APELAÇÃO CÍVEL – FAMÍLIA – NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA – INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO – EXAME DE DNA
– A coisa julgada deve ser relativizada se na ação anterior não foi possível a comprovação do vínculo genético existente entre as partes, nos termos do que restou decidido no RE nº 363.889/DF, reconhecida a repercussão geral.
– Comprovada a não existência de vínculo biológico por exame de DNA, deve-se excluir a paternidade.
Apelação Cível nº 1.0243.07.005626-8/001 – Comarca de Espinosa – Apelante: R.O.A.D.C., assistido pela mãe F.A.D. – Apelado: E.P.C. – Relator: Des. Oliveira Firmo
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 21 de maio de 2013. – Oliveira Firmo – Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. OLIVEIRA FIRMO – I – Relatório.
1. Trata-se de apelação interposta por R.O.A.D.C., representado por sua mãe F.A.D., contra sentença (f. 60/64) que, nos autos da ação negatória de paternidade proposta em face de si por E.P.C., julgou procedente o pedido inicial para declarar que E.P.C. não é o pai de R.O.A.D.C., determinando a exclusão da paternidade no registro de nascimento.
2. O apelante alega, preliminarmente, a violação à coisa julgada material. No mérito, aduz, em síntese, que: a) – o exame de DNA realizado é absolutamente duvidoso, uma vez que realizado extrajudicialmente; b) – o apelado deveria indicar quem seria o pai do apelante. Requer o provimento do recurso para extinguir o feito por existência de coisa julgada e, eventualmente, ser julgado improcedente o pedido inicial (f. 65/68).
3. Contrarrazões, pela manutenção da sentença (f. 70/75).
4. O Ministério Público é pela rejeição da preliminar e não provimento do recurso (f. 81/90).
5. Preparo: parte isenta (art. 10, II, da Lei Estadual nº 14.939/2003).
É o relatório.
II – Juízo de admissibilidade.
6. Vistos os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação.
III – Preliminar.
7. Alega o apelante a existência de coisa julgada material, uma vez que a paternidade em questão já foi objeto de outra ação, decidida por sentença já transitada em julgado.
8. Em ação de investigação de paternidade, "não foi possível a realização da prova pericial – exame de DNA -, uma vez não ter sido localizado o réu para a coleta do material" (f. 21). Destarte, ouvidas as testemunhas que comprovaram a existência de relacionamento entre a mãe do apelante e o apelado, foi declarado que E. era o pai de R. (f. 21/24).
9. Nesta ação negatória de paternidade, apresentado o exame de DNA realizado com o pai, o menor e a mãe, constatou-se que E. não é o pai biológico de R.
10. Registro que, embora alegada a falsidade do referido exame e requerida a realização de DNA pelo representante do Ministério Público (f. 28v.), a mãe do menor não concordou em fazê-lo, ao contrário do suposto pai (f. 32).
11. Não se descura que a decisão que reconheceu a paternidade aqui discutida transitou em julgado. Tampouco, que há a presunção de verdade dos fatos, tendo em vista a recusa da pessoa a se submeter a exame para prova deles (arts. 231 e 232 do CC).
“Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa”.
“Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame”.
12. Contudo, em questões de família que demandam a investigação de vínculo paterno anteriormente reconhecido apenas por prova testemunhal, admite-se a relativização da coisa julgada, tendo em vista a existência de exame de material genético que demonstra a verdade real sobre a paternidade biológica.
13. Lado outro, tem-se que, na ação de investigação de paternidade, não houve a recusa do apelado a se submeter ao exame de DNA. Na sentença, restou consignado que o apelado não foi localizado para a coleta do material, sem indicar o motivo (f. 21). Ao contrário do apelante, que, nesta ação negatória, não concordou com a realização do exame (f. 32).
14. Além, tem-se que restou decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no RE nº 363.889/DF, em que foi reconhecida a existência de repercussão geral, que a coisa julgada deve ser relativizada em ações de investigação de paternidade em que não foi possível a determinação de vínculo biológico, uma vez que não foi realizado o DNA, sob a seguinte ementa:
“Recurso extraordinário. Direito processual civil e constitucional. Repercussão geral reconhecida. Ação de investigação de paternidade declarada extinta, com fundamento em coisa julgada, em razão da existência de anterior demanda em que não foi possível a realização de exame de DNA, por ser o autor beneficiário da justiça gratuita e por não ter o Estado providenciado a sua realização. Repropositura da ação. Possibilidade, em respeito à prevalência do direito fundamental à busca da identidade genética do ser, como emanação de seu direito de personalidade.
1. É dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão de a parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova.
2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo.
3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável.
4. Hipótese em que não há disputa de paternidade de cunho biológico, em confronto com outra, de cunho afetivo. Busca-se o reconhecimento de paternidade com relação à pessoa identificada.
5. Recursos extraordinários conhecidos e providos”.
15. Afasto a preliminar.
IV – Mérito.
16. Os filhos têm o direito de ter reconhecida, a qualquer tempo, a paternidade biológica. Sem embargo, não se justifica a alegação de que não foi indicado pelo apelado um suposto pai para o apelante, como condição para a negativa de paternidade.
17. Salienta-se que, com a exclusão da paternidade do apelado, será propiciado ao apelante a possibilidade de conhecer seu verdadeiro pai biológico, que poderá, naturalmente, vir a se tornar seu pai afetivo.
18. Ademais, embora o apelante insista na alegação de falsidade do exame de DNA juntado aos autos, sem ter interposto qualquer incidente, tem-se que sua negativa em submeter-se a novo exame gera a presunção de verdade daquele (arts. 231 e 232 do CC).
V – Conclusão
19. Posto isso, nego provimento à apelação.
20. Custas: apelante: isento (art. 10, II, da Lei nº 14.939/2003).
É o voto.
DES. WASHINGTON FERREIRA – De acordo com o Relator.
DES. WANDER MAROTTA – De acordo com o Relator.
Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG