JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL
PENAL – USO DE DOCUMENTO FALSO – FOTOCÓPIA NÃO AUTENTICADA – ABSOLVIÇÃO – IMPOSIÇÃO – AUSÊNCIA DE PROVAS DA MATERIALIDADE DELITIVA
– A apresentação de fotocópia não autenticada, que não é considerado documento para efeito penal, não configura objeto material do art. 304 do CP, a impor a absolvição da acusada.
Apelação Criminal nº 1.0024.10.179434-5/001 – Comarca de Belo Horizonte – Apelante: A.C.V.S. – Apelado: Ministério Público do Estado de Minas Gerais – Relator: Des. Júlio Cezar Guttierrez
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos em dar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 5 de fevereiro de 2014. – Júlio Cezar Guttierrez – Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. JÚLIO CEZAR GUTTIERREZ – A.C.V.S., qualificada nos autos, foi denunciada como incursa nas iras do art. 304, nas penas do art. 297 do Código Penal.
Consta da denúncia que, no mês de abril de 2008, no interior das dependências da Coopentec – Cooperativa de Ensino Técnico, situada em Belo Horizonte, a denunciada fez uso de documento público falso, qual seja certificado de conclusão de ensino médio, juntamente com o respectivo histórico escolar, oriundo da Escola Estadual Engenheiro Francisco Bicalho, ciente da sua falsidade, para fazer matrícula em curso de enfermagem (f. 02/03).
Mediante sentença exarada às f. 99/103, a acusada foi condenada nas sanções do art. 304 do CP, ao cumprimento da pena de 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa à razão de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, no regime aberto, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária.
Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação (f. 105), pleiteando a absolvição por atipicidade de conduta, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal (CPP) ou por insuficiência de provas da autoria.
Em contrarrazões, pugna a acusação pelo não provimento do recurso (f. 115/118).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do i. Procurador de Justiça Marco Antônio Lopes de Almeida, opinou pelo provimento do apelo defensivo (f. 125/127).
É o relatório, em síntese.
Conheço do recurso do Ministério Público, próprio, tempestivo e regularmente processado.
Não foram arguidas preliminares, nem vislumbro nenhuma a ser reconhecida de ofício.
A defesa pede a absolvição, por falta de provas da materialidade, nos termos do art. 386, III, do CPP, o que merece prosperar. Isso porque o documento de f. 19, usado pela apelante para fazer sua inscrição no curso de enfermagem, trata de uma fotocópia não autenticada e, portanto, não é considerado documento, para efeito penal. Assim, não configura objeto material do art. 304 do CP.
Discorrendo sobre o assunto, leciona a doutrina pátria com propriedade:
“Da mesma forma, por não serem considerados documentos para efeitos penais, não constitui crime o uso de documentos impressos ou integralmente datilografados, sem qualquer assinatura, que tenham sido falsificados, bem como o uso de cópias não autenticadas de documento” (CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte Especial. São Paulo: Saraiva, 2011, v. 3, p. 415) (grifei).
“A utilização de cópia reprográfica, sem a devida autenticação, como destacou, com muita propriedade o Ministro Hamilton Carvalhido, não tipifica ação com potencialidade de produzir dano à fé pública, protegida pelo art. 304 do Código Penal.”
(BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte Especial. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 4, p. 341.)
“Também se tem por não configurado o delito quando o documento é cópia xerox não autenticada.” (RT 706/301) (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 2007, p. 248.) Também não discrepa a jurisprudência majoritária:
“Ementa: Apelação criminal. Uso de documento falso. Emprego de fotocópia não autenticada. Atipicidade do fato reconhecida.
Absolvição mantida. – Uma xerox simples, sem autenticação, não pode ser objeto material do delito previsto no art. 304 do Código Penal, principalmente quando resta comprovado que as fotocópias apresentadas não foram aceitas como prova cabal da escolaridade da acusada. É que, neste caso, a fé pública – bem jurídico protegido pelo referido dispositivo – não correu nenhum risco” (Apelação Criminal 1.0024.10.247560-5/001, Rel. Des. Cássio Salomé, 7ª Câmara Criminal, julgamento em 03.10.2013, publicação da súmula em 11.10.2013) (grifei).
“Ementa: Apelação criminal. Uso de documento falso. Preliminares. Ausência de intimação pessoal do acusado da sentença condenatória. Realização de ato no juízo deprecado. Ausência de intimação da defesa. Não acolhimento das teses. Mérito. Utilização de fotocópia falsificada. Ausência de autenticação. Atipicidade da conduta. Recurso provido. Preliminares: […] – A utilização de fotocópia não autenticada afasta a tipicidade do crime de uso de documento falso, por não possuir potencialidade lesiva apta a causar dano à fé pública. -Recurso provido” (Apelação Criminal 1.0647.08.086347-3/001, Rel. Des. Corrêa Camargo, 4ª Câmara Criminal, julgamento em 14.08.2013, publicação da súmula em 26.08.2013) (grifei).
“Apelação. Uso de documento falso. Cópia não autenticada. Atipicidade da conduta. Precedentes do STJ. – Conforme reiterados julgados do Superior Tribunal de Justiça, é atípica a conduta daquele que usa cópia não autenticada de documento falso, já que fotocópia não configura o objeto material do crime do art. 304 do Código Penal” (Apelação Criminal 1.0183.07.126913-2/001, Rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho, 5ª Câmara Criminal, julgamento em 13.10.2009, publicação da súmula em 27.10.2009) (grifei).
Ademais, é de se considerar que a recorrente nem sequer conseguiu seu intento, visto que o Diretor da Cooperativa de Ensino Técnico – Coopentec solicitou ao Diretor da Escola Estadual Engenheiro Francisco Bicalho a 2ª via do histórico escolar da aluna A.C.V.S., ora apelante, para provar sua autenticidade (f. 18).
E, em resposta à referida solicitação, a Diretora da Coopentec esclareceu que “não foi encontrado nenhum registro ou documento referente a A.C.V.S., nascida em 05.12.80, sendo, portanto, inválidas as informações contidas neste histórico” (f. 17).
Em face de tanto, a recorrente não conseguiu cursar Enfermagem na Cooperativa de Ensino Técnico – Coopentec. Tais informações foram confirmadas pelas testemunhas às f. 84/86 dos autos.
Assim, entendo ausentes provas da materialidade delitiva in casu, razão pela qual a absolvição é medida que se impõe, em homenagem ao princípio da ampla defesa, já que não restou suficientemente demonstrada a veracidade da acusação imputada à apelante.
Por essas razões, dou provimento ao recurso para absolver a apelante, nos termos do art. 386, III, do CPP.
Custas isentas, na forma do art. 804 do CPP.
É como voto.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Doorgal Andrada e Amauri Pinto Ferreira (Juiz de Direito convocado).
Súmula – DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG