Jurisprudência mineira – Apelação cível – Usucapião especial urbano – Imóvel havido por herança – Comunhão com os demais herdeiros da autora da herança

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL – INTEMPESTIVIDADE – NÃO VERIFICAÇÃO – USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO – IMÓVEL HAVIDO POR HERANÇA – COMUNHÃO COM OS DEMAIS HERDEIROS DA AUTORA DA HERANÇA – OCUPAÇÃO DO BEM POR ATO DE MERA LIBERALIDADE – AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI.

– Tendo sido a apelação interposta dentro do prazo recursal, não há se cogitar de intempestividade. A usucapião traduz modo de aquisição originária da propriedade, sendo certo que o reconhecimento da condição de proprietário ao possuidor exige, dentre outros requisitos legais, o exercício da posse com ânimo de dono, que não se configura, quando o prescribente ocupa o imóvel a título precário, por ato de mera liberalidade dos compossuidores, em razão de estreita relação familiar.

Apelação Cível Nº 1.0287.12.005592-9/001 – Comarca de Guaxupé – Autor: José Benedito Luiz – Apelada: Gláucia Aparecida da Silva Jesus – Relatora: Des.ª Jaqueline Calábria Albuquerque

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em rejeitar preliminar e negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 16 de dezembro de 2020. – Jaqueline Calábria Albuquerque – Relatora.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES.ª JAQUELINE CALÁBRIA ALBUQUERQUE – Cuida-se de apelação interposta por José Benedito Luiz contra a r. sentença reproduzida no documento nº de ordem 17, proferida nos autos da ação de usucapião ajuizada em desfavor de Gláucia Aparecida da Silva Jesus, que julgou improcedente o pedido, condenando o autor ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% sobre o valor da causa, suspensa, contudo, a sua exigibilidade, por se encontrar sob os auspícios da gratuidade da justiça.

Irresignado, pretende o apelante a reforma do r. decisum, sustentando, em resumo, que a prova oral coligida demonstra que exerceu posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel usucapiendo pelo lapso temporal previsto em lei. Por sua vez, a demonstração de que realizou obras no imóvel comprova a satisfação do requisito concernente ao “ânimo de dono”, posto que não se afigura crível supor que alguém proceda à realização de obras em imóvel sem o intuito de nele permanecer. Argumenta que o não pagamento de tributos incidentes sobre o imóvel não tem o condão de afastar tal constatação (evento nº de ordem 20).

Regularmente intimada, a apelada ofertou contraminuta, erigindo preliminar de não conhecimento do recurso, por intempestividade. No mérito, em evidente infirmação, pugna pelo seu desprovimento (doc. nº de ordem 23).

Ausente o preparo, por se encontrar o apelante sob os auspícios da gratuidade da justiça.

No essencial, é o relatório.

Havendo preliminar de não conhecimento do recurso, trazida em contraminuta, passo ao seu exame.

Preliminar.

Não conhecimento do recurso – intempestividade.

Suscita a apelada prefacial de não conhecimento do recurso, por intempestividade.

Rogata venia, sem razão.

Verifica-se que a r. sentença hostilizada foi disponibilizada no Diário do Judiciário Eletrônico, em 25/6/2018 (segunda-feira), considerando-se, pois, publicada em 26/6/2018 (terça-feira), sendo o prazo recursal deflagrado em 27/6/2018 (quarta-feira), primeiro dia útil subsequente, esvaindo-se, portanto, em 17/7/2018, data da interposição deste recurso.

Logo, não há se cogitar de extemporaneidade.

Sob tal enfoque, rejeito a preliminar.

.
Admissibilidade.

Satisfeitos os demais pressupostos que regem a sua admissibilidade, conheço do recurso.

Mérito.

Ressai dos autos que o ora apelante, em 19/6/2012, intentou a presente ação, pretendendo a declaração da prescrição aquisitiva de fração correspondente a 155,78 m² do imóvel situado na Rua Borba Gato, n° 20, Bairro Recreio dos Bandeirantes, Guaxupé/MG, sustentando que se encontra na posse do referido bem há 28 (vinte e oito) anos, sem jamais sofrer qualquer tipo de reivindicação.

Contrapõe a requerida que o autor, sobrinho seu, ocupa o imóvel a título de mera liberalidade dos demais herdeiros/compossuidores, os quais permitiram que ali permanecesse até que sobreviesse a sua partilha, a ser homologada em inventário da sua genitora, falecida em 20/5/2004, ainda em curso por ocasião da propositura da ação.

Sobreveio sentença julgando improcedente a pretensão autoral, à consideração de que, além de não ter preenchido o requisito atinente ao lapso temporal, igualmente não comprovou que exerce posse com ânimo de dono, posto que, após o falecimento da sua avó, continuou a residir no imóvel por ato de mera liberalidade dos demais herdeiros.

Rogata venia, tenho que inexistem motivos que possam desautorizar a conclusão vertida na r. sentença hostilizada.
Com efeito, tem-se que doutrina e jurisprudência há muito vêm admitindo a possibilidade de o condômino adquirir a propriedade do imóvel comum através de usucapião, porém, desde que prove o exercício da posse com exclusividade, pelo tempo necessário à declaração da prescrição aquisitiva e, principalmente, como se dono fosse.

Esta é a lição de Benedito Silvério Ribeiro, litteris:

“O herdeiro ou condômino que pretender usucapir contra os consortes precisa alegar e provar que cessou de fato a composse, estabelecendo-se posse exclusiva pelo tempo necessário à usucapião extraordinária, com os demais requisitos que esta requer” (Tratado de Usucapião, São Paulo: Saraiva, 1992, p. 284).

In casu, verifica-se que se cuida de imóvel herdado pelo réu, juntamente com os demais litisconsortes passivos, em virtude do falecimento de sua avó, com quem residia até então, o que, diga-se de passagem, é muito comum em relações familiares, longe, contudo, de significar renúncia pelo proprietário da sua condição de titular do domínio.

Aliás, tal circunstância foi expressamente reconhecida pelo apelante em seu depoimento pessoal, verbis: “que morava no local juntamente com sua avó, Maria Rita de Jesus, a qual faleceu no ano de 2004, tendo o depoente permanecido no local” (evento nº de ordem 07, f. 152).

E exatamente por se tratar de usucapião de coisa comum, onde a utilização exclusiva por um dos compossuidores costuma ocorrer por força de circunstâncias peculiares que envolvem as partes, como na hipótese em apreço – na qual o autor já era ocupante do imóvel na companhia de sua avó, todos envolvidos por relação de parentesco com os litisconsortes passivos da ação – a menos que o possuidor demonstre, com robustez, a existência de animus domini sobre a parte comum da coisa usucapienda, deve-se concluir pela ausência desse requisito, presumindo-se o exercício da posse mediante consentimento dos compossuidores/proprietários, por simples tolerância, que não pode representar posse exclusiva sem resistência.

Em outras palavras, tratando-se de bem cedido mediante relações familiares, nas quais a cumplicidade e a confiança entre as pessoas exercem um papel sobremaneira importante, há que se presumir a inexistência de animus domini, cabendo ao prescribente trazer prova inequívoca de sua posse qualificada.

A respeito, a jurisprudência deste egrégio Tribunal de Justiça:

“Civil e processo civil. Apelação cível. Ação de usucapião extraordinária. Posse ad usucapionem. Ocupação do bem por ato de permissão. Ausência do exercício da referida posse com animus domini. Requisitos não preenchidos. Sentença confirmada. – O art. 550 do CC/16 trata da usucapião extraordinária, na qual a prescrição aquisitiva independe de justo título ou boa-fé, sendo esta a única modalidade que poderia amparar o desiderato dos autores, já que despidos de documento que lhes garantiria a propriedade do imóvel que se pretende demarcar. – De acordo com o art. 550 do CC/16, os requisitos necessários à usucapião extraordinária de bem imóvel são: a) posse ad usucapionem, classificada como aquela exercida com ânimo de dono e capaz de deferir ao seu titular a prescrição aquisitiva da coisa, gerando o seu domínio; b) inexistência de oposição ou resistência, isto é, posse mansa e pacífica; e c) lapso temporal vintenário. A posse ad usucapionem conjuga os requisitos da continuidade (a posse não pode sofrer interrupções); da incontestabilidade e da pacificidade (inexistência de oposição ou resistência, isto é, posse mansa e pacífica); e do animus domini (o possuidor deve agir como se dono fosse). Se a parte autora ocupava o imóvel a título precário, por ato de permissão – tendo em vista que sabedora da situação inaugural do bem, de posse/propriedade de seu familiar – tendo passado a exercer a referida posse, após o falecimento dele, por ato de tolerância dos herdeiros, não há exercício da posse com animus domini, pelo que imperativa a improcedência da pretensão” (Apelação Cível nº 1.0183.11.017043-2/003, Rel. Otávio Portes, j. 19/7/2017).

“Usucapião extraordinário. Imóvel havido por herança. Posse exclusiva de um dos condôminos. Ausência de animus domini. Permissão ou tolerância da outra herdeira. Relação familiar. Dentre os requisitos necessários para o reconhecimento da prescrição aquisitiva sobre imóvel, há o exercício da posse com ânimo de dono. Trata-se de requisito psíquico o qual se traduz em atos inequívocos da vontade de conduzir-se proprietário do bem. A intenção de adquirir a área usucapienda da outra herdeira é incompatível com o animus domini. A transmutação da natureza precária da posse pelo decurso do tempo, embora seja possível, depende da comprovação do litigante, pois não ocorre de forma automática. Fortes indícios de que a posse do requerente decorreu de ato de mera tolerância ou permissão da condômina, em razão de estreita relação familiar, levam à improcedência do pedido” (Apelação Cível nº 1.0570.11.001533-8/001, Rel. Des. Estevão Lucchesi, j. 6/7/2017).

À luz de tais premissas e considerando que, na hipótese sub judice, o autor/apelante não logrou comprovar o exercício da posse com ânimo de dono, sendo certo que o fato de promover reforma no imóvel está longe de comprovar tal circunstância, mesmo porque ao nele residir por quase trinta anos era mesmo de esperar que necessitasse de reformas para permitir continuasse sendo habitado, impõe-se mesmo reconhecer que não preencheu os requisitos para obter a declaração de prescrição aquisitiva do bem.

Soma-se a isso, ainda, o fato de que, consoante bem pontuou o douto sentenciante, “o requerente sequer possui a posse do imóvel para fins de usucapião por cinco anos conforme alega na inicial, uma vez que, entre a morte da avó, com quem residia, em 20 de maio de 2004, e o ajuizamento da ação de inventário, para a qual foi citado em 03 de novembro de 2008 (f. 44 do inventário), ainda não havia transcorrido o prazo quinquenal exigido para tanto.”

Como se não bastasse, o autor ainda admitiu em seu depoimento pessoal que “recebeu uma notificação da requerida Gláucia, na qual a mesma cientificava o depoente de que havia comprado as partes ideais do imóvel dos demais herdeiros”, pelo que, nessas circunstâncias, impõe-se admitir que tampouco há se cogitar do exercício de posse mansa e pacífica sobre o bem.

Destarte, sob qualquer ângulo que se divise a questão, forçoso reconhecer que o autor/apelante não preencheu os requisitos autorizadores da declaração da prescrição aquisitiva do imóvel descrito na peça de ingresso.

Com tais razões de decidir, rejeito a preliminar e nego provimento ao recurso, mantendo-se incólume a r. sentença hostilizada, pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.

Majoram-se em 2% (dois por cento) os honorários advocatícios anteriormente arbitrados, na forma do art. 85, § 11, do CPC.

Custas recursais pelo apelante, observada a gratuidade da justiça.

Votaram de acordo com a Relatora o Desembargador Álvares Cabral da Silva e o JD. Convocado Marcelo Pereira da Silva.

Súmula – REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG