JURISPRUDÊNCIA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO DE FAMÍLIA – CASAMENTO DE MULHER MENOR DE 16 ANOS – SUPRIMENTO JUDICIAL – DEFERIMENTO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO
– Embora o suprimento judicial tenha ocorrido fora da hipótese excepcional do art. 1.520 do CC (gravidez), verifico a ocorrência do fato consumado, tendo em vista a certidão de casamento datada de junho de 2011, mormente considerando que, atualmente, a noiva já conta mais de 17 anos de idade e que, diante do consentimento expresso de seus pais, já poderia se casar.
Apelação Cível nº 1.0051.11.000488-7/001 – Comarca de Bambuí – Apelante: Ministério Público do Estado de Minas Gerais – Apelados: J.G.F. e outra, C.F.G., assistido pelo pai, J.G.F. – Relatora: Des.ª Hilda Maria Pôrto de Paula Teixeira da Costa
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 4 de junho de 2013. – Hilda Maria Pôrto de Paula Teixeira da Costa – Relatora.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES.ª HILDA MARIA PÔRTO DE PAULA TEIXEIRA DA COSTA – Trata-se de ação de suprimento judicial de casamento, proposta por J.G.F., objetivando autorização judicial para que sua filha C.F.G., com 16 anos incompletos, possa casar com T.A.C.
O douto Magistrado a quo, Pedro dos Santos Barcelos, em seu decisum de f. 23/27, deferiu o pedido inicial, determinando, com base no Decreto 4.657/42, a expedição de alvará autorizativo para que C.F.G. possa casar com T.A.C., observando o regime obrigatório de lei. Contudo, indeferiu o pedido quanto à dispensa de proclamas, tendo em vista a ausência de notícia de que C.F.G. estivesse grávida.
Inconformado, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais apelou pelas razões de f. 29/34, aduzindo, em síntese, que não assiste razão ao Magistrado a quo, uma vez que a sentença de f. 23/27 se encontra, flagrantemente, contrária à legislação vigente.
Defendeu que, pelo teor da certidão de nascimento de f. 07, resta comprovado que a menor somente atingiria a idade núbil em 04.09.2011, não se amoldando o caso em tese à exceção prevista no art. 1.520 do CC, tendo em vista a ausência de gravidez. Ao final, requereu o provimento do recurso, a fim de que seja o processo extinto sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de f. 50/54, da lavra da i. Procuradora de Justiça Luiza Carelos, manifestouse pelo provimento do recurso.
É o relatório.
Conheço do recurso interposto, presentes os pressupostos de admissibilidade.
Inicialmente, nos termos do art. 1.517 do Código Civil Brasileiro, tem-se que a capacidade para o casamento, independentemente de autorização dos pais, é atingida aos dezoitos anos de idade, sendo que a idade núbil para o casamento, com a autorização dos pais, é de dezesseis anos.
No caso, o que se pretendia era a concessão de suprimento judicial para casamento da menor, C.F.G., que, à época da interposição da demanda (22.02.2011), contava ainda 15 anos de idade.
E, em conformidade com o art. 1.520 do CC, excepcionalmente há autorização legal para quem ainda não alcançou a idade núbil, no caso de gravidez, o que não se constatou ser o caso em questão.
Assim, de fato, verifica-se, que o caso dos autos não se enquadra na exceção prevista pelo artigo supracitado, todavia a jurisprudência tem admitido, em determinadas hipóteses, a flexibilização das normas relativas à idade mínima para o casamento.
Nesse sentido:
“Ementa: Habilitação para casamento – Menor de 16 anos que já reside com o namorado e pretende casar-se. Regularização de situação fática, levando-se em consideração o padrão moral aceitável nestes casos. Legalização progressiva. Ausência de prejuízo. – O excesso e a demasia na interpretação da lei levará a menor a acreditar que só poderá casar-se se ficar grávida antes de completar 16 anos – fato, este último, que ocorrerá dentro de cinco meses – e, evidentemente, não foi esta a intenção do legislador. O excessivo apego à lei pode levar a uma injustiça ou a aplicação exacerbada do conceito corrente de justo, que nem sempre coincide com o da regra jurídica. Casos há, cada vez mais frequentes, em que a esfera pública da legalidade é separada da esfera privada da moral. Em outros termos, mas com o mesmo sentido: a consideração concreta de ordem moral afasta a ilegalidade abstrata do ato. Por que a solução legal seria neste caso a mais adequada? Por que não uma solução que a lei pode não contemplar, mas que pede uma solução mais, digamos, ‘humana’, mais afetiva? O lapso de prevalência da regra moral sobre a regra legal seria muito curto. Haverá, no curso de cinco meses, uma ‘legalização progressiva’’ do que ficou decidido. E poder-se-á, com isso, evitar uma gravidez que viria ‘legalizar’ a situação de outro modo, sem dúvida pior.” (Apelação Cível nº 1.0024.07.757099-2/001, 7ª Câmara Cível, TJMG, Relator para o acórdão: Des. Wander Marotta.)
“Ementa: Apelação cível. Casamento de mulher menor de 16 anos. Pedido de autorização judicial. Deferimento. – Demonstrado nos autos que, uma vez indeferido o pedido de suprimento de outorga para casamento, é bem provável que os jovens comecem a viver em união estável, se assim já não o fizeram, é de ser deferido o pedido de suprimento judicial. Recurso improvido.” (Apelação Cível nº 70014430292, 8ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda.) É que o inciso I do art. 1.550 do CC se refere à possibilidade de anulação do casamento em razão da idade, não havendo falar, na hipótese, em impedimento, mas sim em possível causa de anulação do ato do casamento.
Veja-se o teor do mencionado dispositivo legal:
“Art. 1.550. É anulável o casamento:
I – de quem não completou a idade mínima para casar; (g.n.)
II – do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;
III – por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558;
IV – do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;
V – realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;
VI – por incompetência da autoridade celebrante.
Parágrafo único. Equipara-se à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada”.
Nesse contexto, embora se compreenda que a idade núbil seja determinada em prol dos próprios nubentes, tendo em vista as responsabilidades e consequências legais advindas do casamento, entendo que o excesso e a demasia na interpretação da lei poderiam levar a menor a acreditar que só poderá casar-se se ficar grávida antes de completar 16 anos.
Ressalte-se que, no termo de audiência (f. 20), houve manifestação da menor no sentido de que possui consciência das obrigações matrimoniais e de que está agindo sem hesitação e coação. De igual forma, o noivo afirmou a pretensão de casar com a mesma, dizendo ter consciência das obrigações matrimoniais, o que foi ratificado pelos pais da menor, os quais também se manifestaram no sentido de estarem de acordo com o casamento.
Importante salientar que, tendo em vista o deferimento do pedido inicial e a expedição de alvará autorizativo em primeiro grau de jurisdição, foi o fato consumado, com a realização do casamento de T.A.C. e C.F.G., que passou a utilizar o nome de C.F.G.C., em 18.06.2011, conforme certidão de nascimento acostada à f. 39.
Assim, embora o suprimento judicial tenha ocorrido fora da hipótese excepcional do art. 1.520 (gravidez), verifico a ocorrência do fato consumado, mormente considerando que, atualmente, a noiva já conta 17 anos de idade e que, diante do consentimento expresso de seus pais, já poderia se casar.
É que, como se trata de negócio anulável, sendo, inclusive, passível de confirmação/ratificação após a maioridade (art. 1.553 do CC), entendo que a intenção legal é aproveitar o casamento como negócio eficaz sempre que isso for possível, somente se decretando a sua invalidade em situação absolutamente definida, o que não é o caso dos autos.
Ademais, pelo teor do art. 1.552 do CC, a anulação do casamento dos menores de 16 anos somente pode ser requerida pelo próprio cônjuge, por seus representantes legais e por seus ascendentes:
“Art. 1.552. A anulação do casamento dos menores de dezesseis anos será requerida:
I – pelo próprio cônjuge menor;
II – por seus representantes legais;
III – por seus ascendentes”.
Ora, uma vez ocorrido o casamento (f. 39) e tendo em vista a ausência de qualquer manifestação dos legitimados acima mencionados no sentido do requerimento de eventual anulação do matrimônio, mantenho íntegra a r. sentença a qua. Em face do exposto, nego provimento ao recurso.
Sem custas recursais, tendo em vista a qualidade da parte recorrente (Ministério Público do Estado de Minas Gerais).
Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Afrânio Vilela e Marcelo Rodrigues.
Súmula – NEGAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG