Jurisprudência mineira – Apelação cível e apelação adesiva – Direito de família – Ação de reconhecimento e dissolução de união estável – Indenização trabalhista

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL


APELAÇÃO CÍVEL E APELAÇÃO ADESIVA – DIREITO DE FAMÍLIA – AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL – REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL – COMUNICAÇÃO DOS BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO – PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE ESFORÇO COMUM – SUB-ROGAÇÃO – INDENIZAÇÃO TRABALHISTA – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL – REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA


– Em se tratando de união estável, à vista da ausência de contrato de convivência, em regra, comunicam-se os bens adquiridos durante a união, havendo presunção absoluta do esforço comum, ressalvadas as exceções legais de incomunicabilidade. Precedentes.


– Segundo a mais recente orientação do colendo STJ, os valores decorrentes de indenização trabalhista e os bens sub-rogados em seu lugar devem ser partilhados à proporção de 50% para cada um dos conviventes, por se tratar de direitos adquiridos durante a união (vide AgRg no AREsp 1.152/DF, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, j. em 07.05.2013, DJe de 13.05.2013).


– Na espécie, deverão ser partilhados os valores de indenização trabalhista recebida pelo apelante principal e os bens subrogados em seu lugar, bem como os bens que excederem ao valor da indigitada indenização e amealhados na constância da união, conforme se apurar em liquidação de sentença.


Apelação principal desprovida e apelação adesiva provida.


Apelação Cível nº 1.0453.06.008992-8/001 – Comarca de Novo Cruzeiro – Apelante: L.C.J. – Apelante adesiva: A.M.G.D. – 


Apelados: A.M.G.D.; L.C.J. – Relatora: Des.ª Ana Paula Caixeta


ACÓRDÃO


Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento à apelação principal e dar provimento à apelação adesiva.


Belo Horizonte, 30 de abril de 2015. – Ana Paula Caixeta – Relatora.


NOTAS TAQUIGRÁFICAS


DES.ª ANA PAULA CAIXETA – Cuida-se de apelação cível e apelação adesiva interpostas em face da sentença de f. 297/298, proferida pela MM. Juíza de Direito da Comarca de Novo Cruzeiro, Dr.ª Daniele Maciel da Silva, nos autos de ação de reconhecimento e dissolução de união estável movida por A.M.G.D. em face de L.C.J.


Adoto o relatório da sentença e acrescento que a pretensão inaugural foi julgada parcialmente procedente para: a) declarar a existência de união estável entre as partes desde meados de 1996 até março de 2006; b) declarar dissolvida a união, com a consequente partilha dos bens que excederem ao valor percebido pelo réu a título de indenização por acidente de trabalho; c) deferir a guarda definitiva dos filhos menores à autora, podendo o réu tê-los em sua companhia nos finais de semana. Os benefícios da justiça gratuita foram deferidos ao réu. Diante da sucumbência recíproca, foi determinada a compensação dos honorários de sucumbência.


Embargos declaratórios não acolhidos à f. 306-v.


Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, sustentando, em resumo, que a existência de união estável entre as partes é fato incontroverso. Argumentou que também é incontroverso que o apelante recebeu indenização por acidente de trabalho enquanto laborava nos Estados Unidos e que, em nenhum momento, alegou que os bens foram adquiridos por esforço comum. 


Aduziu que a aquisição de bens na constância da união ocorreu com numerário exclusivo de sua titularidade, decorrente de indenização por acidente de trabalho. Defendeu que a sentença determinou, em verdade, a partilha de bens que restam como saldo entre o acervo de bens do apelante e o valor da indenização por ele percebida. Pugnou pela reforma da sentença, para que seja afastado o direito da apelada à partilha de bens.


Contrarrazões apresentadas pela autora às f. 322/328, pleiteando a revogação dos benefícios da justiça gratuita deferida ao apelante e, no mérito, o desprovimento do recurso.


A autora, também insatisfeita, interpôs apelação adesiva, alegando, em síntese, que o réu, ao interpor recurso de apelação, recolheu o competente preparo, de forma que deve ser revogado o benefício da assistência judiciária deferido em seu favor pela MM. Juíza a quo. No mérito, sustentou que a sentença deve ser reformada para que lhe seja concedido direito de meação sobre o valor da indenização trabalhista percebida pelo réu, inclusive sobre os frutos dela advindos, na forma da lei civil. Colacionou entendimento jurisprudencial a corroborar suas alegações e pugnou pelo provimento do recurso.


Contrarrazões apresentadas pelo réu às f. 341/345, pelo desprovimento do apelo adesivo.


O ilustre Procurador de Justiça, Dr. Márcio Heli de Andrade, denegou intervenção no feito (f. 358/360).


Conheço da apelação e do recurso adesivo, presentes os pressupostos de admissibilidade.


Inicialmente, registro que, por serem indissociáveis, os recursos serão apreciados simultaneamente.


Compulsando os autos, observo que a autora/apelante adesiva requereu, preliminarmente, a revogação dos benefícios da justiça gratuita deferidos ao réu/apelante principal na sentença, porquanto este praticou ato incompatível com o indigitado benefício. Razão lhe assiste.


Embora na sentença tenha sido deferido o benefício da justiça gratuita ao réu, este, ao interpor recurso de apelação, procedeu ao recolhimento do preparo (f. 319), o que, na linha da jurisprudência deste eg. TJMG, se traduz em ato incompatível com o pleito de assistência judiciária, sendo justificável, portanto, a revogação do benefício dantes concedido. 


A propósito:


“Ementa: Agravo de instrumento. Pedido de justiça gratuita realizado no curso do processo. Recolhimento das custas iniciais. Ausência de comprovação de alteração da situação econômico-financeira da parte requerente. Recurso não provido. – O recolhimento das custas processuais evidencia ato incompatível com suposta hipossuficiência financeira da parte requerente, uma vez que inaugura a sua capacidade econômica em suportar as despesas processuais. […]” (TJMG – Agravo de Instrumento Cível n° 1.0024.14.147089-8/001, Relator: Des. Edilson Fernandes, 6ª Câmara Cível, j. em 16.12.2014, p. em 22.01.2015). 


“Ementa: Agravo regimental. Agravo de instrumento. Assistência judiciária. Pagamento de custas. Ato incompatível. Negado seguimento. Mantida a decisão. – O pagamento das custas é ato incompatível com o pedido de gratuidade de justiça, uma vez que elide a presunção de hipossuficiência financeira que recairia sobre a parte. – Correta a decisão que negou seguimento ao agravo em virtude do recolhimento do seu preparo, a qual deve ser mantida” (TJMG – Agravo Interno Cível 1.0145.14.024404- 0/002, Relator: Des. Pedro Bernardes, 9ª Câmara Cível, j. em 27.11.2014, p. em 09.12.2014).


“Embargos infringentes. Impugnação à gratuidade da justiça. Realização do preparo. Ato incompatível. Preclusão lógica. – O pagamento das custas recursais pela parte embargada implicou a preclusão lógica do direito de requerer a justiça gratuita, não podendo, agora, ser a parte beneficiada pelo instituto da gratuidade. – O recolhimento do preparo é ato incompatível com o pedido de gratuidade da justiça. – Recurso provido” (TJMG – Embargos infringentes 1.0105.07.214809-8/002, Relatora: Des.ª Heloisa Combat , 4ª Câmara Cível, j. em 04.11.2010, p. em 06.12.2010).


“Direito administrativo. Direito processual civil. Apelação. Preliminar posta nas contrarrazões. Tema só dedutível em defesa ou em recurso. Não conhecimento. Ação ordinária. Prêmio de produtividade. Extensão a servidores aposentados. Gratificação de natureza propter laborem. Impossibilidade. Gratuidade judiciária. Recolhimento de custas. Ato incompatível. – Não se tratando de relação jurídica de efeito unitário, não há motivo para a formação de litisconsórcio passivo necessário. – O prêmio de produtividade, instituído pela Lei estadual 15.275/04, está vinculado ao efetivo desenvolvimento de atividade pelo servidor público, tendo em vista ser gratificação propter laborem, de natureza personalíssima, sendo inviável sua extensão a servidores aposentados. – O recolhimento das custas recursais demonstra a existência de capacidade financeira da parte, constituindo ato incompatível com o benefício da gratuidade judiciária” (TJMG – Apelação Cível 1.0024.06.118522-9/001, Relator: Des. Moreira Diniz, 4ª Câmara Cível, j. em 21.02.2008, p. em 06.03.2008).


Ultrapassada a questão atinente à justiça gratuita, passo ao exame do mérito propriamente dito.


Nesse ponto, observo que as partes são acordes quanto à existência de união estável entre 1996 até março de 2006 e que a controvérsia reside apenas no que tange à partilha de bens.


Na sentença, a nobre Magistrada consignou que deve ser partilhado o patrimônio angariado pelos conviventes na constância da união que exceda ao valor da indenização trabalhista recebida pelo réu.


Em seu recurso, o réu/apelante principal defende que todo o patrimônio adquirido na constância da união é fruto da indenização trabalhista por ele auferida e que, por isso, não deve ser reconhecido direito à partilha de bens em favor da autora. A autora/apelante adesiva, por sua vez, argumenta que o valor da indenização trabalhista obtida pelo réu também deve ser partilhado.


Em se tratando de união estável havida na vigência da Lei 9.278/96 e do Código Civil de 2002, à vista da ausência de contrato escrito, em regra, aplicam-se-lhe as disposições do regime da comunhão parcial de bens, sendo presumido o esforço comum. Das lições de Maria Berenice Dias extrai-se que:


"No regime da comunhão parcial, todos os bens amealhados durante o relacionamento são considerados fruto do trabalho comum. Presume-se que foram adquiridos por colaboração mútua, passando a pertencer a ambos em partes iguais […]. Portanto, quem vive em união estável e adquire algum bem, ainda que em nome próprio, não é seu titular exclusivo. O fato de o patrimônio figurar como de propriedade de um não afasta a cotitularidade do outro […]. Constituída a união estável, instala-se a cotitularidade patrimonial, ainda que somente um dos conviventes tenha adquirido o bem […]” (Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: RT, 2012, p. 179-180). 


O colendo STJ já se manifestou sobre o tema, esclarecendo que:


“Direito civil e processual civil. União estável. Reconhecimento e dissolução. Partilha de bens. Comprovação de esforço comum. […] 1- A Lei 9.278 organiza, ou fixa, sistemática própria para a produção de provas relativas à existência de esforço comum dentro da união estável, pois cristaliza a presunção iure et de iure de que há esforço comum, fazendo incidir à questão o disposto no art. 334, IV, do CPC, quanto à desnecessidade de se provar os fatos ‘em cujo favor milita presunção legal de existência de veracidade’. 2. Pela natureza processual dessa presunção de esforço comum, aplica-se a norma desde o momento da vigência da Lei, para suprir a produção de provas quanto à existência de esforço comum, que passa, a partir de então, a ser simplesmente presumido. 3 – Recurso não provido” (REsp 1159424/RN, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Relatora p/ o acórdão: Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 05.06.2012, DJe de 19.06.2012). 


Outro não é o entendimento desta eg. 4ª Câmara Cível:


“Ementa: Apelação cível. Ação de dissolução de sociedade de fato. Acordo quanto à existência de união estável e partilha de bens. Litígio entre companheira do falecido e seus herdeiros. Partilha do imóvel rural no inventário. Direito à meação. Regime de comunhão parcial de bens (art. 1.725, cc). Imóvel adquirido por contrato de permuta. Troca por dois lotes pertencentes ao de cujus. Propriedade exclusiva em relação a um deles. Sub-rogação. Incomunicabilidade. Direito da companheira à fração de 1/4 do imóvel a ser partilhado. Sentença reformada. – No direito convivencial, ausente contrato firmado entre as partes, aplica-se o regime de comunhão parcial de bens (art. 1.725, CC). – Ao bem adquirido na constância da união estável se atribui a presunção absoluta de ter resultado de esforço comum, integrando a meação. […]” (TJMG – Apelação Cível 1.0083.13.000781-4/002, Relatora: Des.ª Heloísa Combat, 4ª Câmara Cível, j. em 22.01.2015, p. em 29.01.2015).


Tem-se, pois, que há presunção absoluta de que os bens amealhados na constância da união decorreram do esforço comum, ressalvadas as exceções legais de incomunicabilidade.


Na hipótese específica dos autos, o réu/apelante principal defende veementemente que os bens adquiridos na constância da união decorreram de indenização trabalhista por ele percebida, no valor de aproximadamente U$$170.000,00 (cento e setenta mil dólares), quando trabalhava nos Estados Unidos. Nesse sentido, tendo havido apenas sub-rogação envolvendo recursos financeiros que seriam de sua titularidade exclusiva, esses novos bens seriam incomunicáveis. 


Razão não lhe assiste.


Acerca da sub-rogação, vejam-se os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves:


"Ocorre a sub-rogação do bem quando é substituído por outro: o cônjuge o vende a terceiro e, com os valores auferidos, adquire outro bem, que substitui o primeiro em seu patrimônio particular. Leva-se em conta, portanto, a origem do valor pecuniário. A sub-rogação pode decorrer de venda ou permuta" (Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 6. Direito de família, p. 512).


Posto isso, após detido exame de todo o caderno processual, verifico que, de fato, é crível a alegação do réu no sentido de que, somente após a percepção da referida indenização trabalhista, é que foi facultado às partes adquirir o considerável patrimônio descrito na inicial.


Com efeito, é facilmente constatável que nenhum dos bens arrolados pelas partes foi adquirido anteriormente à indenização obtida pelo requerido no ano de 2003, o que leva à conclusão inexorável de que o produto do crédito trabalhista foi, sim, utilizado na aquisição desses bens.


Veja-se que, embora não tenha sido feita qualquer ressalva nas escrituras, matrículas imobiliárias e demais documentos coligidos aos autos, no sentido de que os bens foram adquiridos em sub-rogação (o que seria recomendável para afastar qualquer dúvida sobre a matéria), a partir de tudo que integra o feito, não se identifica outra fonte de renda que pudesse dar causa ao significativo patrimônio angariado após o ano de 2003, tanto que, repita-se, até lá, as partes pouco ou nada possuíam em seu domínio.


Ocorre que, ainda que os bens sub examine tenham sido adquiridos mediante sub-rogação, estes também deverão ser partilhados.


A despeito de o réu, a todo tempo, defender que o produto de indenização trabalhista por ele auferida na constância da união não seria comunicável, não compartilho desse entendimento, merecendo guarida, por outro lado, a pretensão deduzida em apelação adesiva.


Deve-se ter em vista que o recebimento de indenização trabalhista é fato incontroverso no caso dos autos, bem assim que os referidos valores refletem direitos adquiridos durante o período de convivência entre as partes, devendo, pois, ser partilhados. Hodiernamente, a melhor interpretação ao disposto no art. 1.659, VI, do CC/2002 (“Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: […]; VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;”) é a sugerida também por Carlos Roberto Gonçalves no seguinte sentido: "A expressão 'proventos' não é empregada em seu sentido técnico, mas genérico, abrangendo vencimentos, salários e quaisquer formas de remuneração. Deve-se entender, na hipótese, que não se comunica somente o direito aos aludidos proventos. Recebida a remuneração, o dinheiro ingressa no patrimônio comum. Da mesma forma os bens adquiridos com o seu produto. Em caso de separação judicial, o direito de cada qual continuar a receber o seu salário não é partilhado.


Se se interpretar que o numerário recebido não se comunica, mas somente o que for com ele adquirido, poderá esse entendimento acarretar um desequilíbrio no âmbito financeiro das relações conjugais, premiando injustamente o cônjuge que preferiu conservar em espécie os proventos do seu trabalho, em detrimento do que optou por converter suas economias em patrimônio comum" (Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 6, Direito de família, p. 515). 


Na linha do citado jurista, decidiu o colendo STJ:


“Agravo regimental em agravo (art. 544 do CPC). Separação litigiosa. Regime de comunhão parcial de bens. Partilha. Comunicabilidade dos imóveis. Súmula n° 7 do STJ. Verbas trabalhistas surgidas na constância do casamento. Direito à meação. Precedentes do STJ. Recurso do cônjuge varão, autor da ação, desprovido. […] 2. A indenização trabalhista correspondente a direitos adquiridos na constância do casamento integra o acervo patrimonial partilhável. Precedentes. […] 4. Agravo regimental desprovido” (AgRg no AREsp 1.152/DF, Relator: Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, j. em 07.05.2013, DJe de 13.05.2013).


“Recurso especial. Casamento. Comunhão universal de bens. Rendimentos do trabalho. Patrimônio particular. Indenização trabalhista. Patrimônio comum. Partilha de bens. 1. Os rendimentos do trabalho recebidos durante a vigência da sociedade conjugal integram o patrimônio comum na hipótese de dissolução do vínculo matrimonial, desde que convertida em patrimônio mensurável de qualquer espécie, imobiliário, mobiliário, direitos ou mantidos em pecúnia. 2. A indenização trabalhista recebida por um dos ex-cônjuges após a dissolução do vínculo conjugal, mas correspondente a direitos adquiridos na constância do casamento celebrado sob o regime da comunhão universal de bens, integra o patrimônio comum do casal e deve ser objeto da partilha decorrente da dissolução do vínculo conjugal. Precedentes da 2ª Seção. 3. Recurso especial provido” (REsp 861.058/MG, Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. em 05.11.2013, DJe de 21.11.2013).


No mesmo rumo, trago à baila o posicionamento deste eg. TJMG:


“Ementa: Ação de partilha posterior ao divórcio. Regime da comunhão parcial de bens. Crédito trabalhista recebido pelo exmarido. Verba correspondente a direitos adquiridos na vigência do casamento. Comunicabilidade. Partilha de dívidas. Existência.


Ausência de prova idônea. Descabimento. Recurso desprovido. – A indenização trabalhista correspondente a direitos adquiridos por um dos cônjuges durante o tempo de casamento, sob regime da comunhão parcial de bens, deve integrar a comunhão, não importando a época de seu efetivo recebimento. – Ausente prova idônea da existência, natureza e origem das dívidas alegadas por um dos cônjuges, descabe incluí-las na partilha. – Recurso desprovido” (TJMG – Apelação Cível 1.0024.10.224587-5/001, Relator: Des. Eduardo Andrade, 1ª Câmara Cível, j. em 28.10.2014, p. em 10.11.2014).


“Apelação cível. Partilha de bens. Comunhão parcial de bens. Auxílio-doença. Crédito reconhecido por sentença judicial proferida em face do INSS. Indenização trabalhista. Origem na constância do casamento. Acervo comum. – Integram o patrimônio comum, no regime de separação parcial de bens, os créditos trabalhistas obtidos na constância do casamento. – Embora provenientes originariamente do trabalho de um dos cônjuges, as economias e os créditos trabalhistas decorrem do esforço comum. – Devendo os esposos prestar assistência mútua e contribuir na medida de suas receitas para as despesas domésticas e a educação dos filhos, eventuais valores não despendidos em proveito da família devem integrar a comunhão. V.v.” (TJMG – Apelação Cível 1.0702.09.613766-7/002, Relator: Des. Dárcio Lopardi Mendes, Relatora para o acórdão: Des.ª Heloisa Combat, 4ª Câmara Cível, j. em 07.04.2011, p. em 25.05.2011).


A partir do exposto, na linha da atual jurisprudência, conclui-se que não apenas "os bens que excederem ao valor recebido pelo requerido a título de indenização por acidente de trabalho" devem ser objeto de partilha, como constou da sentença combatida, mas o próprio crédito trabalhista (e os bens sub-rogados em seu lugar), por medida de justiça, conforme se apurar em liquidação de sentença.
De mais a mais, a meu ver, a indenização auferida pelo réu não deveria ser considerada verba para os fins do art. 1.659, VI, do CC/2002, mas sim bem adquirido por fato eventual, com ou sem concurso de trabalho ou despesa anterior, comunicável na forma do art. 1.660, II, do mesmo diploma legal (“Art. 1.660. Entram na comunhão: […] II – os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior.”).


Com essas considerações, nego provimento à apelação principal e dou provimento à apelação adesiva, para: 1) revogar os benefícios da justiça gratuita deferidos ao réu; 2) determinar a partilha da indenização trabalhista obtida pelo réu (e dos bens sub-rogados em seu lugar), bem como dos bens que excederem ao valor da indigitada indenização, o que será apurado em liquidação de sentença.


Tendo em vista que a pretensão inaugural foi integralmente acolhida, condeno o réu ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários de sucumbência, estes que fixo em R$15.000,00 (quinze mil reais), nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, especialmente pelo fato de que o processo se arrasta há quase uma década.


Custas recursais, ex lege.


DES. RENATO DRESCH – Da análise feita dos autos e dos motivos e fundamentos do judicioso voto que me antecede, acompanho a ilustre Relatora.


Quanto à revogação dos benefícios da justiça gratuita deferidos pela sentença ao réu, ora apelante principal, é sabido que, para a concessão da justiça gratuita, não se exige miserabilidade, tampouco que o interessado seja um indigente; a finalidade do instituto é assegurar a igualdade de todos perante a lei, tutelando os menos favorecidos economicamente.


Assim sendo, a princípio, o deferimento dos benefícios da justiça gratuita à pessoa natural depende apenas de sua declaração nos termos da lei, de que não possui meios para arcar com as despesas do processo.


No caso dos autos, a Juíza, na sentença de f. 297/298, deferiu ao requerido os benefícios da justiça gratuita, tendo este, no entanto, efetuado o preparo regular do presente recurso de apelação (f. 319), conduta que é incompatível com a alegada miserabilidade.


Portanto, de rigor a revogação do benefício da justiça gratuita.


Em relação ao mérito, apesar da incerteza quanto à natureza da indenização recebida pelo réu, deve-se permitir a partilha, nos moldes do voto da eminente Relatora.


De fato, constam dos autos, às f. 123/156, que o réu foi vítima de acidente de trânsito durante o trabalho, quando residia nos Estados Unidos, tendo recebido uma indenização no valor aproximado de U$$170.000,00 (cento e setenta mil dólares). 


A dúvida reside quanto à natureza desta indenização, já que, em se tratando de documentos redigidos em língua estrangeira, não restou bem claro quem foi o agente pagador do valor percebido pelo réu, para se aferir se a indenização é de natureza acidentária, securitária ou trabalhista.


Sabe-se que a ação que busca receber indenização por acidente do trabalho tem por fim o ressarcimento das despesas com as internações hospitalares, operações cirúrgicas, honorários médicos, medicamentos para tratamento, bem das decorrentes da incapacidade do autor para desempenhar sua profissão. Também, na hipótese de indenização por dano moral, busca-se amenizar a dor, o sofrimento, o constrangimento indevido ou a deformidade física adquirida por quem pessoalmente o sofre. Assim, não se trata de acréscimo patrimonial a ser dividido na hipótese de desfazimento da união estável.


A ação securitária, por sua vez, decorre de contrato de seguro. Esse contrato, como se sabe, caracteriza-se pela obrigação que uma sociedade – a seguradora – assume perante uma pessoa – segurado – de indenizá-la na hipótese de ocorrência de um fato conforme previsto na apólice, sendo que, no seguro pessoal, compromete-se a seguradora a indenizar o segurado na ocorrência de acidentes pessoais que provoquem invalidez permanente ou temporária, devendo ser considerado direito personalíssimo e somente pertencente ao patrimônio do titular.


Já quanto à indenização de verbas trabalhistas, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a indenização trabalhista correspondente a direitos adquiridos durante o tempo de casamento, sob regime de comunhão parcial de bens, integra a comunhão, não importando a época de seu efetivo recebimento.


Dessa forma, mesmo não estando distinguida a origem da indenização recebida pelo réu, voto de acordo com a Relatora.


É como voto.


O SR. DES. MOREIRA DINIZ – De acordo com a Relatora.


Súmula – NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO PRINCIPAL E DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO ADESIVA.

 

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG