APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM – ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO – COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – SIMULAÇÃO – DOAÇÃO DISSIMULADA – DECADÊNCIA
– O negócio jurídico simulado, por se tratar de ato nulo, não convalida com o tempo, devendo sua nulidade ser declarada de ofício pelo magistrado.
V.v. AÇÃO ANULATÓRIA – NEGÓCIOS JURÍDICOS – DOAÇÃO – COMPRA E VENDA – SIMULAÇÃO – DECADÊNCIA – PROCESSO – EXTINÇÃO
– Certificada a decadência do direito de pleitear a anulação dos negócios jurídicos doação e compra e venda por simulação, a extinção do processo com resolução de mérito deve ser processada, com base na norma do art. 487, inciso II, do CPC.
NEGÓCIO JURÍDICO – DOAÇÃO – LEGÍTIMA – SIMULAÇÃO – NULIDADE
– Ocorre simulação quando o esposo doa para a sua atual esposa a metade do seu único imóvel, desconsiderando a legítima pertencente aos filhos de casamento anterior, situação de desconformidade entre declaração de vontade e a ordem legal, ato que tem aparência normal, mas que não visa ao efeito que juridicamente devia produzir.
– Caracterizada a simulação, é nula a escritura pública de doação e registro.
Apelação Cível nº 1.0352.12.005562-4/001 – Comarca de Januária – Apelantes: Maria Ribeiro Monteiro e outros, Ursulina de Castro Silva, Márcia Regina Ribeiro Magalhães, Sílvio Ribeiro da Silva, Paulo Afonso Magalhães, Saul Alves Monteiro – Apelados: Hermínia Ribeiro da Silva, André Gilson da Silva Filho – Relator: Des. Octávio de Almeida Neves
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em rejeitar a prejudicial de mérito arguida pelo relator e, no mérito, dar parcial provimento ao recurso à unanimidade.
Belo Horizonte, 13 de novembro de 2019. – Octávio de Almeida Neves – Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
Julgamento iniciado em 21 de agosto de 2019.
DES. OCTÁVIO DE ALMEIDA NEVES – Recurso próprio e tempestivo.
Trata-se de recurso de apelação interposto por Maria Ribeiro Monteiro, Saul Alves Monteiro, Márcia Regina Ribeiro Magalhães, Paulo Afonso Magalhães, Silvio Ribeiro da Silva e Ursulina de Castro Silva contra a sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Januária, nos autos de ação de anulação de negócio jurídico, escritura e registro que ajuizaram em face de Hermínia Ribeiro da Silva e André Gilson da Silva Filho, cujo dispositivo determina: “[…], julgo improcedentes os pedidos da parte autor. Condeno os autores ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, observado o disposto no art. 85, § 2º, do CPC. […]” (f. 93/95). Os apelantes sustentam que um homem com 78 e 83 anos de idade não poderia desfazer dos bens que recebeu em meação, em detrimento dos herdeiros legítimos, e que, na pior das hipóteses, poderia se vislumbrar dispor em 50%, não na sua totalidade. Afirmam que a simulação restou clara, quando a companheira viu que não tinha como ficar com os bens do marido em função do casamento realizado com separação de bens, encontrou uma forma de conseguir que foi com a doação, sendo muito mais grave a compra e venda realizada com o seu próprio filho.
O despacho de f. 112, TJ, determinou que as partes fossem intimadas para se manifestarem acerca da possível extinção do feito nos termos do art. 487, II, do CPC, na medida em que decorrido o prazo de quatro anos a que alude o art. 178, § 9º, V, “b”, do CC/1916, vigente à época dos fatos. As partes, entretanto, não se manifestaram (f. 113-114, TJ).
O termo a quo para contagem do prazo decadencial de (4) quatro anos, para a ação anulatória (art. 178, § 9º, V, “b”, do CC/1916), é o dia em que foi realizado o negócio. No caso, a doação impugnada por simulação foi realizada por escritura pública em 8/6/2001 (f. 18).
Portanto, distribuída a ação 12 (doze) anos após a lavratura do negócio referido (f. 02-v., 21/8/2012), os apelantes decaíram do direito de pleitear a anulação do referido negócio jurídico, dado que reclama decreto de extinção com base no art. 487, II, do CPC.
Na hipótese em que a ação tem como pressuposto necessário a anulação do negócio jurídico, por vício de consentimento, situação dos autos porquanto atrelada exclusivamente à simulação (f. 02/07), a pretensão está sujeita ao prazo decadencial de quatro anos previsto no art. 178, § 9º, V, “b”, do CC/1916 (correspondente ao art. 178, inciso II, do CC/2002). Precedente da Segunda Seção: REsp 1.201.529/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, Rel. p/ acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, j. em 11/3/2015, DJe de 1º/6/2015.
Dessa maneira, quanto à compra e venda também objeto do pedido de anulação por simulação (f. 02/07), cuja escritura pública data de 9/1/2006 (f. 18), o prazo decadencial de quatro anos (art. 178, inciso II, CC/2002) venceu em 9/1/2010.
Certificado que a ação foi distribuída seis anos após a lavratura do negócio referido (f. 02-v., 21/8/2012), os apelantes também decaíram do direito de pleitear a anulação do referido negócio jurídico, dado que reclama decreto de extinção com base no art. 487, inciso II, do CPC.
Com tais razões, nego provimento à apelação, para confirmar a sentença recorrida e condenar os apelantes ao pagamento das custas recursais e dos honorários advocatícios finais (art. 85, §§ 2º e 11, CPC) de 12% (doze por cento) (f. 95) do valor atualizado da causa.
DES. DOMINGOS COELHO – Com a devida vênia, hei por divergir dos termos do Des. Relator.
Os recorrentes pleiteiam a anulação do negócio jurídico, consubstanciando sua pretensão no fato de que a parte ré Hermínia Ribeiro da Silva simulou negócio jurídico de doação e compra e venda de terras para si e seu filho, lesando os direitos dos herdeiros legítimos.
No caso, entendo que a simulação, por se cuidar de vício insanável, não é convalidada e tampouco se desfaz pelo decurso do tempo, não havendo que se falar dessa forma em prazo decadencial para pleitear sua anulação, visto que os atos nulos podem ter sua nulidade declarada a qualquer tempo (REsp nº 1.353.864/GO, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 12/3/2013).
Assim, renovada vênia, rejeito a prejudicial de mérito de decadência suscitada de ofício pelo e. Desembargador Relator Octávio de Almeida Neves.
DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA – Peço licença para divergir do voto do eminente Desembargador Relator.
Os apelantes pretendem a anulação do negócio jurídico sob o argumento de que a requerida Hermínia Ribeiro da Silva, “por não ter direito aos bens que o marido já possuía, engendrou de forma sorrateira e simulada uma doação (esposa), e uma Compra e Venda da área de terras com 68,18.75 hectares para si, e seu filho […], lesando assim, os direitos dos herdeiros legítimos do Sr. João Ribeiro da Silva que são os autores” (f. 03).
Como sabido, a simulação é vício insanável, que não se desfaz pelo decurso do tempo, impedindo o perfazimento do prazo decadencial.
Nesse sentido é o entendimento da jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça:
“Recursos especiais. Falência. Dação em pagamento. Nulidade. Forma prescrita em lei. Alienação. Terceiros de boa-fé.
Decisão que não ultrapassa os limites da lide. Legitimidade. Decadência. Prescrição. Retorno das partes ao estado anterior. Enriquecimento ilícito não configurado. Obrigação contratual. Juros de mora. Termo inicial. Honorários. Ação desconstitutiva. […] – Os atos nulos não prescrevem, podendo a sua nulidade ser declarada a qualquer tempo. (Precedentes). […] – Recursos Especiais improvidos” (REsp nº 1.353.864/GO, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 12/3/2013). Importante destacar excerto do judicioso voto proferido pelo eminente Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, no julgamento do REsp nº 1.195.615/TO:
“A simulação no Código de 1916 era causa de anulabilidade do ato jurídico, conforme previsão do seu art. 147, II. O atual Código Civil de 2002, atendendo a reclamos da doutrina, considera a simulação como fator determinante de nulidade do negócio jurídico, dada a sua gravidade. Por oportuno, válido mencionar o enunciado nº 152 do Conselho da Justiça Federal: ‘Toda simulação, inclusive a inocente, é invalidante’. Consigna Paulo Lôbo Netto que, ‘a partir de 11/1/2003, o negócio simulado não pode ser mais convalidado pelo decurso do tempo, tampouco confirmado pelas partes. A simulação deve ser
declarada de ofício pelo juiz, independentemente de provocação das partes, pois desfaz a função socioeconômica do ato jurídico. Neste particular, o legislador brasileiro acompanhou a orientação já existente nas codificações alemã e portuguesa’” (CUEVA, Ricardo Villas Bôas. Direito Civil: Parte Geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 311).
No caso dos autos, repita-se, os apelantes pretendem a anulação do negócio jurídico sob o fundamento de simulação e fraude no negócio jurídico celebrado entre os apelados e o Sr. João Ribeiro da Silva, não havendo, portanto, que se falar em prazo prescricional ou decadencial.
Assim, com maxima venia, rejeito a preliminar de decadência suscitada ex officio pelo e. Desembargador Relator.
Julgamento retomado em 6 de novembro de 2019.
DES. JOSÉ AUGUSTO LOURENÇO DOS SANTOS – Peço vênia ao em. Relator, para acompanhar a divergência inaugurada pelo em. Primeiro Vogal.
DES.ª JULIANA CAMPOS HORTA – Peço vênia ao ilustre relator para divergir nos termos do voto do eminente segundo vogal, acompanhando, da mesma forma, o primeiro vogal, no que tange à nulidade do ato viciado por simulação.
DES. OCTÁVIO DE ALMEIDA NEVES – Superada a prejudicial de mérito decadência, examino o mérito recursal.
A sentença recorrida julgou improcedente o pedido dos apelantes de anulação do negócio jurídico doação e compra e venda – escritura pública e registro (f. 93/95).
Os apelantes sustentam que um homem com 78 e 83 anos de idade não poderia desfazer dos bens que recebeu em meação, em detrimento dos herdeiros legítimos, e que na pior das hipóteses, poderia se vislumbrar dispor em 50%, não na sua totalidade. Afirmam que a simulação restou clara, quando a companheira viu que não tinha como ficar com os bens do marido em função do casamento realizado com separação de bens, encontrou uma forma de conseguir que foi com a doação, sendo muito mais grave a compra e venda realizada com o seu próprio filho (f. 97/100).
Na espécie, a anulação tem por alvo escritura púbica de doação lavrada em 8/6/2001 (f. 33) e escritura pública de compra e venda lavrada em 9/1/2006, pelo vício simulação (f. 02/07).
Caio Mário da Silva Pereira, na obra Instituições de Direito Civil, anota:
“O novo Código, incluindo a simulação como determinante da nulidade, rompeu com a teoria desta. Se inocente a simulação, por não ferir nenhum interesse social, está a coberto da declaração de nulidade ex ofício, tanto mais que o próprio art. 167 ressalva o ato que se dissimulou, bem como os interesses de terceiros.
Não há na simulação um vício do consentimento, porque o querer do agente tem em mira, efetivamente, o resultado que a declaração procura realizar ou conseguir. Mas há um vício grave no ato, positivado na desconformidade entre declaração de vontade e a ordem legal, em relação ao resultado daquela, ou em razão da técnica de sua realização. Consiste a simulação em celebrar-se um ato que tem aparência normal, mas que, na verdade, não visa ao efeito que juridicamente devia produzir. Como em todo negócio jurídico, há aqui uma declaração de vontade, mas enganosa. E difere a simulação dos defeitos dos negócios jurídicos: do erro se distingue em que o agente tem consciência da distorção entre a vontade declarada e o resultado; do dolo difere, porque não se usam maquinações com o fito de levar o agente a realizar o que normalmente não faria, porém o agente procede na forma como o faz porque quer; da coação é diferente, em que inexiste qualquer processo de intimidação para compelir o agente a emitir a declaração de vontade; da fraude contra credores é distinta porque nesta a declaração de vontade está na conformidade do querer íntimo do agente, tendo como efeito um resultado prejudicial a terceiro, credor.
Tradicionalmente, o direito brasileiro entendia a simulação como defeito ligado ao interesse das partes, e tratava-a como causa de anulabilidade do ato. Assim se conceituava na Consolidação das Leis Civis de Teixeira de Freitas (art. 358), e assim subsistiu no Código Civil de 1916, sob a autoridade de Clóvis Beviláqua. O Código de 2002, à semelhança do Código alemão (BGB, § 117), considerou-a como causa de nulidade do negócio (art. 167).
Pode a simulação ser absoluta ou relativa. Será absoluta quando o negócio encerra declaração, condição ou cláusula não verdadeira, realizando-se para não ter eficácia nenhuma. Diz-se aqui absoluta, porque há uma declaração de vontade que se destina a não produzir resultado. O agente aparentemente quer, mas na realidade não quer; a declaração de vontade deveria produzir um resultado, mas o agente não pretende resultado nenhum. A simulação se diz relativa, também chamada dissimulação, quando o negócio tem por objeto encobrir outro de natureza diversa (e.g., uma compra e venda para dissimular uma doação), ou quando aparenta conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem ou transmitem (e.g., venda realizada a um terceiro para que este transmita a coisa a um descendente do alienante, a quem este, na verdade, tencionava desde logo transferi-la). E é relativa em tais hipóteses, porque à declaração de vontade deve seguir-se um resultado, efetivamente querido pelo agente, porém diferente do que é o resultado normal do negócio jurídico. O agente faz a emissão de vontade e quer que produza efeitos; mas é uma declaração enganosa, porque a consequência jurídica em mora é diversa que seria a regularmente consequente ao ato. A estes casos de simulação, absoluta ou relativa, acrescentam-se, ainda, a hipótese de instrumento particular ser antedatado ou pós-datado, e a de figurar como beneficiária do negócio pessoa determinada, porém, na realidade, inexistente. Na dogmática do Código de 2002, somente é nulo o negócio jurídico em sendo absoluta a simulação. Se for relativa subsiste o negócio que se dissimulou, salvo se este padecer de outro defeito, na forma ou na própria substância (art. 167).
Encarada de um outro ângulo, ou seja, em razão da boa ou má-fé do agente (ou dois agentes), pode haver simulação inocente ou simulação maliciosa. Na primeira, faz-se uma declaração que não traz prejuízo a quem quer que seja, e, por isso mesmo, é chamada inocente e tolerada pelo direito (por exemplo, num contrato de compra e venda, as partes declaram haver sido pago o preço no ato, e em dinheiro, mas, na realidade, o comprador emite título de dívida em favor do alienante): a simulação é inocente porque a menção do pagamento do negócio aliis neque nocet neque prodest. Na segunda, há intenção de prejudicar a terceiros ou de violar disposição de lei, e, como expressão da malícia ou da má-fé do agente, inquina o ato negocial. Mas não existe padrão apriorístico para se determinar quando é inocente ou maliciosa a simulação, senão na apuração da finalidade, do animus do agente. Daí concluir-se que o mesmo ato ou a mesma declaração de vontade pode constituir simulação inocente ou maliciosa, conforme seja desacompanhada ou revestida de um propósito danoso: um marido que disfarça sob a forma de compra e venda um donativo a um parente, para que não o apoquente a mulher, faz uma simulação inocente, mas o mesmo processo será simulação maliciosa se o propósito é desfalcar o patrimônio conjugal e prejudicá-la.
A simulação inocente, porque o é e enquanto o for, não leva à nulidade do negócio. A maliciosa pode ter como consequência a nulidade do negócio. Pode ter, repetimos, este efeito, mas não o tem forçosamente.
Visto que, na simulação maliciosa, as pessoas que participam do negócio estão movidas pelo propósito de violar a lei ou prejudicar alguém, não podem arguir o vício, ou alegá-lo em litígio de uma contra a outra, pois o direito não tolera que alguém seja ouvido quando alega a própria má-fé: nemo auditur propriam turpitudinem allegans. Se o negócio é bilateral e foi simuladamente realizado, ambas as partes procederam de má-fé, e nele coniventes ambas, a nenhuma é lícito invocá-lo contra a eficácia da declaração de vontade. Se o negócio é unilateral, foi o próprio agente quem procedeu contra direito, e não tem qualidade para, propriam turpitudinem allegans, pleitear a sua ineficácia. Mas o terceiro lesado, o representante do poder público, ou qualquer legítimo interessado, poderão postular a nulidade do negócio simulado (art. 168).
Se a ninguém causa dano, é descabida a invalidação do ato. Se fraudulenta, faltam aos partícipes da fraude condições morais para alegá-la. Não obstante deslocar a simulação do campo da anulabilidade para o da nulidade do negócio jurídico, não podem vigorar conceitos diversos.
Em face do princípio, atinente aos efeitos da simulação, podem-se deduzir os respectivos corolários: a) realizado simuladamente o ato, a proibição a que os próprios agentes de má-fé pleiteiem a sua ineficácia terá como consequência interditar-lhes a ação de nulidade; se o negócio não for danoso a terceiros, os agentes serão compelidos a sofrer o resultado de uma declaração enganosa de vontade, ainda que a eles nociva ou divorciada de suas conveniências, e desta forma recebem a punição pela malícia; b) mas se o efeito do negócio é prejudicial, podem os prejudicados promover a declaração judicial de invalidade.
Melhor seria que o Código de 2002 mantivesse a doutrina consagrada no de 1916 e mantida no meu Projeto de 1965. Assim procedesse e evitaria a incongruência de catalogar como nulo o negócio simulado, ressalvando, entretanto, o negócio dissimulado (art. 167, caput), bem como os direitos dos terceiros de boa-fé (art. 167, § 2º). Aliás, o parágrafo segundo é bom subsídio para sustentar que só simuladores fraudulentos não têm a ação de anular o negócio jurídico simulado, tendo em vista que mesmo os terceiros somente terão ressalvados os seus direitos se estiverem de boa-fé, em face dos participantes do negócio jurídico simulado.
A prova da simulação nem sempre se poderá fazer diretamente; ao revés, frequentemente tem o juiz de se valer de indícios e presunções para chegar à convicção de sua existência” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005. v. 1, p. 636-639).
Roberto de Ruggiero, na obra Instituições de Direito Civil, anota:
“[…] 2) Coisa diversa é a simulação. Também neste caso há uma deformação consciente e desejada da declaração de vontade, mas é ela levada a efeito com o concurso da parte à qual a declaração se dirige e para o fim de induzir em engano terceiras pessoas. Se o conluio dá vida a um negócio, quando negócio algum se queira (simulamos uma venda, mas não queremos vender nem constituir qualquer outra relação jurídica), a simulação é absoluta. Se dá vida a um negócio e se desejava outro de natureza diversa (declaramos vender para ocultar uma doação), se o negócio declarado era o desejado, mas era diverso um dos sujeitos (declaro dar a Fulano para ocultar uma doação feita a Beltrano) ou se era diverso o objeto (declaramos na venda um preço diferente do real) ou qualquer outro elemento, a simulação é relativa, visto se ter querido um negócio, mas este se esconde sob falsa aparência e, portanto, ao lado do negócio verdadeiro (dissimulado), que costuma concretizar-se ordinariamente numa contradeclaração (arts. 1.319, 1.383 e 1.384 do CC e art. 164 do CC), coloca-se o aparente (simulado). Não importa aqui ver com que fins a simulação é usada: surge das partes e tem frequentemente o propósito de iludir uma proibição da lei, o de defraudar os credores ou o de fugir a uma imposição fiscal, isto é: tem geralmente um propósito fraudulento, posto que este propósito possa às vezes faltar, visto a fraude não estar necessariamente incluída na simulação. […]” (RUGGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil. 3. ed. São Paulo: Edição Saraiva, 1971. v. 1, p. 225- 226).
Portanto, a simulação consiste em celebrar-se um ato, que tem aparência normal, mas que, na verdade, não visa ao efeito que juridicamente devia produzir.
A prova documental produzida revela que João Ribeiro da Silva casou-se com Hermínia Ribeiro da Silva sob o regime de separação de bens (f. 17); que João Ribeiro da Silva se tornou proprietário do imóvel objeto da matrícula nº 8.052, datada de 9/12/1985, com área de 68.18,75 hectares, título: herança, transmitente: autos do arrolamento de Arnalda Ribeiro de Araújo e Silva, esposa anterior falecida (f. 18); que João Ribeiro da Silva destinou para a esposa Hermínia Ribeiro da Silva, escritura pública de doação lavrada em 8/6/2001 [f. 33/33-v. (f. 18/18-v.)], uma área de 34.09,37 hectares do imóvel de matrícula nº 8.052; que João Ribeiro da Silva vendeu para o filho de Hermínia Ribeiro da Silva, escritura pública de compra e venda lavrada em 9/1/2006 [f. 34/334-v. (f. 18-18-v.)], uma área de 34.09,37 hectares do imóvel de matrícula nº 8.052.
A testemunha Maria Ribeiro Monteiro (f. 76) disse, em síntese, conhecer a Senhora Hermínia, que se casou com o Senhor João Ribeiro da Silva, sendo este o seu pai, que era casado com a sua mãe Arnalda Inácia de Araújo; que recebeu direto de herança quando do falecimento de sua mãe, assim como os demais herdeiros.
A testemunha Hermínia Ribeiro da Silva (f. 77) disse, em síntese, confirmar as duas escrituras objeto do processo, uma de doação para si e outra de compra e venda para o seu filho; que o seu esposo João Ribeiro da Silva primeiro ofereceu o imóvel para Sílvio, filho dele, e que não tinha conhecimento da existência de outros filhos de seu esposo.
A testemunha André Gilson da Silva Filho (f. 78) disse, em síntese, que é filho de Hermínia Ribeiro da Silva, que a sua mãe e seu padrasto estavam precisando de dinheiro, quando ofertaram o imóvel para venda, e, diante da negativa de compra de Silvio, comprou parte do imóvel, bem como sabia que seu padrasto tinha seis filhos, do casamento com Arnalda. A testemunha Adailton Oliveira Passos (f. 79) confirmou a união entre Hermínia e o falecido João.
A testemunha Edson Ferreira de Brito (f. 80) disse, em síntese, que tem conhecimento de um negócio feito entre João e André, consistente em uma compra e venda, e que soube que João estava precisando de dinheiro, que primeiro ofereceu a terra para o filho, que não aceitou comprar, e que João acabou vendendo a terra para André Gilson pela quantia de R$15.000,00, e que João era lúcido, não demonstrando problema mental.
Nesse contexto, como o Senhor João Ribeiro da Silva era pai de seis filhos do casamento anterior dissolvido em virtude do óbito da primeira esposa, quanto ao imóvel de sua propriedade (f. 18/18-v.), na constância do casamento com a Senhora Hermínia Ribeiro da Silva, da metade poderia dispor de maneira livre, como fez para André Gilson da Silva Filho [f. 34/34-v. (f. 18/18-v.)]. Contudo, para a esposa Hermínia Ribeiro da Silva não poderia ter doado a outra metade do imóvel [f. 33/33-v. (f. 18/18-v.)], já que deixou de observar a proteção legal da legítima conferida pela norma do art. 1.846 do CC (art. 1.721, CC/16). Dessa maneira, a simulação aludida pelos apelantes mostra-se descortinada, porquanto a doação combatida consistiu em um ato que tem aparência normal, mas que na verdade teve por fim eliminar a legítima, com prejuízo para os apelantes, herdeiros necessários do doador João Ribeiro da Silva. Assim, de todo provada a violação da norma do art. 1.846 do CC (art. 1.721, CC/16), é nula a doação combatida por violar a legítima, nos termos da norma do art. 166, VI, e art. 167, § 1º, I, do CC. A compra e venda não violou a legítima, pelo que ato jurídico livre da simulação arguida.
Em suma, ocorre simulação quando o esposo doa para a sua atual esposa a metade do seu único imóvel, desconsiderando a legítima pertencente aos filhos de casamento anterior, situação de desconformidade entre declaração de vontade e a ordem legal, ato que tem aparência normal, mas que não visa ao efeito que juridicamente devia produzir. Caracterizada a simulação, é nula a escritura pública de doação e registro.
O recurso de apelação não devolveu para este egrégio Tribunal a matéria constante da inicial relativa à devolução de semoventes [f. 06/07 (f. 97/100)] (art. 1.013, CPC). Prova a respeito desse direito alegado não foi produzida.
Com tais razões, dou parcial provimento à apelação, para decretar nula a escritura pública de doação lavrada no livro 148, f. 131-v.-132, no dia 8/6/2001, sendo outorgante doador João Ribeiro da Silva e outorgada donatária Hermínia Ribeiro da Silva, relativa à área de terra de 34.09,37 (trinta e quatro hectares, nove ares e trinta e sete centiares) (f. 33-33-v.); decretar nulo o registro da escritura de doação de nº R2-8052, datado de 6/8/2001 (f. 18); determinar a expedição de mandado para averbação do decreto de nulidade no Ofício de Registro de Imóveis de Januária (MG), junto à matrícula nº 8.052 (f. 18), mediante o pagamento dos emolumentos devidos; condenar os apelados ao pagamento das custas e despesas processuais, inclusive custas processuais e dos honorários advocatícios finais (art. 85, §§ 2º e 11, CPC) de 11% (f. 95) do valor atualizado da causa.
DES. DOMINGOS COELHO – No mérito, de acordo com o e. Relator.
DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA – No mérito, de acordo com o eminente Relator.
DES. JOSÉ AUGUSTO LOURENÇO DOS SANTOS – Com relação à questão de mérito, acompanho o em. Desembargador Relator.
DES.ª JULIANA CAMPOS HORTA – No mérito, de acordo com o e. Relator.
Súmula – REJEITARAM A PREJUIDICIAL DE MÉRITO ARGUIDA PELO RELATOR E, NO MÉRITO, DERAM PARCIAL
PROVIMENTO AO RECURSO, À UNANIMIDADE.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG