/ preliminar de não conhecimento de parte do recurso:


Inicialmente, registro que, para a admissibilidade do presente recurso, deve ser observado o regramento contido no novo Código de Processo Civil, tendo em vista a data da publicação da decisão motivadora da sua interposição e a regra constante do art. 14 da Lei nº 13.105/2015:


“Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”.


Nesse sentido é o Enunciado nº 54, divulgado pela 2ª Vice-Presidência deste col. Tribunal de Justiça:


“54. A legislação processual que rege os recursos é aquela da data da publicação da decisão judicial, assim considerada sua publicação em cartório, secretaria ou inserção nos autos eletrônicos”.


Feitas tais considerações, em juízo de admissibilidade, suscito, de ofício, a preliminar de inadmissibilidade parcial da presente apelação, pelas razões que se seguem.


No pedido final, constante das razões recursais, a apelante pleiteia que sejam acolhidas as preliminares arguidas na defesa. 


Ocorre que, além de não fazer nenhuma menção ao tema nas razões do apelo, as preliminares arguidas na contestação foram rejeitadas pela decisão interlocutória de f. 168, contra a qual não foi interposto recurso.


Tais questões foram alcançadas pela preclusão, nos termos dos arts. 223 e 507 do CPC/2015, por se referirem à matéria objeto de decisão não impugnada oportunamente:


“Art. 223. Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa.


[…]


Art. 507. É vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão”. A esse respeito, é esclarecedora a lição de Humberto Theodoro Júnior:


“O processo deve ser decidido numa série de fases ou momentos, formando compartimentos estanques, entre os quais se reparte o exercício das atividades tanto das partes como do juiz. Dessa forma, cada fase prepara a seguinte e, uma vez passada à posterior, não mais é dado retornar à anterior. Assim, o processo caminha sempre para a frente, rumo à solução de mérito, sem dar ensejo a manobras de má-fé de litigantes inescrupulosos ou maliciosos. Pelo princípio da eventualidade ou da preclusão, cada faculdade processual deve ser exercitada dentro da fase processual adequada, sob pena de se perder a oportunidade de praticar o ato respectivo. Assim, a preclusão consiste na perda da faculdade de praticar um ato processual, quer porque já foi exercitada a faculdade processual, no momento adequado, quer porque a parte deixou escoar a fase processual própria, sem fazer uso de seu direito” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 1, p. 44).


Assim, não tendo a apelante se insurgido contra a decisão interlocutória de f. 168, as preliminares não podem ser objeto de análise nesta instância recursal, por meio do presente apelo.


Isso posto, acolho a preliminar, suscitada de ofício, de não conhecimento parcial do recurso.


Lado outro, e salientando que a parte apelante litiga sob o pálio da assistência judiciária (f. 187), conheço da matéria recursal remanescente.


II – Mérito.


Extrai-se dos autos que Guilherme de Ávila Fonseca e Gustavo Palhares Katayama moveram a presente ação contra Janete Rosa de Santi, visando à declaração de nulidade de quatro contratos particulares de promessa de compra e venda de imóveis rurais.


Na inicial, os autores narraram que se interessaram pela aquisição de lotes que a ré, como proprietária da Fazenda Mumbuca, lançou no mercado imobiliário, dando-lhes o nome de “Condomínio Chácara Pedro de Santi”. Afirmaram que, em 12/1/2012, concluíram a compra de quatro chácaras, pelas quais pagaram R$120.000,00 (cento e vinte mil reais) ao todo. Ressaltaram que a vendedora se comprometeu a realizar as obras de infraestrutura do “condomínio”. Sustentaram que, após a quitação da quantia avençada, se viram impedidos, pelo Tabelião do Cartório de Notas, de escriturarem as chácaras adquiridas, sob o fundamento de que a área era inferior à fração mínima de parcelamento do solo da região, o que foi confirmado no Cartório de Registro de Imóveis. Aduziram que diligenciaram perante a Prefeitura e obtiveram informações de que o imóvel, onde se pretendia instalar o loteamento, fica na área rural do Município, na qual deve ser observado o módulo rural mínimo para o parcelamento do solo, o que impossibilitou a sua aprovação. Defenderam a ilicitude do objeto do contrato e, consequentemente, a nulidade do pacto, uma vez que o Estatuto da Terra veda a divisão de propriedade em dimensão inferior ao módulo rural. Ponderaram que, além disso, o loteamento não se encontra registrado na matrícula originária, violando o art. 37 da Lei nº 6.766/79. Em eventualidade, pleitearam a rescisão das promessas de compra e venda, com a restituição dos valores pagos, na medida em que, mesmo após quase três anos, não há indícios de início das obras prometidas.


Na contestação, a demandada, ora apelante, se defendeu, afirmando que herdou a “Fazenda Mumbuca” de seus pais e, por inexperiência, se associou ao Sr. Fidelcino Lacerda Filho, para que ele se encarregasse da instalação de loteamento e a alienação das chácaras. Narrou que, sem cumprir o combinado e após vender várias áreas, o Sr. Fidelcino “fugiu em flagrante crime de estelionato” (f. 98), sem pagar o percentual de 50% que lhe cabia. Acrescentou que todas as tratativas dos autores se deram, exclusivamente, com o Sr. Fidelcino, razão pela qual pretendeu a denunciação da lide a ele e o reconhecimento de sua ilegitimidade passiva. Asseverou que o mencionado “parceiro” foi quem vendeu todos os imóveis, sendo certo que a requerida não pode ser obrigada a restituir o que não alienou. No mérito, ponderou que os requerentes sempre tiveram ciência de que as glebas de terras adquiridas eram frações ideais e não terrenos individualizados, bem como que o tamanho e a localização não permitiriam o desmembramento imediato. Afirmou que eles se interessaram pela oferta porque R$30.000,00 (trinta mil reais) para a aquisição de uma área de mil metros quadrados representariam um “negócio de ocasião” e lhes propiciariam grandes lucros no mercado imobiliário. Por essa mesma razão, salientou que a pretensão de nulidade do negócio significaria proveito da própria torpeza. Defendeu que, à época da venda, todos os envolvidos acreditavam na possibilidade de escrituração das aquisições, tanto que alguns compradores conseguiram registrar as suas frações ideais, conforme se extrai da cópia da matrícula da fazenda, o que só passou a ser impedido pelo oficial do cartório após ele suspeitar da formação de loteamento irregular. Imputou a culpa de todo o ocorrido ao Sr. Fidelcino, que, na ânsia pelo lucro, “fez qualquer negócio” (f. 105). Alegou também ser vítima do acontecimento, mas destacou que estaria tomando todas as providências para regularizar a situação. Afirmou ter aberto as ruas, demarcado os lotes, pedido as licenças ambientais e a instalação de luz, agindo sempre de boa-fé e acreditando na legalidade do empreendimento. Destacou que havia uma lei em tramitação, na Câmara de Vereadores, para que a área da fazenda fosse considerada de expansão urbana, o que possibilitaria a concretização do loteamento. Requereu a improcedência dos pedidos iniciais ou, subsidiariamente, para que, em caso de rescisão e devolução dos valores pagos, fosse retido um montante referente às despesas administrativas, comissão de corretagem e taxa pela ocupação do imóvel.


Às f. 149/167, os autores impugnaram a contestação, defendendo a sua intempestividade e ressaltando que o Sr. Fidelcino sempre agiu em nome da ré, amparado por uma procuração.


Pela decisão de f. 168, o MM. Juiz rejeitou as preliminares de ilegitimidade da ré e de intempestividade da peça defensiva, bem como indeferiu o pedido de denunciação da lide.


Realizada audiência, em 2/9/2015, não houve conciliação, e uma testemunha foi ouvida (f. 189/190). 


Ato seguinte, ambas as partes apresentaram as suas alegações finais (f. 195/202 e 203/206), e os autos foram conclusos para a prolação da sentença.


Na sentença, com base no disposto no art. 37 da Lei nº 6.766/79, o i. Magistrado reconheceu a nulidade dos contratos, em razão da ilicitude do objeto, e determinou o retorno das partes ao status quo ante, julgando procedente o pedido inicial.


A partir dos fatos colhidos durante a instrução processual, tenho que a sentença não merece nenhum reparo.


Isso porque não se pode descurar da ilicitude do objeto do aludido negócio.


É que, conforme a narração dos fatos e os documentos apresentados nos autos, a apelante, visando à instalação de um loteamento, teria se associado, livremente, ao Sr. Fidelcino Lacerda Filho, outorgando-lhe a procuração apresentada às f. 118/120 e autorizando-o a vender vários lotes do “projeto de loteamento rural Chácaras Pedro de Santi”, mesmo antes de tomar as providências necessárias ao parcelamento do solo.


Conforme constou expressamente do § 2º da Cláusula Décima Primeira, nos quatro contratos (f. 32, 37, 43 e 49), o projeto do “Condomínio de Chácaras” era rural.


Nos termos do Estatuto da Terra, Lei nº 4.504/64, art. 65, “o imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural”.


A Lei nº 5.868, em seu art. 8º, dispõe sobre os critérios para a fixação do módulo rural, bem como sobre a nulidade das escrituras eventualmente lavradas sem a observância desses critérios:


“Art. 8º Para fins de transmissão, a qualquer título, na forma do Art. 65 da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento fixado no § 1º deste artigo, prevalecendo a de menor área. 


§ 1º A fração mínima de parcelamento será:


a) o módulo correspondente à exploração hortigranjeira das respectivas zonas típicas, para os Municípios das capitais dos Estados;


b) o módulo correspondente às culturas permanentes para os demais Municípios situados nas zonas típicas A, B e C; 


c) o módulo correspondente à pecuária para os demais Municípios situados na zona típica D.


§ 2º Em Instrução Especial aprovada pelo Ministro da Agricultura, o INCRA poderá estender a outros Municípios, no todo ou em parte, cujas condições demográficas e socioeconômicas o aconselhem, a fração mínima de parcelamento prevista para as capitais dos Estados.


§ 3º São considerados nulos e de nenhum efeito quaisquer atos que infrinjam o disposto neste artigo, não podendo os serviços notariais lavrar escrituras dessas áreas, nem ser tais atos registrados nos Registros de Imóveis, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal de seus titulares ou prepostos.


§ 4º O disposto neste artigo não se aplica:


I – aos casos em que a alienação da área destine-se comprovadamente a sua anexação ao prédio rústico, confrontante, desde que o imóvel do qual se desmembre permaneça com área igual ou superior à fração mínima do parcelamento;


II – à emissão de concessão de direito real de uso ou título de domínio em programas de regularização fundiária de interesse social em áreas rurais, incluindo-se as situadas na Amazônia Legal;


III – aos imóveis rurais cujos proprietários sejam enquadrados como agricultor familiar nos termos da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006; ou


IV – ao imóvel rural que tenha sido incorporado à zona urbana do Município”. (Destacamos.) 


De acordo com o Sistema Nacional de Cadastro Rural, a Fração Mínima de Parcelamento do solo rural no Município de Sacramento, onde se localiza o imóvel, é de dois hectares (http://www.incra.gov.br/sites/defaultapp/webroot/files/uploads/estruturafundiaria/regularizacao-fundiaria/indices-cadastrais/indices_basicos_2013_por_municipio.pdf), o que afastaria a possibilidade de criação de loteamento com chácaras de menos 1.000 (mil metros quadrados), como as vendidas para os autores (f. 29, 34, 40 e 46).


Portanto, à época da aquisição, 12/1/2012, os objetos dos contratos eram claramente ilícitos, por infringir a proibição posta no art. 65 da Lei nº 4.504/64.


Mas, ainda que se considerasse válida a alteração da destinação da “Fazenda Mumbuca”, pela “recém-aprovada” Lei Municipal nº 1.423/2015, o objeto continuaria sendo ilícito, porque, apesar da desobrigação de observância das disposições referentes aos imóveis rurais, na medida em que a mencionada legislação instituiu a área do imóvel como zona urbana, o seu art. 3º ressalvou que, “na eventual aprovação do parcelamento do solo da área urbana instituída e delimitada no art. 1º, serão observadas as disposições contidas em Lei Federal e no Plano Diretor do Município de Sacramento”.


Nesse contexto, a Lei nº 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, além de exigir toda uma infraestrutura básica que a apelante não comprovou ter instalado (art. 4º), obriga o loteador a apresentar um projeto à Prefeitura (art. 6º), que, após a aprovação (art. 12), deverá ser levado a registro (art. 18), para que, somente depois, os lotes possam ser comercializados, sendo que, durante a instrução processual, nada disso remanesceu demonstrado.


Ao revés: o único documento apresentado à Prefeitura de que se tem notícia ainda se reporta à impossibilidade de instalação do loteamento em razão de a área estar fora do perímetro de expansão urbana (f. 64 e 132).


Nessa esteira, nos termos do art. 37 Lei nº 6.766/79, temos que é “vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado”, o que é suficiente para a manutenção da ilicitude do contrato.


O Código Civil, ao tratar da validade e da invalidade dos negócios jurídicos, assim dispõe:


“Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:


I – agente capaz;


II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;


III – forma prescrita ou não defesa em lei.


[…]


Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:


I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;


II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;


III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;


IV – não revestir a forma prescrita em lei;


V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;


VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa;


VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção”. (Destacamos.)


A respeito do requisito constante do inciso II do art. 104, acima transcrito, colhe-se, da obra coletiva Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, a seguinte lição:


“[…] Para o exame da validade do negócio jurídico conjuga-se o sentido de objeto aos requisitos legais, quais sejam liceidade, possibilidade e determinabilidade. Como primeiro requisito tem-se a liceidade ou licitude, vale dizer, a conformidade de uma forma ampla com o ordenamento jurídico. Deste modo, não há que se diferenciar, no plano da validade, se a ilicitude é civil, penal ou de outra ordem, pois um negócio jurídico que tenha por objeto algo proibido em lei não terá validade. […]” (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. v. I, p. 219). 


(Destacamos.)


Mais adiante, na mesma obra, os doutrinadores abordam a causa de nulidade prevista no inciso VII do art. 166 do Código Civil: “Finalmente, nulo será o ato que a lei taxativamente assim o declarar – é a denominada nulidade textual, expressa ou cominada – ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção – é a nulidade virtual ou não cominada – decorrente da violação de norma jurídica cogente, que proíba ou que imponha determinada conduta humana, sendo omissa quanto à nulidade e não definindo outra espécie de sanção para a sua transgressão. […]” (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. v. I, p. 315). (Destacamos.)


Ainda, nos termos do art. 169 do Texto Codificado, o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.


Nesse sentido, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald lecionam:


“Como se trata de vício não convalidável, o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo (CC, art. 169). Percebe-se, assim, em que pesem antigas divergências doutrinárias, que o ato nulo não prescreve. […]


A nulidade de qualquer negócio será reconhecida através de decisão judicial meramente declaratória (limitando-se o magistrado a afirmar que não se produziu qualquer efeito, sendo desnecessário desconstituir qualquer situação) e, por conseguinte, imprescritível, produzindo efeitos ex tunc” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. 8. ed. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 534).


Assim, em razão das proibições legais mencionadas, independentemente da localização (urbana ou rural) onde se entenda que o solo a ser parcelado está inserido, a venda das chácaras, como feita na hipótese, é vedada pelo ordenamento jurídico e, por via de consequência, não poderia nem mesmo ser judicialmente convalidada, o que leva ao reconhecimento da nulidade absoluta dos contratos.


A jurisprudência não discrepa:


“Compromisso de venda e compra. Loteamento irregular. Ausência de registro. Impossibilidade. Contrato nulo. Objeto ilícito. Lei nº 6.766/79. Art. 166, inc. II, do CC/02. Retorno das partes ao estado anterior. Recurso provido. 1. A ré alienou lote de terra em loteamento irregular. Ausência de regularização perante a Municipalidade. Ausência de registro. Impossibilidade. Descumprimento da Lei nº 6.766/79, que contém norma cogente proibitiva (art. 37). 2. Compromisso de venda e compra. Nulidade. Objeto ilícito (art. 166, inc. II, do CC/02). Retorno das partes ao estado anterior. Devolução integral dos valores pagos. 3. Dano moral. Não caracterização. 5. Recurso provido em parte" (TJSP- Apelação Cível nº 0007131-89.2008.8.26.0634, Relator Des. Carlos Alberto Garbi, p. em 21/11/2014). (Destacamos.)


“Civil e processual civil. Apelação cível. Anulação de contrato de compra e venda. Bem localizado em condomínio irregular. Área pública. APA. Objeto ilícito. Decadência. Inocorrência. Art. 37 da Lei 6.766 /79. Vício insanável. Nulidade reconhecida. Retorno ao status quo ante. Restituição. Precedentes deste Tribunal de Justiça. Sentença mantida. 1. Em se tratando de vício do negócio jurídico no qual há ilicitude do objeto, este não está subordinado a prazo decadencial. Preliminar de decadência rejeitada. 2. De acordo com o art. 37 da Lei nº 6.766 /79, a venda ou promessa de venda de parcela de loteamento irregular torna o objeto do negócio ilícito, que, por sua vez, leva à nulidade absoluta do contrato por se tratar de vício insanável. 3.Na espécie, cuidando-se de parcelamento irregular, pois o lote encontra-se localizado em área pública de proteção ambiental, ilícito é o objeto do contrato, sendo nulo de pleno direito o negócio jurídico celebrado entre as partes, nos termos do art. 166, II, do Código Civil. E, diante da nulidade do negócio, impõe a restituição das partes ao status quo ante, com devolução de todas as parcelas pagas. Recurso conhecido. Prejudicial rejeitada. No mérito, recurso desprovido” (TJDFT- Apelação Cível nº 0040184-72.2013.8.07.0001, Relator Des. Alfeu Machado, p. em 22/10/2014). (Destacamos.)


“Civil. Contrato particular. Compromisso de compra e venda. Parcela de loteamento irregular. Afronta ao art. 37 da Lei nº 6.766/1979. Objeto ilícito. Nulidade do negócio jurídico. Retorno ao status quo ante. Indenização das benfeitorias úteis e necessárias. Consequência do reconhecimento da nulidade. 1. O contrato discutido nestes autos tem como objeto a compra e venda de parcela de loteamento irregular – Condomínio Residencial RK -, o qual contraria, expressamente, o disposto no art. 37 da Lei nº 6.766/1979. Ilícito, portanto, o objeto do negócio jurídico. 2. A validade do negócio jurídico requer objeto lícito, o que, no caso em exame, não se verifica, razão pela qual forçoso reconhecer a nulidade do contrato, na melhor exegese do art. 166, inciso II, do Código Civil de 2002. 3. Uma vez declarada a nulidade do negócio, impõe-se o retorno das partes ao status quo ante, inclusive com a indenização das benfeitorias úteis e necessárias e o levantamento das benfeitorias voluptuárias. Precedentes jurisprudenciais” (TJDFT- Apelação Cível nº 0114700-15.2003.807.0001, Relator Des. Flávio Rostirola, p. em 30/6/2010). (Destacamos.)


Anoto que, ainda que se considerasse que os recorridos não desconheciam a irregularidade do pretenso loteamento, como alega a recorrente, tal fato não teria o condão de superar o vício absoluto do negócio jurídico, em razão da ilicitude do objeto. Ademais, não há como acolher a defesa da apelante, no sentido de que os objetos dos contratos não seriam as chácaras de forma individualizada, mas, sim, uma mera fração ideal da Fazenda Mumbuca, haja vista a expressa e detalhada indicação constante dos pactos:


“Parágrafo Primeiro: Que a fração acima citada representa a ‘Chácara nº 84’, localizada na quadra ‘k’, da planta topográfica do projeto do ‘Condomínio Chácara Pedro de Santi’, que contém a área de novecentos e oitenta e dois metros quadrados e trinta centímetros (982,30m²), medindo 19,94 metros de frente, por 51,97 metros na lateral direita, por 50,0 metros na lateral esquerda e 19,33 metros de fundo” (sic- f. 29). (Destacamos.)


“Parágrafo Primeiro: Que a fração acima citada representa a ‘Chácara nº 104’, localizada na quadra ‘M’, da planta topográfica do projeto do ‘Condomínio Chácara Pedro de Santi’, que contém a área de oitocentos e noventa e cinco metros quadrados e noventa centímetros (895,90m²), medindo 18,20 metros de frente, por 51,6 metros na lateral direita, por 49,92 metros na lateral esquerda e 17,47 metros de fundo” (sic- f. 34). (Destacamos.) 


“Parágrafo Primeiro: Que a fração acima citada representa a ‘Chácara nº 118’, localizada na quadra ‘P’, da planta topográfica do projeto do ‘Condomínio Chácara Pedro de Santi’, que contém a área de novecentos e quarenta e um metros quadrados e quarenta e três centímetros (941,43m²), medindo 21,26 metros de frente, por 50,0 metros na lateral direita, por 50,0 metros na lateral esquerda e 16,86 metros de fundo” (sic – f. 440). (Destacamos.)


“Parágrafo Primeiro: Que a fração acima citada representa a ‘Chácara nº 119’, localizada na quadra ‘P’, da planta topográfica do projeto do ‘Condomínio Chácara Pedro de Santi’, que contém a área de novecentos e quarenta e cinco metros quadrados e sete centímetros (945,07m²), medindo 19,19 metros de frente, por 50,0 metros na lateral direita, por 50,0 metros na lateral esquerda e 19,23 metros de fundo” (sic – f. 46). (Destacamos.)


Tais elementos que indicam a completa individualização são corroborados pelo depoimento da testemunha não contraditada e compromissada, José Renato Bosquei, aposentado, que afirmou também ter comprado um dos “lotes”, que esse estava devidamente demarcado e constava do mapa de venda (f. 190).


Outrossim, anoto que os pedidos de licenciamento ambiental e instalação de energia elétrica (f. 129/130 e 134/137), bem como a suposta abertura de ruas não são suficientes para que o parcelamento do solo seja considerado regular, porque, como já declinado, muitas outras medidas são necessárias; e, ainda que assim não fosse, tudo deve ser providenciado antes da colocação dos imóveis no comércio.


Sobre os atos que a apelante imputa ao Sr. Fidelcino Lacerda Filho, é de se ressaltar que a própria recorrente confessa que lhe outorgou uma procuração para que ele procedesse à negociação das chácaras (f. 97). Sobre a responsabilidade do outorgante pelos atos do outorgado perante terceiros, Caio Mário da Silva Pereira ressalta:


“O mandatário, embora emita a declaração de vontade, o faz em nome e no interesse do mandante, em que persiste a titularidade dos direitos e obrigações. Como resultado, obriga-se o mandante, cujo principal e mais importante dever é responder perante o terceiro, com o seu patrimônio, pelos efeitos da declaração de vontade emitida pelo representante, e cumprindo as obrigações assumidas dentro dos poderes outorgados” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense: 2007. v. III, p. 410).


Analisando o instrumento juntado às f. 118/120, é de se salientar que a apelante autorizou o Sr. Fidelcino não só a cooptar compradores, como também a receber os pagamentos, tudo antes da regularização da área, razão pela qual a responsabilidade pela nulidade do contrato é integralmente sua, haja vista que a mera disponibilização para a venda, sem a observância de norma cogente, é suficiente para tornar os contratos nulos.


Noutro giro, quanto ao pedido subsidiário para o abatimento de valores a título de despesas administrativas, taxa de ocupação e comissão da corretora/imobiliária, melhor sorte não assiste à recorrente.


Isso porque, além não haver nenhuma prova de tais gastos, o reconhecimento da nulidade absoluta do contrato importa no retorno das partes ao status quo ante, impossibilitando a retenção de valores que decorreram do ato nulo:


“Agravo de instrumento. Ação anulatória de negócio jurídico. Sentença declaratória de nulidade. Cumprimento da sentença. Retorno das partes ao status quo ante. Necessidade. Recurso a que se nega provimento. Uma vez declarada a nulidade do negócio jurídico, faz-se indispensável ao julgador restabelecer as partes ao status quo ante, exatamente por ter reconhecido a causa de invalidade substancial do negócio” (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0672.06.203669-0/008, Relator Des. José de Carvalho Barbosa, 13ª Câmara Cível, j. em 19/11/2015, p. em 27/11/2015). (Destacamos.)


Portanto, subsistem os fundamentos e a conclusão da r. decisão de primeiro grau.


Com essas considerações, suscito, de ofício, e acolho a preliminar de não conhecimento parcial do recurso e, na parte conhecida, nego provimento ao apelo.


Custas e honorários, pela recorrente; e, com fulcro no art. 85, § 11, do CPC/2015, majoro os honorários advocatícios por ela devidos ao causídico dos autores para o patamar equivalente a 18% (dezoito por cento) sobre o valor atualizado da condenação, suspensa a exigibilidade em razão da concessão dos benefícios da assistência judiciária à f. 187.


Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Amauri Pinto Ferreira e Luciano Pinto.


Súmula – SUSCITARAM, DE OFÍCIO, E ACOLHERAM A PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO E, NA PARTE CONHECIDA, NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. 

 

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG