Jurisprudência mineira – Apelação Cível – Ação Ordinária – Escrevente juramentada – Regime Próprio de Previdência Social – Aposentadoria integral – Improcedência do pedido

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA – ESCREVENTE JURAMENTADA – REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL – APOSENTADORIA INTEGRAL – ART. 3º, V, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/02, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI COMPLEMENTAR Nº 70/03 – INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO


– Diante da declaração de inconstitucionalidade material do disposto no inciso V do art. 3º da Lei Complementar nº 64/02, introduzido pela Lei Complementar nº 70/03, por incompatibilidade com o art. 40 da Constituição da República de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/98, bem como com o art. 36 da Constituição Estadual, deve ser mantida a sentença de primeiro grau que julgou improcedente o pedido inicial.


Recurso desprovido.Apelação Cível/Reexame Necessário nº 1.0024.10.190766-5/001 – Comarca de Belo Horizonte – Remetente: Juiz de Direito da 2ª Vara da Fazenda da Comarca de Belo Horizonte – Apelante: Vânia Lúcia Cardoso – Apelado: Estado de Minas Gerais – Relatora: Des.ª Teresa Cristina da Cunha Peixoto


ACÓRDÃO


Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.


Belo Horizonte, 27 de fevereiro de 2014. – Teresa Cristina da Cunha Peixoto – Relatora.


NOTAS TAQUIGRÁFICAS


DES.ª TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO – Conheço do recurso, presentes os pressupostos de sua admissibilidade. Cuidam os autos de ação ordinária ajuizada por Vânia Lúcia Cardoso em face do Estado de Minas Gerais, alegando que trabalhou no Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis de Belo Horizonte desde 6 de dezembro de 1976, permanecendo até sua aposentadoria. Afirmou que, diante "da recalcitrância da Administração ao opor-se ao deferimento de seu pedido de aposentadoria integral, por meio de fundamentos contraditórios que vão de encontro com as declarações prestadas pela Chefe da Corregedoria Geral do Estado, onde esta declara que a autora realmente trabalhou de 1976 até 2008, só resta ingressar em juízo com a presente ação" (f. 03), pretendendo a procedência do pedido.


A MM. Juíza de primeiro grau, às f. 76/86, julgou improcedente o pedido inicial, ao fundamento de que "a autora não tem como ter seu direito reconhecido por duas razões: primeiro porque a LC 64/2002 padece do vício de inconstitucionalidade ao colocar num regime especial próprio dos servidores públicos ocupantes de cargos efetivos quem não ostenta tal condição. Segundo porque, ainda que autorizasse a esdrúxula vinculação, a requerente não fez qualquer prova de que contribuiu após a EC 20/98 para o sistema geral ou especial, a fim de totalizar os trinta anos necessários para sua aposentadoria integral" (f. 85).


Inconformada, apelou a autora (f. 87/91), aduzindo, em síntese, que "desde dezembro de 1998, data da EC-20, o Estado de Minas Gerais desconta do salário da autora contribuição apenas a título de saúde, não aceitando contribuições previdenciárias" (f. 90); contudo, possui tempo de serviço suficiente para aposentadoria, não podendo ser prejudicada por ausência de regulamentação estatal, pugnando pelo provimento do recurso. 


Não foram apresentadas contrarrazões (f. 92-verso).


No julgamento proferido em 7 de março de 2013, o processo foi suspenso, em razão do Incidente de Declaração de Inconstitucionalidade suscitado no processo nº 1.0024.09.579411-1/001.


Revelam os autos que Vânia Lúcia Cardoso em face do Estado de Minas Gerais, pretendendo "a condenação do réu a conceder à autora a aposentadoria integral, a partir de 10.06.2010, data da publicação da aposentadoria proporcional, a ser calculada com base no efetivo vencimento quando no exercício da função", f. 04, tendo a magistrada singular julgado improcedente o pedido inicial, o que motivou o presente recurso.


Adentrando ao mérito, inicialmente, salienta-se que dispõe o art. 236 da Constituição Federal de 1988 que:


“Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. § 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.


§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.


§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.” Contudo, estabeleceu o art. 32 do ADCT que "o disposto no art. 236 não se aplica aos serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo Poder Público, respeitando-se o direito de seus servidores". 


No caso em análise, a autora é escrevente juramentada do Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis, da Comarca de Belo Horizonte, desde o ano de 1975, conforme certidão de f. 45, não constando dos autos tenha optado pela contratação segundo a legislação trabalhista, conforme lhe foi facultado pelo art. 48 da Lei nº 8.935/1994, que dispõe:


“Art. 48. Os notários e os oficiais de registro poderão contratar, segundo a legislação trabalhista, seus atuais escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial desde que estes aceitem a transformação de seu regime jurídico, em opção expressa, no prazo improrrogável de trinta dias, contados da publicação desta lei. 


§ 1º Ocorrendo opção, o tempo de serviço prestado será integralmente considerado, para todos os efeitos de direito.


§ 2º Não ocorrendo opção, os escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial continuarão regidos pelas normas aplicáveis aos funcionários públicos ou pelas editadas pelo Tribunal de Justiça respectivo, vedadas novas admissões por qualquer desses regimes, a partir da publicação desta lei.”


Assim, não tendo a autora optado pela transformação de seu regime jurídico para celetista, na forma do caput do art. 48 da Lei nº 8.935/1994, aplicar-se-iam as normas do regime estatutário, na forma do § 2º do mesmo dispositivo legal, sendo o regime previdenciário da autora regido pelas normas aplicáveis aos funcionários públicos, uma vez que não existem regras específicas editadas pelo Tribunal de Justiça.


Ainda no tocante ao regime de previdência no âmbito do Estado de Minas Gerais, dispõe o art. 3º, inciso V, da Lei Complementar nº 64/2002 que são vinculados, compulsoriamente, ao Regime Próprio de Previdência Social, na qualidade de segurados, "o notário, o registrador, o escrevente e o auxiliar admitido até 18 de novembro de 1994 e não optante pela contratação segundo a legislação trabalhista, nos termos do art. 48 da Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994".


Nesse aspecto, o Decreto Estadual nº 45.172, de 14 de setembro de 2009, regulamentou o disposto nas Leis Complementares nº 64, de 25 de março de 2002, e nº 70, de 30 de julho de 2003, relativamente ao notário, o registrador, o escrevente e o auxiliar admitidos até 18 de novembro de 1994 e não optantes pela contratação segundo a legislação trabalhista, nos termos do art. 48 da Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, em conformidade com o disposto no art. 40 da Constituição da República, dispondo que:


“Art. 1º Os notários, registradores, escreventes e os auxiliares dos serviços notariais e de registro admitidos até 18 de novembro de 1994, não optantes pela contratação segundo a legislação trabalhista, nos termos do § 2º do art. 48 da Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, e que tenham cumprido todos os requisitos para usufruírem de benefícios previdenciários até 16 de dezembro de 1998, data de publicação da Emenda à Constituição da República nº 20, são vinculados compulsoriamente ao Regime Próprio de Previdência e Assistência Social.


Parágrafo único O serventuário já aposentado pelo Tesouro Estadual, bem como o que vier a se aposentar nos termos do caput contribuirá com a alíquota de 11% (onze por cento) incidente sobre a parcela de seu provento que ultrapassar o limite de contribuição estabelecido para o Regime Geral de Previdência Social.


Art. 2º O cômputo do tempo de serviço para fins de aposentadoria no regime próprio de previdência estadual de que trata o art. 1º não pode ultrapassar 16 de dezembro de 1998.


Art. 3º Os escreventes e auxiliares dos serviços notariais e de registro não alcançados por este Decreto são segurados obrigatórios do Regime Geral de Previdência Social.”


Destarte, in casu, a autora não implementou o tempo necessário de serviço para aposentadoria pelo Regime Próprio de Previdência Social até a entrada em vigor da Emenda à Constituição da República nº 20, de 16 de dezembro de 1998, não se enquadrando na hipótese estabelecida pelo art. 1º do Decreto Estadual nº 45.172/09.


Com efeito, o Secretário de Estado de Governo concedeu a aposentadoria, a pedido, à autora, em 10 de junho de 2010 (f. 47), pelo Regime Próprio de Previdência Social, com o cômputo do tempo de serviço prestado até a data de 16 de dezembro de 1998.


Pretendeu a apelante o recebimento da aposentadoria integral, afirmando que "o indeferimento ao pedido de aposentadoria da autora se deu única e exclusivamente pelo fato do réu ter se omitindo a legislar no sentido de regulamentar a aposentadoria dos servidores do foro extrajudicial" (f. 90) e que "o que deve ser levado em consideração é que a autora possui tempo de sobra para se aposentar e sempre teve descontos do seu salário a título de previdência (até 1998) e saúde, não podendo ser prejudicado o seu direito constitucionalmente garantido (Art. 40, da CF/88), por uma irresponsabilidade estatal" (f. 91).


Nesse aspecto, cumpre salientar que, a despeito de já ter me manifestado em sentido contrário, o Órgão Especial desta Corte de Justiça julgou, em 10 de julho de 2013, a Arguição de Inconstitucionalidade nº 1.0024.09.579411-1/002, de relatoria do eminente Desembargador Wander Marotta, reconhecendo a inconstitucionalidade do inciso V do art. 3º da Lei Complementar nº 64/02, introduzido pela Lei Complementar nº 70/03, consignando a seguinte ementa:


“Ementa: Incidente de inconstitucionalidade. Regime de previdência dos servidores do foro extrajudicial (cartorários). Art. 3º, inciso V, da Lei Complementar nº 64/02, introduzido, pela Lei Complementar nº 70/03. Inconstitucionalidade material declarada.

 

– O regime previdenciário previsto no art. 40 da Constituição Federal, após as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 20/98, autoriza a aposentadoria pelo regime próprio da previdência somente aos servidores públicos titulares de cargos efetivos. – Os delegatários de notas ou de registros, aqueles que exercem atividade notarial, não são servidores públicos, uma vez que tais serviços são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público, conforme dispõe o art. 236 da Carta da República. – Os serventuários do foro extrajudicial não podem ser considerados como servidores stricto sensu, possuindo regime especial. A eles não se destina o disposto no art. 40 da Carta da República, cuja interpretação deve ser restritiva. – Padece de inconstitucionalidade formal e material o inciso V do art. 3º da Lei Complementar nº 64/02, introduzido pela Lei Complementar nº 70/03.” (Arg Inconstitucionalidade 1.0024.09.579411-1/002, Relator: Des. Wander Marotta, Órgão Especial, julgamento em 10.07.2013, publicação da súmula em 19.07.2013.)

 

Com efeito, os servidores de notários e registradores das serventias extrajudiciais não são titulares de cargo público efetivo, não lhes sendo aplicável o regime jurídico previsto no art. 40 da Constituição da República de 1988, como bem posto pela magistrada singular:


Ora, a Constituição Federal, em seu art. 40, disciplina o regime jurídico da previdência dos servidores públicos de cargo efetivo, pelo que não pode a norma infraconstitucional estadual, no caso a LC 64/2002, dispor sobre a inclusão de notários e registradores ao regime próprio de servidores públicos, mesmo que amparados pelo art. 48 da Lei 8.935/94, sob pena de também deste último regramento inquinar-se pelo vício da inconstitucionalidade.


Dessa forma, o Decreto 45.172/2009 nada mais previu que aqueles funcionários de serventias extrajudiciais que já tivessem com os requisitos para aposentar cumpridos na data da promulgação da EC 20/98 teriam seus direitos assegurados. Contudo, entendo que, ainda assim, o decreto não poderia vinculá-los ao regime próprio dos servidores públicos, tal qual fez a LC 64/2002.


Ressalte-se, não há que se falar em violação a direito adquirido, uma vez que não há direito constitucionalmente adquirido a determinado regime jurídico previdenciário, se o "servidor" ainda não completou os requisitos necessários ao tempo da lei nova, para sua aposentadoria. Isto porque, a pensar-se desta forma, haveria um engessamento da situação jurídica, pelo simples fato de ter o indivíduo ingressado na serventia extrajudicial antes das aludidas alterações constitucionais (f. 84). 


Assim, diante da declaração de inconstitucionalidade material do disposto no inciso V do art. 3º da Lei Complementar nº 64/02, introduzido pela Lei Complementar nº 70/03, por incompatibilidade com o art. 40 da Constituição da República de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/98, bem como com o art. 36 da Constituição Estadual, deve ser mantida a sentença de primeiro grau que julgou improcedente o pedido inicial.


Com tais considerações, nego provimento ao recurso.


Custas recursais, pela apelante, suspensa a exigibilidade, na forma da Lei nº 1.060/50. 


Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Bitencourt Marcondes e Alyrio Ramos.


Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG