Jurisprudência mineira – Apelação cível – Direito de família – Divórcio – Partilha de bem – Casal beneficiário de parcela de assentamento rural na constância do casamento – Proibição ao fracionamento – Direito à meação

APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO DE FAMÍLIA – DIVÓRCIO – PARTILHA DE BEM – CASAL BENEFICIÁRIO DE PARCELA DE ASSENTAMENTO RURAL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO – INCRA – PROIBIÇÃO AO FRACIONAMENTO – PARTILHA DEFERIDA – DIREITO À MEAÇÃO


– Não se configura o cerceamento de defesa se as provas requeridas – testemunhal e pericial – se mostram desnecessárias ou inúteis para instrução do feito, quando já consta dos autos documento comprobatório da data de aquisição do bem imóvel, que pretende seja partilhado.


– Se houver divisão cômoda entre os bens do casal a serem partilhados, o imóvel objeto do assentamento rural deverá ser incluído na partilha do casal, na proporção de 50% para cada parte, respeitada a proibição de seu fracionamento, imposta no art. 67, § 2º, do Decreto nº 59.428/66.


Apelação Cível nº 1.0702.14.076553-9/001 – Comarca de Uberlândia – Apelante: G.A.Q.F. – Apelado: E.P.F. – Relatora: Des.ª Yeda Athias


ACÓRDÃO


Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em rejeitar a preliminar e dar provimento ao recurso.


Belo Horizonte, 21 de junho de 2016. – Yeda Athias – Relatora.


DES.ª YEDA ATHIAS – Trata-se de apelação à sentença de f. 88/88-v., proferida pela MM. Juíza de Direito da 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Uberlândia, que, na ação de partilha de bens ajuizada por E.P.F. em desfavor de G.A.F.F., determinou a partilha do imóvel de f. 67 (matrícula XX) à razão de 50% (cinquenta por cento) para cada qual, deixando de determinar a partilha da gleba do assentamento rural, sob o fundamento de que a questão já havia sido objeto de decisão judicial anterior. Honorários de sucumbência fixados no percentual de 10% sobre o valor da causa, pela ré, suspensa a exigibilidade em razão do deferimento da justiça gratuita.


Irresignada, apela a ré (f. 90/98), alegando preliminar de nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, diante do indeferimento das provas regularmente pleiteadas e necessárias para o deslinde da questão. No mérito, defende seja determinada a partilha do imóvel rural (gleba XX] do assentamento de terras Tangará), pois adquirido na constância do casamento, na forma do art. 1.658 do Código Civil.


Contrarrazões às f. 101/105.


Desnecessária a intervenção da Procuradoria-Geral de Justiça.


Conheço do recurso, pois presentes os requisitos de admissibilidade.


Preliminar – nulidade da sentença por cerceamento de defesa.


A apelante alega a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, já que a prova requerida foi indeferida na própria sentença, o que lhe impossibilitou comprovar os fatos constitutivos do seu direito.


Entretanto, segundo estabelece, com indubitável clareza, a norma do art. 130 do CPC/73 (art. 370, parágrafo único, CPC/2015), caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.


O juiz, na processualística moderna, não é mais aquele expectador passivo do debate entre os litigantes, devendo assumir posição atuante no processo, deferindo aquelas provas que, segundo seu discernimento, sejam realmente necessárias ao esclarecimento da controvérsia, e indeferindo, de outro norte, as inócuas ou irrelevantes.


Isso significa, em suma, que o juiz deve ser alçado à condição de principal árbitro na questão de produção de provas, mesmo porque é, por óbvio, o verdadeiro destinatário delas.


Assim, a despeito de o apelante ter requerido a produção de prova pericial, esta se mostra irrelevante ao deslinde do feito, não lhe sendo imprescindível, o que demonstra ter agido com acerto o nobre Sentenciante, haja vista que a matéria alegada é estritamente de direito, sendo inútil a prova pleiteada, consoante já decidiu em caso análogo esta eg. 6ª Câmara Cível: “Ementa: Processual civil e administrativo. Cerceamento de defesa. Indeferimento de prova testemunhal desnecessária ao deslinde do feito. Nulidade. Inexistência. Servidora estadual. Exoneração após conclusão desfavorável em avaliação especial de desempenho. Devido processo legal. Observância. Apuração de infrequência superior ao período autorizado pela legislação. Prova de que a servidora esteve em gozo de licença-saúde. Ausência. Ato exoneratório regular. Improcedência do pleito de reintegração no serviço público. Recurso desprovido. 1 – Não há cerceamento de defesa se o juízo, destinatário final das provas, no regular exercício da respectiva liberdade de apreciação, indefere diligência realmente inútil ao deslinde do feito. 2 – A avaliação especial de desempenho é condição para a aprovação do servidor no estágio probatório, assim como para a consequente aquisição de estabilidade. Inteligência do art. 41, § 4º, da Constituição da República. 3 – Evidenciado que o procedimento instaurado em face da servidora demandante, após a conclusão desfavorável da avaliação de desempenho, lhe resguardou o devido processo legal, visto que ciente do trâmite administrativo, no qual apresentou defesa, produziu prova e ingressou com o recurso cabível, exsurge manifestada a legalidade do procedimento. 4 – Apurado do amplo conjunto probatório arregimentado pelo ente estadual que a servidora se ausentou do serviço público por período em muito superior àquele admitido como falta e, ainda, ausente demonstrativo de que, naquele lapso temporal, esteve a postulante em gozo de licença-saúde, capaz de justificar a infrequência verificada, não procede o pleito de anulação da decisão administrativa que exonerou a particular em razão da reprovação na avaliação de desempenho. 5 – Afastado qualquer cerceamento do direito de defesa da interessada, resulta inviável transformar a ação anulatória do ato de exoneração em via de revisão da conclusão administrativa regularmente aplicada” (TJMG – Apelação Cível 1.0024.10.202901-4/001, Rel.ª Des.ª Sandra Fonseca, 6ª Câmara Cível, j. em 26.09.2014, p. em 07.10.2014).


É cediço que a prática de indeferir provas na própria sentença deve ser evitada, pois não está em liame com a boa técnica processual. No entanto, para justificar a cassação da sentença por cerceamento de defesa, afigura-se necessária a demonstração de que as provas seriam úteis ao julgamento da causa e de que poderiam influenciar no resultado da demanda, o que não se verifica no caso em apreço.


Com efeito, as provas pretendidas pela apelante, indeferidas na sentença, foram a testemunhal e a pericial (f. 57), as quais, a meu ver, são desnecessárias para o julgamento da causa, pois o que importa é o fato de o imóvel rural ter sido ou não adquirido na constância do casamento, o que pode ser facilmente verificado mediante análise da prova documental constante dos autos.


Diante de todo o exposto, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa e passo ao exame do mérito.


Antes de apreciar o mérito da questão, necessário que se faça a digressão dos fatos e fundamentos que contornam a presente lide.


Trata-se de ação de partilha ajuizada pelo ora apelado, E.P.F., em desfavor da apelante, G.A.F.F., em que, na petição inicial, foi pleiteada a partilha do terreno situado na cidade de Uberlândia, […], inscrito no Cartório do 2º Registro de Imóveis de Uberlândia sob o […], no qual se encontram construídas duas casas.


Citada, a ré apresentou contestação, na qual "discorda veemente da partilha do imóvel objeto da presente ação, sem que antes se resolva a questão do lote do assentamento, eis que a mesma, conforme se comprovou, também possui direitos sob o referido bem" (f. 31), sustentando que "quanto aos bens imóveis do casal, os mesmos não foram partilhados. O urbano, devido à falta de documentação e o rural (Lote XX Assentamento Tangará), por ser indivisível" (sic) para afinal pleitear a partilha dos bens adquiridos na constância do casamento.


Importante destacar que foi ajuizada anterior ação de divórcio pelo autor, ocasião em que já havia sido pleiteada a partilha do imóvel objeto do assentamento rural, porém não houve a partilha da parcela […] do Projeto de Assentamento Nova Tangará, porque, nos termos do art. 67, § 2º, do Decreto nº 59.428/66, é proibido o fracionamento do lote, reconhecendo a sentença irrecorrida às f. 10/15 que a partilha desse lote é juridicamente impossível.


Contudo, na presente ação de partilha de bens a douta Sentenciante declarou no decisum que "[…] a sentença de f. 10/15 foi clara ao decidir que não havia como partilhar a gleba de assentamento rural, já que proibido seria o fracionamento do lote, tudo nos termos do art. 67, § 2º, do Decreto 59.428/66. A questão afeta à partilha do lote do assentamento restou decidida na ação de divórcio conforme se extrai com facilidade da sentença de f. 10/15" (f. 88) para decidir que "O feito tem como questão controvertida apenas a partilha do imóvel registrado sob a matrícula […], sendo digno de registro, por importante, que o imóvel foi adquirido na constância do casamento, celebrado sob o regime da comunhão parcial de bens" (f. 88 ver verso) Cinge-se a controvérsia a perquirir se o imóvel objeto do assentamento rural, constituído pela parcela […] do Projeto de Assentamento Nova Tangará, embora não seja passível de fracionamento, a teor do art. 67, § 2º, do Decreto nº 59.428/66, pode integrar a partilha dos bens adquiridos pelas partes na constância do casamento, dissolvido pelo divórcio. No que se refere ao imóvel objeto do assentamento rural, do Município de Uberlândia, o Ofício 959/2012 às f. 48/49 informa que as partes são beneficiárias do Programa Nacional de Reforma Agrária assentados na parcela […] do Projeto de Assentamento Nova Tangará, conforme Termo de Compromisso MG […], que possui regramento próprio e não pode ser dividido, de acordo com o princípio da eficiência, bem como não pode ser fracionado, a teor do art. 67, § 2º, do Decreto nº 59.428/66, que assim dispõe:


“Art. 67. […]


§ 2º Quando da localização do parceleiro, será assinado o correspondente contrato de colonização e de promessa de compra e venda da parcela onde se incluirão as seguintes cláusulas:


[…]


i) proibição de fracionamento do lote, mesmo em caso de sucessão.


Ademais, no Termo de Compromisso MG […] as partes assumiram diversas obrigações, dentre as quais a de: 


c) residir no local de trabalho ou área pertencente ao Projeto, salvo justa causa autorizada pela Superintendência Regional (f. 49).”


Além disso, em resposta ao ofício do Juízo a quo sobre o procedimento a ser adotado no caso de divórcio de casal beneficiário de parcela de assentamento rural, aplica-se o art. 5º da Instrução Normativa 38/2003, a seguir transcrito:


“Art. 5º Que nos casos de dissolução do casamento ou da união estável será assegurada a permanência da mulher como detentora do lote ou parcela, desde que os filhos estejam sob sua guarda.


§1º Havendo alteração na situação civil das beneficiárias no Programa Nacional de Reforma Agrária, caberá ao interessado a obrigatoriedade de requerer junto ao Incra a referida mudança, acompanhada da averbação da separação do casamento e/ou a dissolução da união estável, bem como declaração da nova situação civil.


§ 2º O homem ou a mulher excedente será assentado pelo Incra, com preferência em outro assentamento do município ou região, condicionado à disponibilidade de vagas.”


Contudo, se as partes se casaram aos 16.12.1986, sob o regime da comunhão parcial de bens e se separaram de fato em 06.04.2009, com o trânsito em julgado da sentença de divórcio em 17.07.2014 (processo número XX), há de se comunicar o patrimônio que sobreveio ao casal no período da união, presumindo-se o esforço mútuo para esta aquisição, nos termos do art. 1.658 do Código Civil:


“Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes”.


Pelos documentos constantes dos autos, verifica-se que o casal foi incluído em 23.07.2004 no Programa Nacional de Reforma Agrária, assentados na parcela […] do Projeto de Assentamento Nova Tangará, no Município de Uberlândia, conforme Termo de Compromisso nº MG […] (f. 48/49), durante a constância do casamento. E, ainda que conste, no Decreto nº 59.428/66, bem como na Instrução Normativa nº 38/2003 do Incra, a proibição do fracionamento do lote, verifica-se que, no caso específico dos autos, há divisão cômoda entre os bens do casal a serem partilhados, isto é, um pode ficar com o imóvel urbano e o outro com o imóvel rural.


No entanto, apesar de a legislação proibir o fracionamento do lote, tal não importa na proibição de que seja incluído no rol de bens a serem partilhados pelo casal, já que, repita-se, adquirido na constância do casamento.


Sendo assim, o imóvel objeto do assentamento rural deverá ser incluído na partilha do casal, na proporção de 50% para cada parte, respeitada a proibição de seu fracionamento, imposta no art. 67, § 2º, do Decreto nº 59.428/66, sendo certo que o valor do referido imóvel deverá ser apurado em fase de liquidação, para, juntamente com os demais bens comuns, serem partilhados em igual proporção entre as partes.


A propósito, já decidiu este egrégio Tribunal:


“Apelação cível. Ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato. Partilha de imóvel outorgado pelo Incra durante a vigência da união estável. Provas testemunhais. Título de propriedade e contrato de assentamento. Documentos xerocopiados apresentados pelas partes com informações divergentes daquelas constantes nos documentos originais. Informações inseridas nos documentos originais. Impossibilidade de atribuição de responsabilidade à apelada. Exigência do Incra para concessão de parcela de terreno. Residência na propriedade com a família. Arrendamento do imóvel rural. Proprietários-arrendantes. Ambas as partes. Direito à meação. – Se a análise detida do conjunto probatório, notadamente das provas testemunhais colhidas, autoriza a conclusão de que o relacionamento havido entre as partes se iniciou antes de ser firmado contrato de assentamento com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), deve ser reconhecido o direito da companheira à sua meação, na esteira do bem-lançado parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça” (TJMG. Apelação Cível 1.0344.06.029522-9/001, Rel. Des. Armando Freire, 1ª Câmara Cível, j. em 25.08.2009, p. em 21.09.2009).


Diante de todo o exposto, rejeito a preliminar e dou provimento ao recurso, para reconhecer à apelante o direito da inclusão do imóvel rural (gleba XX do assentamento de terras Tangará) na partilha, observada a proibição de seu fracionamento. 


Custas e honorários de sucumbência, pelo apelado, suspensas por litigar sob o benefício da justiça gratuita.


Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Audebert Delage e Edilson Fernandes.


Súmula – REJEITARAM A PRELIMINAR E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.

 

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG