Jurisprudência mineira – Apelação – Suscitação de dúvida – Lavratura de escritura de tradição dominial – Desrespeito ao módulo rural – Consolidação da propriedade por registro antecedente – Recurso provido

APELAÇÃO – SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA – LAVRATURA DE ESCRITURA PÚBLICA DE TRADIÇÃO DOMINIAL – DESRESPEITO AO MÓDULO RURAL – IMPOSSIBILIDADE – CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE POR REGISTRO ANTECEDENTE – SITUAÇÃO DE FATO NÃO CONSTATADA – RECURSO PROVIDO


– A busca pelo desmembramento de bem imóvel deve sempre observar o tamanho mínimo do módulo rural, na forma da Lei nº 4.504/64, que dispõe sobre o Estatuto da Terra.


– Constatado no feito que o caso em exame não se refere à tradição de área inferior ao módulo rural já anteriormente vendida e registrada, mas de novo desmembramento sem relação com os registros imobiliários já escriturados e convalidados, a vedação do ato pretendido é medida que se impõe.


Recurso provido.


Apelação Cível nº 1.0106.15.004961-2/001 – Comarca de Cambuí – Apelante: Ministério Público do Estado de Minas Gerais – Apelado: Tabelião de Notas de Cambuí – Interessados: Verônica Priscila dos Santos Almeida, Maria Aparecida Nunes, Joaquim Aparecido de Almeida, Roberto Losinfeldt – Relator: Des. Ronaldo Claret de Moraes (Juiz de Direito convocado) 


ACÓRDÃO


Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento ao recurso.


Belo Horizonte, 5 de julho de 2016. – Ronaldo Claret de Moraes (Juiz de Direito convocado) – Relator.


NOTAS TAQUIGRÁFICAS


RONALDO CLARET DE MORAES (JUIZ DE DIREITO CONVOCADO) – Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra a sentença de f. 15/18, que julgou procedente a presente dúvida suscitada por Kíldare Oliveira Teixeira, delegatário do Segundo Serviço Notarial da Comarca de Cambuí, para autorizar a lavratura de escritura pública para o trespasse dominial do imóvel registrado no R. 21 da Matrícula nº 44 do Cartório de Registro de Imóveis de Cambuí, independentemente de sua dimensão inferior ao módulo rural.


Aduz o recorrente, em síntese, que o fundamento da decisão, no sentido de se admitir a convalidação de fracionamento já consolidado por registro imobiliário, vai de encontro com a expressa vedação constante no Estatuto da Terra; que todos os atos afrontadores da referida norma são nulos de pleno direito, não podendo, em consequência, ser invocada a convalidação; que a prática conhecida como “chacreamento” deve ser coibida; que a sentença deve ser reformada, a fim de que remanesça vedada a lavratura da escritura pretendida (f. 20/23).


Parecer ministerial à f. 31, opinando pelo provimento do recurso.


É o relatório.


Conheço do recurso, por estarem presentes os pressupostos legais.


De acordo com a “Certidão de Qualificação Negativa de Negócio Jurídico” de f. 05/07, cinge-se a presente suscitação de dúvida à definição da possibilidade de lavratura de escritura pública para o trespasse dominial de 0,31304468114% de um terreno rural com área total de 72,29 hectares, equivalente a 0,22,63 ares (vinte e dois ares e sessenta e três centiares) ou 2.263,00 metros quadrados, situado no Bairro Vargem da Ponte, no Município de Córrego do Bom Jesus/MG, registrado sob o R. 21 da Matrícula nº 44 do Cartório de Registro de Imóveis de Cambuí.


A lavratura referida foi permitida pela sentença ora em espeque, com base no fato de que a pequenez da dimensão da referida área rural já está convalidada ante o seu registro no Cartório de Registro de Imóveis, não havendo qualquer notícia de que o referido registro esteja sendo questionado na via própria.


Com a vênia respeitosa devida ao ilustrado convencimento motivado externado em primeiro grau, tenho que a sentença merece a reforma aspirada nesta instância julgadora.


De acordo com a certidão imobiliária de f. 08, o postulante à lavratura da debatida escritura adquiriu, em 18.11.2010, a fração de 5,45580301563% de gleba rural com área total de 72,29 hectares, situada no Bairro Vargem da Ponte, Município de Córrego do Bom Jesus, tendo a referida aquisição sido registrada como R. 21 da Matrícula nº 44 do Cartório de Registro de Imóveis de Cambuí (item A).


Vê-se da comentada certidão, ainda, que o proprietário vendeu a área de 0,0373 ares, conforme R. 22 (item B), e vendeu a área de 0,1308 ares, conforme R. 23 (item C).


Logo, emerge da certidão imobiliária que a propriedade do aspirante a vendedor, originariamente equivalente a quase 5,46% de72,29 hectares (quase 3,94 hectares), já teve duas pequenas glebas desmembradas, vendidas e registradas (0,0373 e 0,1308 ares), e agora é objeto de nova pretensão de desmembramento e venda de 22,63 ares.


Assim, a situação fática ora enfrentada não se confunde com a condição de convalidação descrita na sentença examinada, pois a área a ser vendida não se afigura como o único objeto da matrícula imobiliária ostentada pelo aspirante a vendedor. Não se pode perder de vista, por pertinente, a conclusão jurisdicional de que a consolidação imobiliária de área inferior ao módulo rural tem verossimilhança suficiente para o acolhimento da pretensão de alienação posterior. 


Todavia, a situação retratada nos autos se afigura distinta da premissa comentada.


Ao postular um novo desmembramento da gleba maior, haja vista que a área objeto da pretensão de negociação não corresponde a nenhum registro dissociado da propriedade principal, em verdade busca o proprietário se afastar da necessidade de respeito ao módulo mínimo estabelecido na Lei nº 4.504/64, que dispõe sobre o Estatuto da Terra:


“Art. 65. O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural.


§ 1° Em caso de sucessão causa mortis e nas partilhas judiciais ou amigáveis, não se poderão dividir imóveis em áreas inferiores às da dimensão do módulo de propriedade rural.


§ 2º Os herdeiros ou os legatários, que adquirirem por sucessão o domínio de imóveis rurais, não poderão dividi-los em outros de dimensão inferior ao módulo de propriedade rural.


§ 3º No caso de um ou mais herdeiros ou legatários desejar explorar as terras assim havidas, o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária poderá prover no sentido de o requerente ou requerentes obterem financiamentos que lhes facultem o numerário para indenizar os demais condôminos.


§ 4° O financiamento referido no parágrafo anterior só poderá ser concedido mediante prova de que o requerente não possui recursos para adquirir o respectivo lote.


§ 5º Não se aplica o disposto no caput deste artigo aos parcelamentos de imóveis rurais em dimensão inferior à do módulo, fixada pelo órgão fundiário federal, quando promovidos pelo Poder Público, em programas oficiais de apoio à atividade agrícola familiar, cujos beneficiários sejam agricultores que não possuam outro imóvel rural ou urbano. (Incluído pela Lei nº 11.446, de 2007)


§ 6º Nenhum imóvel rural adquirido na forma do § 5º deste artigo poderá ser desmembrado ou dividido (Incluído pela Lei nº 11.446, de 2007)”.


Logo, incontroversa a pequenez da gleba negociada à luz do módulo rural vigente na região, a reforma da sentença em exame é medida que se impõe, à luz da inadmissibilidade do desmembramento objeto da dúvida suscitada. 


Nesse sentido:


“Dúvida suscitada por oficial de registro de imóveis. Registro de imóveis com área inferior ao módulo rural permitido na região. Inadmissibilidade. – O ato de transmissão de imóvel rural com área inferior à fração mínima permitida (módulo rural), seja inter vivos ou mortis causa, será considerado nulo, sendo vedada e impossível a efetivação do registro, salvo em casos excepcionais e com a expressa autorização do Incra” (TJMG – Apelação Cível 1.0610.10.000021-1/001 – Relator: Des. Wander Marotta – 7ª Câmara Cível – j. em 24.04.2012 – p. em 04.05.2012).


Pelo exposto, dou provimento ao recurso e reformo a sentença analisada para declarar a impossibilidade de registro da escritura pública pretendida (f. 05/07), haja vista o patenteado desrespeito ao tamanho mínimo do módulo rural.


Sem custas.


É como voto.


Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Yeda Athias e Audebert Delage.


Súmula – RECURSO PROVIDO.

 

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG