APELAÇÃO CÍVEL – ESCRITURA PARTICULAR DE INSTITUIÇÃO E CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO – METRAGENS DAS ÁREAS DE CADA UNIDADE – DIVERGÊNCIAS ENTRE A ESCRITURA PARTICULAR E OS DADOS CONSTANTES DO REGISTRO DE IMÓVEL – RECUSA JUSTIFICADA – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – CARACTERIZAÇÃO – REQUISITOS
– Mostra-se justificada a recusa do condômino em assinar a escritura particular de instituição e convenção de condomínio se houver diferenças consideráveis entre as metragens, ali apontadas, das áreas de cada unidade com as metragens constantes do registro imobiliário.
– A condenação por litigância de má-fé deve ser aplicada apenas à parte que, no processo, age de forma maldosa, com dolo ou culpa, causando dano processual ao adversário.
Apelação Cível nº 1.0015.07.037935-7/001 – Comarca de Além-Paraíba – Apelantes: Moval Inácio da Silva Júnior e sua mulher, Ângela de Fátima da Silva – Apelado: José Luiz Corrêa Ribeiro – Relator: Des. Maurílio Gabriel
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em rejeitar as preliminares de nulidade da sentença, por ausência de fundamentação e por cerceamento de defesa, e dar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 18 de dezembro de 2014. – Maurílio Gabriel – Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. MAURÍLIO GABRIEL – Cuida-se de “ação de obrigação de fazer c/c cominatória” ajuizada por José Luiz Corrêa Ribeiro contra Moval Inácio da Silva Júnior e Ângela de Fátima da Silva.
Após regular processamento, foi prolatada sentença que, ao julgar procedente o pedido inicial: 1º) determinou “que os requeridos Moval Inácio da Silva Júnior e Ângela de Fátima da Silva assinem a convenção de condomínio do imóvel situado na Rua Padre Manoel de Paiva, nº 54, Bairro Jardim Paraíso, nesta cidade, junto ao Registro Geral de Imóveis desta comarca, no prazo de quinze dias, sob pena de incidência de multa de R$50,00 (cinquenta reais) por dia de atraso, limitada a noventa dias”; 2º) condenou os réus no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa; e 3º) suspendeu a exigibilidade destes ônus, por se encontrarem os vencidos sob o pálio da justiça gratuita.
Inconformados, Moval Inácio da Silva Júnior e Ângela de Fátima da Silva interpuseram recurso de apelação, sustentando, preliminarmente, ser nula a sentença, por ofensa ao “inciso IX do art. 93 da Constituição Federal” e por terem sido cerceados em seu direito à ampla defesa.
No mérito, apegam-se “à judiciosa peça de bloqueio e alegações finais, que ficam fazendo parte integrativa das presentes razões”.
Acrescentam que “o papel de f. 14/16, em hipótese alguma, data maxima venia, não poderia, como não pode, servir de documento válido à pretensão exordial”.
Ressaltam que a justiça gratuita não poderia ter sido concedida ao autor, tendo em vista seu “alto padrão financeiro”.
Ao final, os apelantes pugnam pelo provimento do recurso.
Em contrarrazões, José Luiz Corrêa Ribeiro bate-se pela manutenção da sentença e requer a condenação dos réus por litigância de má-fé.
Por estarem presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
Na sentença prolatada, o ilustre Juiz da causa analisou todas as questões suscitadas pelas partes e apontou, de forma clara e fundamentada, as razões que o levaram a formar a sua convicção.
Assim, ao contrário do entendimento exposto pelos recorrentes, a sentença encontra-se devidamente fundamentada, não padecendo de vícios que pudessem desconstituí-la.
Por isso, rejeito a preliminar de nulidade da sentença, por ausência de fundamentação.
DES. TIAGO PINTO – De acordo com o Relator.
DES. PAULO MENDES ÁLVARES – De acordo com o Relator.
DES. MAURÍLIO GABRIEL – Os autores requereram a produção de prova pericial, relacionada “com o estado em que foi deixado o imóvel, em razão da decisão desse Juízo, decisão essa que ainda se encontra sub judice, na Instância Superior” (cf. f. 68).
Esse pedido foi, todavia, indeferido em decisão exarada à f. 70, que reproduzo, na parte que interessa:
“O pedido inicial limita-se a que os requeridos assinem a convenção de condomínio, sendo, pois, desnecessária a prova pericial no presente caso”.
Contra essa decisão não foi interposto o recurso pertinente, o que tornou essa matéria preclusa, não sujeita a reexame.
Por isso, não podem os réus alegar cerceamento de defesa, em decorrência da não realização da prova técnica.
Ademais, como bem ressaltado na decisão, a prova técnica se mostra totalmente impertinente na espécie.
Afasto, portanto, a preliminar de nulidade da sentença, por cerceamento de defesa.
DES. TIAGO PINTO – De acordo com o Relator.
DES. PAULO MENDES ÁLVARES – De acordo com o Relator.
DES. MAURÍLIO GABRIEL – Verifico pela certidão de registro imobiliário, anexada à f. 56, que Moval Inácio da Silva Júnior era o único proprietário de “um prédio de dois pavimentos, sendo o térreo constituído por um salão, com área construída de 70,00m2 , e o pavimento superior, por uma residência, com área construída de 70,00m2 , e o respectivo terreno medindo 12m2 por 8,20m2, área de 98,40m2, situados na Rua Padre Manoel de Paiva, nº 54, Jardim Paraíso”, na cidade de Além-Paraíba.
Em junho de 2004, José Luiz Corrêa Ribeiro, autor da presente ação, arrematou judicialmente o referido salão, localizado no pavimento térreo do referido prédio, com a área construída de 70,00m2, como se vê pela carta de arrematação anexada à f. 5.
Posteriormente, em março de 2007, o arrematante foi imitido na posse do referido salão, como se vê pelo mandado e pelo auto de imissão anexados às f. 7/8, onde restou novamente consignado que o bem possuía a área de 70,00m2.
Essa metragem é exatamente aquela mencionada na petição inicial da ação de imissão de posse, como se vê do relatório consignado na sentença ali prolatada (cf. f. 9/12).
Estabeleceu-se, assim, condomínio entre as partes, com o autor sendo proprietário do salão (pavimento térreo), com 70m2, e os réus sendo proprietários da área residencial (pavimento superior), também com a área construída de 70m2.
Por isso e com a presente ação, busca o autor obrigar os réus a assinarem a escritura particular de instituição e convenção de condomínio, que, devidamente assinada por ele e por sua esposa, foi anexada à petição inicial (cf. f. 14 e seguintes).
Nessa escritura particular ficou consignado que o salão, de propriedade do autor, tem “área construída de 96m2 (f. 14) e que a residência (pavimento superior), de propriedade dos réus, possui a “área construída de 109m2” (f. 15).
Essas metragens divergem, todavia, daquelas consignadas no registro imobiliário e nos diversos documentos acima mencionados.
Na mesma escritura particular, atribuiu-se ao autor a “fração ideal de 0,3252 do terreno” (f. 14) e aos réus, a “fração ideal de 0,6748 do terreno”.
Não se apontou como se chegou ao cálculo dessas frações ideais, que, evidentemente, não correspondem às áreas construídas de cada pavimento do prédio.
As divergências e as dúvidas apontadas justificam a recusa dos réus em assinar a escritura particular de instituição e convenção de condomínio, pois não se pode obrigá-los a assinar escritura que apresenta as apontadas divergências em relação aos dados consignados no registro imobiliário do imóvel em questão.
Impõe-se, portanto, a reforma da sentença, pois se mostra justificada a recusa dos condôminos em assinar a escritura particular de instituição e convenção de condomínio se houver diferenças consideráveis entre as metragens, ali apontadas, das áreas de cada unidade com as metragens constantes do registro imobiliário.
Nesse sentido e em caso análogo:
“Apelação cível. Ação declaratória de suprimento. Desmembramento de imóvel. Recusa da ré em assinar convenção de condomínio. Existência de divergências sobre a medida da área. Recusa considerada justificada. Recurso improvido. – É justificada a recusa da ré em assinar os documentos apresentados pelos autores, em razão da existência de divergência nas medidas apresentadas do imóvel na planta elaborada pelos autores. – Não há nos autos qualquer manifestação formal da ré, anuindo com a descrição da área do imóvel, sendo claro que, se não houvesse qualquer tipo de dúvidas acerca das medidas do imóvel, a mesma já teria assinado os documentos requeridos pelos autores. – Sendo requisito a existência de convenção para viabilizar o desmembramento do imóvel, deveriam os apelantes ter trazido aos autos a sua minuta, a fim de subsidiar o seu pedido e demonstrar perante o Juízo a certeza de que nenhum interesse das partes estaria sendo ferido, sendo exatamente esse o receio da ré” (Apelação Cível nº 1.0313.08.245624-2/001 – 14ª Câmara Cível – TJMG – Relatora: Des.ª Hilda Teixeira da Costa – j. em 02.09.2010 – p. em 05.10.2010).
Anoto, ainda, que, em rigor, o autor busca compelir os réus a emitir declaração de vontade, e, não, a cumprir obrigação de fazer, e que, assim, o pleito inicial, se acolhido – o que não é o caso destes autos -, deveria ser cumprido na forma prevista no art. 466- A do Código de Processo Civil, e não mediante imposição de multa.
Pretendem, ainda, os recorrentes a revogação dos benefícios da assistência judiciária concedidos ao autor-apelado.
Essa matéria, todavia, foi objeto de incidente próprio (Feito nº 0015.07.039444-8 – cf. autos apensados a este), em que, através de sentença transitada em julgado, foram mantidos os benefícios concedidos ao autor.
Essa questão não pode, portanto, ser reexaminada, sem que fossem apresentados fatos novos, o que não ocorreu na espécie.
A litigância de má-fé deve ser aplicada à parte que, no processo, age de forma maldosa, com dolo ou culpa, causando dano processual ao adversário.
Assim, a referida penalidade se aplica ao demandante que se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer, ou que, sabendo ser difícil ou impossível vencer, prolonga deliberadamente o andamento do processo, descumprindo o dever de lealdade processual estampado no Código de Processo Civil.
Na espécie em exame, não se configuram tais situações, o que afasta a incidência do art. 17 do Código de Processo Civil, como postulado pelo recorrido nas contrarrazões recursais.
Com essas considerações, dou provimento ao recurso para julgar improcedente o pedido inicial.
Condeno o autor a pagar as custas, inclusive as recursais, e os honorários do advogado dos réus, que arbitro em R$500,00 (quinhentos reais). Fica, todavia, suspensa a exigibilidade deste ônus, por se achar o vencido amparado pela assistência judiciária.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Tiago Pinto e Paulo Mendes Álvares.
Súmula – REJEITARAM AS PRELIMINARES DE NULIDADE DA SENTENÇA, POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO E POR CERCEAMENTO DE DEFESA, E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG