Jurisprudência mineira – Incidente de arguição de inconstitucionalidade – Art. 3º, V, da Lei Complementar 64/2002 – Notário, registrador, escrevente e auxiliar – Vinculação ao Regime próprio de previdência dos servidores públicos de MG

JURISPRUDÊNCIA MINEIRA

ÓRGÃO ESPECIAL

ARGUIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE

INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – ART. 3º, V, DA LEI COMPLEMENTAR 64/2002 – NOTÁRIO, REGISTRADOR, ESCREVENTE E AUXILIAR – VINCULAÇÃO AO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO ESTADO DE MINAS GERAIS – INCONSTITUCIONALIDADE – PRECEDENTES DO STF – ACOLHIMENTO 

– Com efeito, se, ao teor do disposto no art. 236, da CF/88, "os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público", os seus prestadores, à evidência, não são servidores públicos ocupantes de cargo efetivo e, portanto, não podem ser filiados ao regime próprio de previdência a que se refere o art. 40, da CF/88, e o art. 36, da Constituição do Estado de Minas Gerais, de onde exsurge a inconstitucionalidade do art. 3º, V, da Lei Complementar Estadual nº 64/2002.

ARG INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.0024.10.198748-5/003 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – REQUERENTE(S): QUARTA CAMARA CIVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS – REQUERIDO(A)(S): ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS – INTERESSADO: IPSEMG INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES DO ESTADO DE MINAS GERA, MARLENE APARECIDA MAGALHAES, JD 2 V FAZ COMARCA BELO HORIZONTE

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, do ÓRGÃO ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em ACOLHER O INCIDENTE E DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA.

DES. BARROS LEVENHAGEN 

RELATOR.

DES. BARROS LEVENHAGEN (RELATOR)

V O T O

Trata-se de INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE instaurado nos autos da Ação Ordinária ajuizada por Marlene Aparecida Magalhães em face do Instituto de Previdência do Estado de Minas Gerais – IPSEMG, em que almeja sua inclusão como beneficiária da pensão por morte de seu falecido marido, Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas, da comarca de Muzambinho/MG.

A d. sentença monocrática julgou improcedente o pedido inicial, ao entendimento de que a autora, "por vincular-se a instituidor não-vinculado ao RPPS, deverá pleitear sua pensão perante o INSS, órgão previdenciário para o pagamento das pensões aos dependentes de trabalhadores que não se enquadram no conceito de servidor público stricto sensu." (fls. 152/158).

Por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº 1.0024.10.198748-5/002, a Quarta Câmara Cível deste Tribunal de Justiça, vislumbrando a inconstitucionalidade do art. 3º, V, da Lei Complementar 64/02, submeteu a apreciação da matéria ao Órgão Especial. 

Com vista dos autos, a d. Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer de fls. 201/208, manifestou-se pelo acolhimento do incidente de inconstitucionalidade, para que se declare a inconstitucionalidade do artigo 3º, V, da Lei Complementar Estadual nº 064/2002, por afronta ao artigo 40, da Constituição Federal, e ao artigo 36, da Constituição do Estado de Minas Gerais. 

É o relatório.

‘Ab initio’, examino, em juízo de prelibação, a questão de relevância do presente Incidente de Inconstitucionalidade, nos termos do art. 298, § 4º, do RITJMG. 

Com efeito, dispõe o artigo 97, da CF/88, que somente por maioria de seus membros, ou dos membros do órgão especial, poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, e a análise da questão é, destarte, imprescindível para julgamento do apelo.

A par disso, não se verifica quaisquer das situações veiculadas nos inciso I a IV, do § 1º, do art. 297, do RITMG, que poderia caracterizar a irrelevância da arguição, razão pela qual dela conheço. Nem se alegue a precedência da ADI 2602/MG e ADI 2791/PR, que, embora tenham similaridade com a matéria, não se pronunciaram sobre a questão especificamente em julgamento.

Quanto ao mérito, assim dispõe o questionado art. 3º, V, da Lei Complementar Estadual nº 064/2002, que institui o Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos do Estado de Minas Gerais e dá outras providências: 

"Art. 3º – São vinculados compulsoriamente ao Regime Próprio de Previdência Social, na qualidade de segurados, sujeitos às disposições desta lei complementar:

(…) 

V – o notário, o registrador, o escrevente e o auxiliar admitido até 18 de novembro de 1994 e não optante pela contratação segundo a legislação trabalhista, nos termos do art. 48 da Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994"

Verifica-se que a Lei Complementar Estadual nº 64/2002, no art. 3º, V, vinculou o notário, o registrador, o escrevente e o auxiliar ao regime de previdência de que trata o art. 40, da CF/88, que é próprio dos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cujo dispositivo, em observância ao princípio da simetria constitucional, foi repetido pela Constituição do Estado de Minas Gerais, em seu art. 36, "in verbis": 

"Art. 36. Aos servidores titulares de cargos de provimento efetivo do Estado, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime próprio de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do Estado, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo."

Não obstante, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que os servidores notariais, registradores e auxiliares, a despeito de exercerem atividade estatal, não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público.

"ADI 2602 / MG – MINAS GERAIS 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA

Relator(a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU

Julgamento: 24/11/2005 

Órgão Julgador: Tribunal Pleno

Publicação : DJ 31-03-2006 PP-00006

EMENT VOL-02227-01 PP-00056

REQTE. : ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO BRASIL – ANOREG/BR

REQDO. : CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTO N. 055/2001 DO CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. NOTÁRIOS E REGISTRADORES. REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS. INAPLICABILIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 20/98. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EM CARÁTER PRIVADO POR DELEGAÇÃO DO PODER PÚBLICO. INAPLICABILIDADE DA APOSENTADORIA COMPULSÓRIA AOS SETENTA ANOS. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. O artigo 40, § 1º, inciso II, da Constituição do Brasil, na redação que lhe foi conferida pela EC 20/98, está restrito aos cargos efetivos da União, dos Estados-membros , do Distrito Federal e dos Municípios — incluídas as autarquias e fundações. 2. Os serviços de registros públicos, cartorários e notariais são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público — serviço público não-privativo. 3. Os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público. Não são servidores públicos, não lhes alcançando a compulsoriedade imposta pelo mencionado artigo 40 da CB/88 — aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente." (Sem grifos no original)."

Por ocasião do julgamento da ADI 2.791/PR, a matéria foi novamente enfrentada pelo Excelso Pretório, que declarou a inconstitucionalidade formal e material da Lei nº 12.607/99, que, em seu art. 34, incluía os serventuários do extrajudicial entre aqueles obrigatoriamente inscritos no Sistema de Seguridade Funcional do Estado do Paraná. 

A propósito, o que restou consignado no voto do relator, Ministro Gilmar Mendes:

"(…) também sob o prisma material a discussão dos autos conduz à conclusão de inconstitucionalidade da norma impugnada, pois, ainda que os serventuários da justiça sejam considerados servidores públicos latu sensu, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal indica que tais servidores têm regime especial, tanto é que na ADI 2.602, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 31.03.06, entendeu-se que eles não se aplicava regra (constante do art. 40 da CF/88) da aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade.

Se o caput do art. 40 da Constituição Federal trata do regime previdenciário próprio dos servidores público de cargo efetivo, não pode a norma infraconstitucional estadual dispor sobre a inclusão de servidores públicos que não detém cargo efetivo em regime previdenciário próprio de servidores públicos estaduais stricto sensu. Mesmo porque "Já se firmou jurisprudência no sentido de que entre os princípios de observância obrigatória pela Constituição e leis dos Estados-Membros, se encontram os contidos no art. 40 da Carga Magna Federal (assim, nas Adins 101, 178 e 755)." (STF – ADI nº 369, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 12/03/99).

O entendimento predominante nesta Corte é o de que o Estado Membro não pode conceder aos serventuários da Justiça aposentadoria de servidor público, pois para esse efeito não o são. Nesse sentido a ADI 575, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 25/06/99:

"Tabeliães e oficiais de registros públicos: aposentadoria: inconstitucionaidade da norma da Constituição loca que – além de conceder-lhes aposentadoria de servidor público – que para esse efeito, não são – vincula os respectivos proventos às alterações dos vencimentos da magistratura: precedente (ADI 139, RTJ 138/14)." (Sem grifos no orginal).

Com efeito, se, ao teor do disposto no art. 236, da CF/88, "os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público", os seus prestadores, à evidência, não são servidores públicos ocupantes de cargo efetivo e, portanto, não podem ser filiados ao regime próprio de previdência a que se refere o art. 40, da CF/88, e o art. 36, da Constituição do Estado de Minas Gerais, de onde exsurge a inconstitucionalidade do art. 3º, V, da Lei Complementar Estadual nº 64/2002. 

Com estas considerações, ACOLHO O INCIDENTE para declarar a inconstitucionalidade do art. 3º, V, da Lei Complementar Estadual nº 64/2002. 

Após o trânsito em julgado, devolvam-se os autos ao órgão fracionário de origem para que seja concluído o julgamento do recurso de apelação.

DES. LEITE PRAÇA (REVISOR)

V O T O

Acompanho o eminente Desembargador Relator, posicionando-me de acordo com o acolhimento do presente incidente para declarar a inconstitucionalidade do art. 3°, inciso V, da Lei Complementar Estadual n° 64/2002, que vincula ao Regime Próprio de Previdência Social – IPSEMG, na qualidade de segurados, o notário, registrador, o escrevente e o auxiliar de Cartórios.

O excelso STF já assentou o entendimento de que os notários e registradores, embora exerçam atividade estatal delegada, não são ocupantes de cargos públicos efetivos e que, por isso, não lhes alcançam as regras do art. 40 da CF/88, que tratam do regime próprio de previdência dos servidores efetivos dos Entes Federados e que são de observância obrigatória aos Estados-Membros. Confira-se, in verbis:

"EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 34, §1º, da Lei Estadual do Paraná nº 12.398/98, com redação dada pela Lei Estadual nº 12.607/99. 3. Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido rejeitada, por ser evidente que o parâmetro de controle da Constituição Estadual invocado referia-se à norma idêntica da Constituição Federal. 4. Inexistência de ofensa reflexa, tendo em vista que a discussão dos autos enceta análise de ofensa direta aos arts. 40, caput, e 63, I, c/c 61, §1º, II, "c", da Constituição Federal. 5. Não configuração do vício de iniciativa, porquanto os âmbitos de proteção da Lei Federal nº 8.935/94 e Leis Estaduais nºs 12.398/98 e 12.607/99 são distintos. Inespecificidade dos precedentes invocados em virtude da não-coincidência das matérias reguladas. 6. Inconstitucionalidade formal caracterizada. Emenda parlamentar a projeto de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo que resulta em aumento de despesa afronta os arts. 63, I, c/c 61, §1º, II, "c", da Constituição Federal. 7. Inconstitucionalidade material que também se verifica em face do entendimento já pacificado nesta Corte no sentido de que o Estado-Membro não pode conceder aos serventuários da Justiça aposentadoria em regime idêntico ao dos servidores públicos (art. 40, caput, da Constituição Federal). 8. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente".

(ADI 2791, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 16/08/2006).

"DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. SERVENTUÁRIO DA JUSTIÇA. REGIME DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO. 1. A decisão agravada fundou-se em jurisprudência pacífica desta Corte, no sentido de que o Estado-membro não pode conceder aos serventuários da Justiça aposentadoria em regime idêntico ao dos servidores públicos. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido".

(AI 628119 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 24/08/2010). (grifei).

Ante o exposto, acompanho o ilustre Desembargador Relator para acolher o incidente e declarar a inconstitucionalidade do dispositivo em apreço.

OS DEMAIS DESEMBARGADORES VOTARAM DE ACORDO COM O RELATOR. 

SÚMULA: "ACOLHEREAM O INCIDENTE E DECLARARAM A INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA"

 
 


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG e TJMG