Jurisprudência mineira – Recurso administrativo – Extinção da delegação – Nomeação de substituto – Princípios da moralidade e da impessoalidade

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL


RECURSO ADMINISTRATIVO – EXTINÇÃO DA DELEGAÇÃO – NOMEAÇÃO DE SUBSTITUTO – SITUAÇÃO EXCEPCIONAL – POSSIBILIDADE – PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE – RECURSO NÃO PROVIDO


– Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em situações excepcionais, é possível a nomeação de terceiro em detrimento do substituto mais antigo (esposa do então titular) para responder pelo expediente após a declaração de extinção da delegação de serventia, devendo a norma do art. 39, § 2º, da Lei nº 8.935/94 ser interpretada em consonância com o disposto no seu art. 36, § 1º, e com os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade.


Recurso Administrativo nº 1.0000.14.048313-2/001 – Comarca de Governador Valadares – Recorrentes: Décio Ribeiro de Castro Vasconcellos, Oficial do 1º Ofício de Registro de Imóveis de Governador Valadares, Maria Braga de Vasconcellos, Oficial Substituto do 1º Ofício de Registro Imóveis de Governador Valadares – Recorrido: Juiz de Direito Diretor do Foro da Comarca de Governador Valadares – Relator: Des. Wagner Wilson Ferreira


ACÓRDÃO


Vistos etc., acorda o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.


Belo Horizonte, 24 de abril de 2015. – Wagner Wilson Ferreira – Relator.


NOTAS TAQUIGRÁFICAS


DES. WAGNER WILSON FERREIRA – Trata-se de recurso administrativo interposto por Décio Ribeiro de Castro Vasconcellos, representado por sua curadora, Maria Braga de Vasconcellos, contra decisão de f. 130/131, proferida pelo ilustre Presidente deste Tribunal, que, nos autos do processo administrativo instaurado pelo Juiz Diretor do Foro de Governador Valadares, a pedido do representante do Ministério Público, declarou a extinção da delegação outorgada ao recorrente para o Ofício do 1º Registro de Imóveis da Comarca de Governador Valadares.


O recorrente alega que sua esposa, Maria Braga de Vasconcellos, substituta do Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis daquela comarca, deve ser nomeada substituta direta do cargo declarado vago, razão pela qual pede a reforma da decisão.


A douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou, às f. 144/145, pelo desprovimento do recurso.


É o relatório. Decido.


Cuidam os autos de processo administrativo instaurado pelo Juiz Diretor do Foro de Governador Valadares, a pedido do representante do Ministério Público, objetivando verificar a higidez mental do Sr. Décio Ribeiro de Castro Vasconcellos, Oficial do Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis de Governador Valadares.


Realizada perícia judicial, na qual se constatou o "estado demencial" do autor e sua incapacidade para desempenhar as atividades relativas ao cartório, foi proferida decisão, na qual o Presidente deste Tribunal, Desembargador Pedro Bitencourt, declarou extinta a delegação a ele outorgada para o 1º Ofício de Registro de Imóveis de Governador Valadares. 


Insurge-se o recorrente contra essa decisão, alegando que o MM. Juiz não nomeou sua esposa, Sr.ª Maria Braga de Vasconcellos, como substituta direta do cargo vago.


Pois bem.


Inicialmente, cumpre destacar que a insurgência do recorrente diz respeito tão somente à nomeação de seu substituto, não havendo qualquer impugnação sobre o ponto da decisão que declarou a extinção da delegação.


A princípio, calha trazer à colação os comandos insertos no art. 39, caput e § 2º, da Lei nº 8.935/94, reguladora da matéria posta nos autos:


“Art. 39. Extinguir-se-á a delegação a notário ou a oficial de registro por:


[…]


III – invalidez;


[…]


§ 2º Extinta a delegação a notário ou a oficial de registro, a autoridade competente declarará vago o respectivo serviço, designará o substituto mais antigo para responder pelo expediente e abrirá concurso.”


Segundo esse artigo, portanto, enquanto o cargo permanecer vago, este deverá ser ocupado pelo substituto mais antigo, que, no caso, seria, de fato, a esposa do requerente.


Ocorre que, diante das peculiaridades do caso, o art. 39, § 2º, da Lei nº 8.935/94 deve ser interpretado de acordo com o disposto no art. 36, § 1º, da citada lei, e, em especial, com os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade. 


Segundo o art. 36, § 1º:


“Art. 36. Quando, para a apuração de faltas imputadas a notários ou a oficiais de registro, for necessário o afastamento do titular do serviço, poderá ele ser suspenso, preventivamente, pelo prazo de noventa dias, prorrogável por mais trinta.


§ 1º Na hipótese do caput, o juízo competente designará interventor para responder pela serventia, quando o substituto também for acusado das faltas ou quando a medida se revelar conveniente para os serviços.”


Observa-se, portanto, que referido artigo concede ao julgador o poder discricionário de designar o substituto do registrador, diante das peculiaridades do caso. Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:


“Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Tabelionato de Notas. Perda da delegação. Nomeação de interventor em detrimento do substituto mais antigo. Situação excepcional. Possibilidade. Princípios da moralidade e da impessoalidade. Recurso não provido. 1. Em situações excepcionais, é válida a designação de interventor, em detrimento do substituto mais antigo (esposa do então titular), para responder pelo expediente após a decretação de perda da delegação de serventia. Interpretação do art. 39, § 2º, da Lei 8.935/94 realizada em consonância com o disposto no seu art. 36, § 1º, e com os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade. 2. Recurso ordinário não provido” (RMS 26.552/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, j. em 16.09.2010, DJe de 29.09.2010).


“Constitucional. Administrativo. Cartório. Processo administrativo disciplinar. Afastamento e perda da delegação. Nomeação de terceiro como interventor. Preterição de substituto mais antigo. Possibilidade. Ato discricionário. Situação excepcional e de crise institucional. Princípios da impessoalidade e da moralidade. 1. Caso em que o titular de serventia extrajudicial, após suspensão de suas funções e afastamento para responder a procedimento disciplinar, perde a delegação. 2. É discricionário o ato da Administração Judiciária que, em vez de optar pelo substituto mais antigo, decide, nos termos do art. 36 da Lei nº 8.935/94, nomear terceira pessoa como interventor e, diante das peculiaridades do caso concreto (relação próxima de parentesco), manter, com base nos princípios da impessoalidade e da moralidade, a referida nomeação até o preenchimento definitivo da vaga. Precedentes do STJ. 3. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido” (RMS 28.013/MG, Rel. para o acórdão Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 03.08.10.)


Nesse sentido também entende este Tribunal:


“Ementa: Mandado de segurança. Oficial de Cartório de Registro Civil e Notas. Perda da delegação pelo titular. Nomeação a título precário. Destituição, nomeação de terceiro interventor. Preterição do substituo mais antigo. Possibilidade. Situação excepcional. Princípios da eficiência e moralidade. Conveniência e oportunidade da Administração. Ausência de direito líquido e certo. – ‘É discricionário o ato da Administração Judiciária que, em vez de optar pelo substituto mais antigo, decide, nos termos do art. 36 da Lei nº 8.935/94, nomear terceira pessoa como interventor e, diante das peculiaridades do caso concreto (relação próxima de parentesco), manter, com base nos princípios da impessoalidade e da moralidade, a referida nomeação até o preenchimento definitivo da vaga’ (RMS 28.013/MG)” (TJMG – Mandado de Segurança 1.0000.13.025842-9/000, Rel. Des. Alberto Vilas Boas, 1ª Câmara Cível, j. em 16.07.2013, p. em 24.07.2013).


“Mandado de segurança. Serventia extrajudicial. Nomeação de substituto interino. Preterição da substituta legal, mãe da extitular que perdeu a delegação por força de processo administrativo. Medida conveniente para os serviços. Princípio da moralidade administrativa” (TJMG – Mandado de Segurança 1.0000.09.513211-4/000, Rel. Des. Audebert Delage, 4ª Câmara Cível, j. em 05.08.2010, p. em 17.08.2010).


“Mandado de segurança. Serviços notariais e de registro. Nomeação de oficial substituto. Nomeação que preteriu o oficial mais antigo. Princípio da moralidade administrativa. Possibilidade. 1. Em razão de afastamento por punição, não se afigura em conformidade ao princípio da moralidade administrativa a nomeação de parente da oficial afastada, tendo em vista a ineficiência da punição aplicada caso a renda do cartório continue compondo o patrimônio familiar. 2. Denegada, portanto, a segurança” (TJMG – Mandado de Segurança 1.0000.06.438549-5/000, Rel. Des. Jarbas Ladeira, Corte Superior, j. em 24.01.2007, p. em 21.03.2007).


“Mandado de segurança. Ausência dos elementos que ensejam sua concessão. Ato de designação de substituto do notário. Discricionariedade do juízo competente, quando a medida se revelar conveniente. Inteligência do § 1º da Lei nº 8.935/94. Segurança denegada” (TJMG – Mandado de Segurança 1.0000.00.225775-6/000, Rel. Des. Pinheiro Lago, 2ª Câmara Cível, j. em 19.03.2002, p. em 19.04.2002).


No caso dos autos, houve a extinção da delegação do recorrente, em virtude de invalidez permanente e irreversível. Resta incontroverso nos autos que tal situação já perdurava há mais tempo, oportunidade em que sua esposa assumiu o cartório como substituta legal.


Ocorre que, durante esse período, foram constatadas diversas irregularidades, tais como: não comparecimento diário ao cartório; precariedade das instalações; exagerado atraso na entrega de certidões; cobrança indevida por serviços, conforme se infere das Portarias nº 062/2014 e 044/2014 (f. 79/82). 


Dessa maneira, como bem observou o representante do Ministério Público, no parecer de f. 144/145, no caso específico dos autos, a negativa da nomeação da esposa do recorrente como substituta legal é medida que se justifica por conveniência da Administração, em observância ao princípio da moralidade.


Conclusão.


Com esses fundamentos, nego provimento ao recurso.


É como voto.


O SR. DES. MARCOS LINCOLN – Trata-se de recurso administrativo interposto por Décio Ribeiro de Castro Vasconcellos, representado por sua curadora, Maria Braga de Vasconcellos, contra a decisão de f. 130/131-v., pela qual o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Des. Pedro Carlos Bitencourt Marcondes, tendo em conta a comprovação de invalidez permanente, irreversível e incapacitante do recorrente para o exercício de suas atribuições, declarou extinta a delegação a ele outorgada para o Ofício do 1º Registro de Imóveis da Comarca de Governador Valadares, nos termos do art. 39, III, da Lei Federal nº 8.935/1994.


O e. Relator, Des. Wagner Wilson Ferreira, propõe o desprovimento do recurso ao fundamento de que, "em situações excepcionais, é possível a nomeação de terceiro, em detrimento do substituto mais antigo (esposa do então titular), para responder pelo expediente após a declaração de extinção da delegação de serventia, devendo a norma do art. 39, § 2º, da Lei nº 8.935/94 ser interpretada em consonância com o disposto no seu art. 36, § 1º, e com os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade" (sic). 


Com efeito, examinando atenciosamente os autos, chego à mesma conclusão do e. Relator para, também, desprover o recurso administrativo.


Isso porque, a meu ver, a negativa de nomeação da esposa do recorrente como substituta legal encontra-se justificada em juízo discricionário da Administração (conveniência e oportunidade), tendo em conta a pendência de processo administrativo disciplinar em seu desfavor, instaurado para apuração de diversas irregularidades noticiadas às f. 79/80.


Com essas breves considerações, acompanho o judicioso voto proferido pelo e. Relator no sentido de negar provimento ao recurso administrativo.


É como voto.


Os demais Desembargadores votaram de acordo com o Relator.


Súmula – NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

 

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG