Jurisprudência mineira – Apelação cível – Dúvida – Averbação de contrato particular de compra no Registro de Imóveis – Legítima recusa do oficial do cartório

APELAÇÃO CÍVEL – DÚVIDA – AVERBAÇÃO DE CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA NO REGISTRO DE IMÓVEIS – LEGÍTIMA RECUSA DO OFICIAL DO CARTÓRIO


– Mostra-se legítima a recusa do oficial do cartório em proceder à averbação do contrato particular de compra e venda na matrícula do imóvel quando ausentes as formalidades legais exigidas para a espécie, mormente porque a averbação pretendida somente poderia se dar por meio de instrumento público escrito e lavrado por oficial, e o fato de constar o registro em Cartório de Títulos e Documentos em nada altera a imposição, pretendendo o recorrente, na verdade, dar publicidade ao contrato de gaveta, a fim de garantir a notícia do ato jurídico realizado, pretensão esta totalmente desamparada, considerando-se que o prazo para a outorga da escritura, bem como do respectivo registro, tal como estipulado no contrato, já restou superado.


Recurso não provido.


Apelação Cível nº 1.0443.13.001255-4/001 – Comarca de Nanuque – Apelante: Arlindo da Costa Machado – Apelado: Oficial de Registro de Imóveis de Nanuque – Relator: Des. Judimar Biber


ACÓRDÃO


Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento.


Belo Horizonte, 3 de novembro de 2016. – Judimar Biber – Relator.


NOTAS TAQUIGRÁFICAS


DES. JUDIMAR BIBER – Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Arlindo da Costa Machado em face da sentença de f. 19/19v., que julgou procedente a dúvida suscitada pelo oficial do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Nanuque.


Custas, na forma da lei.


Em suas razões recursais, sustenta o apelante, inicialmente, que, após o seu procurador pedir vista dos autos e juntar manifestação, o seu pedido não foi sequer apreciado pelo Juízo de primeiro grau, nem, ao menos, a sentença fez menção ao requerimento por ele formulado, pedindo que sejam considerados integrantes das razões recursais todos os dizeres de f. 14/15 dos autos.


Aduz que o contrato e sua quitação apresentados para a averbação nunca foram nem objetivaram ser escrituras de imóveis, tanto que foram registrados no Cartório de Registro de Títulos e Documentos, e o cumprimento objetivo de tais instrumentos de compra e venda leva indispensavelmente à lavratura das competentes escrituras públicas.


Assevera que há evidente equívoco do oficial do cartório, que confundiu averbação com registro, sem, ao menos, observar que tanto o contrato de compra e venda como sua quitação já estão registrados no Cartório do Registro de Títulos e Documentos e que só as consequentes escrituras públicas resultantes da resolução do contrato é que estão sujeitas ao registro no cartório competente.


Apesar de devidamente intimado, o apelado deixou transcorrer, in albis, o prazo para contra-arrazoar o recurso.


A douta Procuradoria de Justiça devolveu os autos sem manifestação, sob o entendimento de que a controvérsia recursal não desafia sua intervenção.


É o relatório.


Passo ao voto.


De início, conheço do recurso interposto, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade, aplicando-se ao caso as regras da lei processual vigente à data da publicação da sentença recorrida, nos termos do Enunciado 54 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e do Enunciado Administrativo 02 do Superior Tribunal de Justiça.


Trata-se de dúvida suscitada pelo oficial do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Nanuque em virtude das irregularidades contidas no documento apresentado pelo apelante, as quais obstam o registro pleiteado nos seguintes termos: 


1) foi apresentada uma cópia do contrato firmado pelas partes, sendo que, no registro de imóveis, somente se admite o ingresso de escrito original, o qual ficará arquivado na serventia;


2) o contrato de compra e venda não foi assinado por duas testemunhas, o que, nos termos do art. 221, inciso II, da Lei Federal 6.015/1973, inviabiliza o seu registro;


3) o contrato particular de compra e venda, no valor constante do documento apresentado, ou seja, R$20.000,00 (vinte mil reais) por alqueire geométrico (4,84 ha), supera o limite estabelecido pelo art. 108 do Código Civil, uma vez que o imóvel em questão possuiu 24,20 ha. Ressalte-se que o referido valor foi estabelecido em fevereiro de 2015;


4) não foi apresentada a avaliação individualizada e atualizada do imóvel situado na circunscrição desta serventia, o que impede o exame e o cálculo dos emolumentos;


5) o termo de quitação do contrato de compra e venda apresentado não se encontra no rol dos títulos aptos a registro, o que, por si, inviabiliza o seu registro.


O apelante, por sua vez, na petição de f. 14/15, ratificada no recurso de apelação, sustenta a ocorrência de equívoco por parte do oficial do cartório, ao argumento de que a sua pretensão não diz respeito ao registro propriamente dito, mas tão somente à averbação da compra e venda à margem da matrícula do imóvel na ordem de prelação.


Em que pese o esforço argumentativo do apelante, não vejo como prosperar a sua pretensão, mormente porque o documento que pretende a averbação na matrícula do imóvel carece das formalidades legais exigidas para a espécie. 


Isso porque a averbação pretendida somente poderia ser feita por meio de instrumento público escrito e lavrado por oficial, e o fato de constar o registro em Cartório de Títulos e Documentos em nada altera a imposição, pretendendo o recorrente, na verdade, dar publicidade ao contrato de gaveta, a fim de garantir a notícia do ato jurídico realizado, pretensão esta totalmente desamparada, mesmo porque, se não obteve a escritura pública de compra e venda, é porque o vendedor recalcitra em produzir o instrumento, o que viabilizaria ação própria para a obtenção do resultado prático que derivaria do contrato oponível aos que lhe assinaram contra o inadimplente.


Daí por que o art. 108 do Código Civil é taxativo:


“Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”.


Por sua vez, o art. 221 da Lei de Registros Públicos determina que:


“Art. 221 – Somente são admitidos registro:


I – escrituras públicas, inclusive as lavradas em consulados brasileiros;


II – escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhecidas, dispensado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados por entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação;


III – atos autênticos de países estrangeiros, com força de instrumento público, legalizados e traduzidos na forma da lei, e registrados no Cartório do Registro de Títulos e Documentos, assim como sentenças proferidas por tribunais estrangeiros após homologação pelo Supremo Tribunal Federal;


IV – cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de autos de processo;


V – contratos ou termos administrativos, assinados com a União, Estados, Municípios ou o Distrito Federal, no âmbito de programas de regularização fundiária e de programas habitacionais de interesse social, dispensado o reconhecimento de firma. (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011)


§ 1º Serão registrados os contratos e termos mencionados no inciso V do caput assinados a rogo com a impressão dactiloscópica do beneficiário, quando este for analfabeto ou não puder assinar, acompanhados da assinatura de 2 (duas) testemunhas. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)


§ 2º Os contratos ou termos administrativos mencionados no inciso V do caput poderão ser celebrados constando apenas o nome e o número de documento oficial do beneficiário, podendo sua qualificação completa ser efetuada posteriormente, no momento do registro do termo ou contrato, mediante simples requerimento do interessado dirigido ao registro de imóveis. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011).”


Veja-se que o prazo para a outorga da escritura previsto no documento particular restou há muito superado, mormente porque o contrato de compra e venda, firmado entre o apelante e terceiro, foi assinado em 04.02.2005, cuja quitação integral se deu em 27.04.2010, não havendo motivos justificáveis para que não se proceda a transferência por meio da competente escritura pública, e eventuais descumprimentos das obrigações por parte do vendedor não podem ser supridos pela simples averbação do contrato particular de compra e venda, que nem sequer tem força perante terceiros.


Ao contrário das ponderações do recorrente, as oposições declinadas pelo oficial do cartório para fins da averbação pretendida se mostram legítimas e a procedência da dúvida se impõe como única saída jurídica sustentável, mesmo porque somente através da ação própria poderia exigir o adimplemento das obrigações derivadas do contrato, que, até que seja formalizado, não suporta oposição em relação a terceiros.


Diante do exposto, nego provimento ao recurso.


Custas recursais pelo apelante.


Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Jair Varão e Amauri Pinto Ferreira (Juiz de Direito convocado).


Súmula – NEGARAM PROVIMENTO.

 

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG