Jurisprudência mineira – Embargos infringentes – Inventário – Terceiro interessado – Apuração de haveres para fins de partilha – Prevalência da decisão homologatória da partilha

EMBARGOS INFRINGENTES – INVENTÁRIO – TERCEIRO INTERESSADO – SOCIEDADE COMERCIAL – APURAÇÃO DE HAVERES PARA FINS DE PARTILHA – DISPOSIÇÃO HEREDITÁRIA CONSTANTE DO CONTRATO SOCIAL – QUESTÃO DE ALTA INDAGAÇÃO – PREVALÊNCIA DA DECISÃO HOMOLOGATÓRIA DA PARTILHA


– A existência, no contrato social da sociedade comercial, da possibilidade de admissão dos herdeiros na sociedade sustenta a homologação da partilha envolvendo as cotas sociais, não fosse o fato de que a sociedade não tem direito de fazer oposição à participação societária, mas tão somente os sócios remanescentes.


– Não fosse por isso, a virtual colisão entre o interesse do sócio remanescente e dos herdeiros, com ou sem a extinção da sociedade comercial, envolve questão de alta indagação que não deve ser objeto de discussão no inventário, impondo-se a partilha das cotas sociais para que virtuais oposições sejam feitas nas vias ordinárias.


Embargos infringentes acolhidos.


Embargos Infringentes nº 1.0434.11.000191-5/005 – Comarca de Monte Sião – Embargante: Espólio de Antônio Daldosso, representado pelo inventariante Carlos Alberto Daldosso – Embargada: Porcelana Monte Sião Ltda. – Relator: Des. Judimar Biber


ACÓRDÃO


Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em acolher os embargos infringentes.


Belo Horizonte, 9 de outubro de 2014. – Judimar Biber – Relator.


NOTAS TAQUIGRÁFICAS


DES. JUDIMAR BIBER – Trata-se de embargos infringentes opostos contra o acórdão de f. 446/469 que, por maioria de votos, deu provimento ao recurso de apelação para determinar a retificação do plano de partilha homologado pelo Juízo, para que o direito hereditário dos herdeiros não recaísse nas cotas sociais da sociedade de que participava o de cujus, mas sobre os haveres apurados da sociedade.


A decisão prevalente foi produzida pelo Des. Jair Varão e acompanhada pelo Des. Kildare Carvalho, divergindo a Des.ª Albergaria Costa, que negava provimento ao recurso de apelação, para manter a decisão homologatória.


Admitidos os embargos infringentes, vieram aos autos contrarrazões em que se sustenta a necessidade de manutenção da decisão de maioria, fazendo considerações sobre o tema decidido.


É o breve relatório.


Passo ao voto.


O recurso é regular, dele conheço.


Em que pese a posição de maioria acerca das condições legais, o que vejo dos autos é que a decisão que homologou o acordo envolvendo a transposição das cotas sociais da sociedade comercial é válida em face das condições da cláusula décima terceira do contrato social, que antevia, na hipótese de falecimento de um dos sócios, a possibilidade de continuidade da empresa, o que, portanto, suporia a aplicação das condições do art. 1.028, I, do Código Civil.


De fato, após palmilhar os autos, não cheguei a outra conclusão senão àquela que declinou a Des.ª Albergaria Costa, no sentido de que o contrato social da empresa, datado de 1959, dispôs, expressamente, que, "no caso de falecimento dos sócios, seus herdeiros poderão continuar na firma" (f. 28), e as alterações contratuais posteriores juntadas aos autos traziam a disposição idêntica ou semelhante à de que "ficam vigorando, em seu inteiro teor, todas as demais cláusulas de que é composto o contrato social da Porcelana Monte Sião Ltda., e que não foram modificadas por este instrumento de alteração contratual e nem o contrariam" (f. 343).


De outro lado, a alteração contratual produzida no ano de 1960, registrada na Junta Comercial sob o nº 109.902, contida às f. 182/183 dos autos, e que foi indicada como óbice para a partilha homologada, não sustenta a suposta modificação contratual, porque, ao não dispor sobre o tema e não afastar as demais condições existentes no contrato social vigente, naquela oportunidade, não permitira a exegese no sentido de que a própria condição contratual anteriormente existente fosse revogada pela mutação produzida.


Ao contrário das ponderações do embargado, a pontual modificação contratual que nada disponha sobre as demais condições até então existentes no contrato social não tem o condão de impor modificações pontuais, não havendo, como pretende fazer crer o apelante, qualquer tipo de consolidação do contrato, mas tão somente disposições que foram agregadas ao contrato existente, mantendo vivas as condições que com ela não conflitassem, mormente aquela que dispunha sobre o falecimento de um dos sócios.


Finalmente, as demais modificações contratuais trazidas a lume aos autos já sustentariam o contrassenso derivado da alegação, porque as sucessivas modificações contratuais admitiriam a alienação das cotas sociais a terceiro, prenunciado apenas o direito de preferência, o que, portanto, sustenta a transposição hereditária das cotas sociais, remetendo-se para as vias ordinárias o virtual interesse dos sócios remanescentes.


É por isso mesmo que tenho insistido em alguns julgados desta mesma Câmara, que a sociedade não teria interesse em fazer oposição ao ingresso de sócios na sociedade, mas tão somente os sócios remanescentes, o que colocaria a cobro até mesmo a primeira conclusão do acórdão de que pudesse a sociedade fazer oposição à partilha, porque não tem ela interesse de discutir a composição, mas tão somente os sócios remanescentes, sendo-lhe vedado discutir interesse alheio em nome próprio.


Não fosse por nada disso, a decisão de maioria parece ter se esquecido de que as questões que envolvessem alta indagação, ou prova própria, não poderiam mesmo ser objeto de decisão no próprio inventário, por aplicação do art. 984 do Código de Processo Civil, taxativo no sentido de que o juiz decidirá todas as questões de direito e também as questões de fato, quando este se achar provado por documento, só remetendo para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas.


Ora, seja a extinção, seja a apuração de haveres da sociedade, não se mostra matéria compatível com o próprio inventário, nem mesmo a discussão acerca da participação societária seria passível de verificação pelo só fato de que tais interesses transcendem o objetivo do processo iniciado, e as virtuais oposições que pudessem fazer a própria sociedade, ou os sócios remanescentes, só poderiam ser objeto de discussão em processo próprio que envolvesse todas as partes interessadas. É nesse contexto que não vislumbrei como pudesse a sociedade comercial fazer oposição à partilha das cotas sociais, quando somente pelo meio próprio poderia discutir a própria extinção parcial, e a determinação de balanço especial não se sustenta como ato unilateral, já que a apuração de haveres envolve a avaliação patrimonial, passível de questionamento por aqueles que tiverem interesse na obtenção do acervo societário.


Logo, visto sob todos os ângulos, não vislumbrei como pudesse o Juízo acatar o pedido formulado pela sociedade comercial, mesmo porque a virtual liquidação parcial ou integral da empresa comercial poderia ser objeto de deliberação social específica, de modo que a admissão ou não dos sócios só poderia ser objeto de questionamento na via processual própria.


O tema, aliás, já foi objeto de discussão no Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:


“Processual civil. Recurso especial. Violação ao art. 535 do CPC. Não configurada. Inventário. Art. 993, parágrafo único, II, do CPC. Apuração de haveres. Inadequação da via, in casu. Existência de controvérsia entre o sócio remanescente e os demais herdeiros acerca da dissolução de sociedade limitada. Questão de alta indagação. Art. 984 do CPC. Remessa da questão às vias ordinárias. Possibilidade. 1. A motivação contrária ao interesse da parte ou mesmo omissa em relação a pontos considerados irrelevantes pelo decisum não se traduz em ofensa ao art. 535 do CPC. 2. A ofensa ao art. 535 do CPC somente se configura quando, na apreciação do recurso, o Tribunal de origem insiste em omitir pronunciamento sobre questão que deveria ser decidida, e não foi, o que não ocorreu na hipótese dos autos. 3. O parágrafo único do art. 993 do CPC dispõe sobre as medidas postas ao alcance do julgador, que devem suceder às primeiras declarações do inventariante, em processo de inventário no qual era o autor da herança comerciante em nome individual ou sócio de sociedade que não anônima. Autoriza, assim, o inciso II do parágrafo único do referido dispositivo que, dentro do próprio processo de inventário, se proceda à apuração de haveres do falecido por sua participação, por exemplo, em sociedades civis e comerciais por cotas de responsabilidade limitada. Nesses casos, cumpre ao juiz da causa nomear contador (perito) para que realize referida apuração (CPC, art. 1.003, parágrafo único). 4. Inexiste óbice, porém, a que o julgador remeta a apuração de haveres às vias ordinárias, na forma dos arts. 655 a 674 do CPC de 1939, a teor do que dispõe o art. 1.218, VII, do vigente diploma processual, quando questões relativas à dissolução da sociedade se apresentem como objeto de controvérsia entre sócios remanescentes e espólio ou herdeiros, máxime se estas se revelam de alta indagação (CPC, art. 984). 5. Na hipótese, entendendo o julgador que a apuração de haveres, nos moldes em que pretendida pelo ora recorrente, revela controvérsia existente entre ele (sócio remanescente) e os demais herdeiros acerca da dissolução da sociedade, configurando, ainda, questão de alta indagação, não há falar, in casu, em ofensa ao art. 993, parágrafo único, inciso II, do CPC, mesmo porque a revisão das referidas conclusões demandaria incursão deste Sodalício no conjunto fático probatório carreado aos autos, labor que, como de sabença, se encontra proscrito, na via especial, ao Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 07/STJ). 6. Recurso especial a que se nega provimento” (REsp 289.151/SP – Relator: Ministro Vasco Della Giustina – Desembargador convocado do TJ/RS – Terceira Turma – Data do julgamento: 07.10.2010 – DJe de 25.10.2010).


E, nesse contexto, não veria mesmo como pudesse a sociedade fazer oposição à partilha das cotas sociais, muito menos como pudesse ela defender interesse próprio do sócio remanescente, menos ainda que defendesse condição contratual inexistente, porque o contrato social, vigente, neste momento, permitiria a admissão dos sócios, de modo que, pedindo escusas aos que pensem de modo contrário, o resultado proposto pela culta Des.ª Albergaria Costa, penso eu, deve prevalecer, para manter a partilha tal como homologada pelo digno Juízo.


Diante do exposto, acolho os embargos infringentes, para resgatar o voto minoritário produzido pela Des.ª Albergaria Costa, e nego provimento ao recurso de apelação aviado.


Custas e despesas processuais, pelo apelante.


DES. JAIR VARÃO – Permissa venia, rejeito os embargos, em conformidade com o manifestado quando do julgamento da apelação no voto condutor por mim proferido.


DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES – Ponho-me de acordo com o Relator destes infringentes, ao prestigiar Sua Excelência o voto escoteiro, muito bem posto pela culta Des.ª Albergaria Costa, quando do julgamento da apelação, que deu azo à interposição do presente recurso.


Penso que está correto o entendimento do Des. Judimar Biber quando afirma que, nos termos da lei processual civil, a matéria, no caso, seria de ser resolvida mesmo na via ordinária.


De fato, diante das cláusulas contratuais examinadas e discutidas, não me parece de “simples indagação” ou a extinção da sociedade ou a apuração de haveres ou a participação societária dos herdeiros, tal como entende o ilustre Desembargador destes embargos.


Afinal, há discussão sobre os termos do contrato social e sobre se o direito hereditário dos herdeiros do sócio falecido devam recair sobre as cotas, como determinara a sentença apelada, que o acórdão embargado reformou, ou sobre os haveres apurados da empresa.


Com vênia ao entendimento contrário, tenho que está correta a eminente Des.ª Albergaria Costa, cujo voto entendo deva ser agora resgatado.


Acolho os embargos, data venia.


DES.ª ALBERGARIA COSTA – Coerente com o posicionamento por mim firmado por ocasião do julgamento da apelação cível, quando proferi o voto que se pretende prevalecer, acolho os embargos infringentes.


É como voto.


DES. ELIAS CAMILO SOBRINHO – Após análise detalhada da documentação acostada aos autos, à outra conclusão não cheguei, senão à exarada pelo culto Relator, razão por que o acompanho para também acolher os embargos infringentes, e assim o faço na esteira do voto proferido por Sua Excelência.


Súmula – ACOLHER OS EMBARGOS INFRINGENTES.

 

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG