Jurisprudência mineira – Reexame necessário – Mandado de segurança – ITCMD – Posterior registro de escritura de inventário e partilha

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL


REEXAME NECESSÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD – RECOLHIMENTO DO IMPOSTO QUANDO DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR – POSTERIOR REGISTRO DE ESCRITURA DE INVENTÁRIO E PARTILHA – ENTRAVE CRIADO PELA AUTORIDADE COATORA – EXIGÊNCIA DE RECOLHIMENTO DO IMPOSTO COM BASE NO VALOR VENAL DO IMÓVEL PARA FINS DE IPTU – IMPOSSIBILIDADE – DIREITO LÍQUIDO E CERTO DEMONSTRADO – ORDEM CONCEDIDA – SENTENÇA CONFIRMADA


– Uma vez demonstrado, em prova pré-constituída, que o ato praticado pela autoridade coatora violou direito líquido e certo do impetrante, não amparado por outras ações constitucionais, o deferimento da ordem é de mister.


– Ainda que o oficial possa optar, na cobrança de emolumentos, pelos valores venais do imóvel utilizados como base de cálculo do ITCMD ou do IPTU, tal escolha não altera o valor do bem atribuído pelas partes no título, em respeito ao disposto no art. 10 da Lei estadual nº 15.424/04.


Confirmar a sentença no reexame necessário.


Reexame Necessário Cível nº 1.0024.13.411138-4/001 – Comarca de Belo Horizonte – Remetente: Juiz de Direito da Vara de Registros Públicos da Comarca de Belo Horizonte – Autor: Ivan Campos Drumond – Réu: Estado de Minas Gerais – Autoridade coatora: Oficial do 2º Serviço de Registro de Imóveis de Belo Horizonte – Relatora: Des.ª Teresa Cristina da Cunha Peixoto


ACÓRDÃO


Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em confirmar a sentença no reexame necessário.


Belo Horizonte, 14 de maio de 2015. – Teresa Cristina da Cunha Peixoto – Relatora.


NOTAS TAQUIGRÁFICAS


DES.ª TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO – Conheço do reexame necessário, por força do art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/09.


Trata-se de mandado de segurança impetrado por Ivan Campos Drumond em face de ato praticado pelo Oficial de Registro do Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Belo Horizonte, que determinou que o ''impetrante apresentasse àquele tabelionato 'documento expedido pela SEF/MG tendo em vista que, à época do recolhimento do ITCD (04.12.09), o imóvel foi avaliado por R$98.682,37, e, na data da lavratura da escritura (08.04.13), foi mencionado o valor de R$117.593,00 […]''. Alegou que ''o título translativo de domínio entregue ao indigitado CRI para registro é uma 'escritura pública de inventário e partilha' dos bens e direitos deixados por Kátia Mendes Campos por ocasião de seu falecimento, fato ocorrido no dia 13.07.2009 […]'', data esta do ''fato gerador da incidência do ITCD objeto de discussão […]''. Afiançou, ainda, que não há prazo para o registro, de modo que ''a autoridade aqui apontada como coatora jamais poderia fazer esta exigência, ainda mais como condicionante do prosseguimento do procedimento de registro da escritura pública […]''.


A MM. Juíza de primeiro grau, às f. 42/44, concedeu a ordem ''para determinar o registro do título independentemente do cumprimento da exigência do item 3 (f. 27)''.


Não houve interposição de recurso, conforme documento de f. 47.


Processo distribuído por sorteio (f. 49).


Manifestação da douta Procuradoria-Geral de Justiça às f. 53/57, opinando pela confirmação da sentença. 


Revelam os autos que Ivan Campos Drumond impetrou mandado de segurança em face do oficial de registro do Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Belo Horizonte, pretendendo determinar a autoridade apontada como coatora que ''prossiga o procedimento de registro já deflagrado pelo impetrante, da 'escritura pública de inventário e partilha' dos bens deixados por Kátia Mendes Campos, abstendo-se de exigir 'documento expedido pela SEF/MG, tendo em vista que, à época do recolhimento do ITCD (04.12.09), o imóvel foi avaliado por R$98.682,37, e, na data da lavratura da escritura (08.04.13), foi mencionado o valor de R$117.593,00 […]''', o que foi concedido pela MM. Juíza de primeira instância, gerando a remessa necessária da sentença.


Nesse passo, registro inicialmente que o mandado de segurança tem sua gênese no art. 5º, LXIX, da Constituição da República de 1988, que assim dispõe:


“Art. 5º […]


LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; […]”.


No mesmo sentido, é a dicção do art. 1º da Lei nº 12.016/09, que disciplina a ação mandamental individual e coletiva: 


“Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”.


É evidente que o mandado de segurança não consubstancia uma simples ação civil de rito sumaríssimo, erigindo-se a verdadeira garantia fundamental do sujeito de direito em face do Estado lato sensu, o que, todavia, não dispensa que o seu manejo seja condicionado ao preenchimento das condições da ação, dos pressupostos processuais e de certos requisitos específicos.


A começar, faz-se imprescindível que o ato impugnado provenha de "autoridade", que, nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, corresponde à "pessoa investida de uma parcela de poder público" (Direito administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 85).


Saliente-se que tal ato pode revestir-se de natureza comissiva ou omissiva e implicar tanto uma efetiva lesão a direito quanto uma ameaça, como leciona Eduardo Sodré:


“[…] o ato de autoridade, em tese, pode ser comissivo ou omissivo – ou seja, pode configurar uma ação ou uma abstenção – já que, em ambas as situações, a conduta do agente público pode, potencialmente, consistir em ilegalidade causadora de prejuízo jurídico ao jurisdicionado.


De mais a mais, é certo que não há necessidade de se aguardar a configuração da lesão ao patrimônio do jurisdicionado para ter lugar a impetração. Partindo-se da premissa de que tanto a própria lesão como a ameaça de sua configuração autorizam o exercício do direito de ação (art. 5º, inciso XXXV, da CF), tem a doutrina e a jurisprudência aceitado tanto o writ repressivo como o preventivo” (SODRÉ, Eduardo. Ações constitucionais – mandado de segurança individual. DIDIER JR., Fredie (Org.). Salvador: Jus Podivm, 2008, p. 114).


Não obstante, em que pese a abrangência da ação mandamental, decorrente de sua própria natureza de garantia fundamental, vale registrar que o seu aviamento é incabível contra ato em relação ao qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução, bem como contra decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo ou já transitada em julgado, conforme vedação expressa contida no art. 5º da mencionada Lei nº 12.016/09. De igual maneira, o writ se mostra inadequado quando o ato atacado violar direito já amparado por habeas corpus ou habeas data.


Noutro aspecto, entende-se por ilegalidade, da qual o abuso de poder é espécie, a desconformidade do ato com a lei, notadamente no que concerne às regras que definem o sujeito (competência), a forma, os efeitos jurídicos imediatos e mediatos (objeto e finalidade), bem como os fundamentos de direito e de fato (motivo).


Já para o reconhecimento da liquidez e certeza do direito exigidas pelo art. 5º, LXIX, da CR/88, a via estreita do mandado de segurança impõe que a petição inicial seja instruída com prova pré-constituída capaz de demonstrar, de forma cabal, os fatos narrados pelo impetrante.


A esse respeito, preleciona Celso Agrícola Barbi:


“[…] o conceito de direito líquido e certo é tipicamente processual, pois atende ao modo de ser de um direito subjetivo no processo; a circunstância de um determinado direito subjetivo realmente existir não lhe dá a caracterização de liquidez e certeza; esta só lhe é atribuída se os fatos em que se fundar puderem ser provados de forma incontestável, certa, no processo. E isto normalmente só se dá quando a prova for documental, pois esta é adequada a uma demonstração imediata e segura dos fatos” (BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 85).


Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao tratar dos requisitos da ação mandamental, novamente leciona:


“Finalmente, o último requisito é o que concerne ao direito líquido e certo. Originariamente, falava-se em direito certo e incontestável, o que levou ao entendimento de que a medida só era cabível quando a norma legal tivesse clareza suficiente que dispensasse maior trabalho de interpretação.


Hoje, está pacífico o entendimento de que a liquidez e certeza referem-se aos fatos; estando estes devidamente provados, as dificuldades com relação à interpretação do direito serão resolvidas pelo juiz. Esse entendimento ficou consagrado com a Súmula nº 625 do STF, segundo a qual ‘controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança’.


Daí o conceito de direito líquido e certo como o direito comprovado de plano, ou seja, o direito comprovado juntamente com a petição inicial. No mandado de segurança, inexiste a fase de instrução, de modo que, havendo dúvidas quanto às provas produzidas na inicial, o juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito, por falta de um pressuposto básico, ou seja, a certeza e liquidez do direito” (op. cit., p. 788).


Em resumo, uma vez demonstrado, em prova pré-constituída, que o ato praticado por autoridade pública ou por quem lhe faça às vezes incorreu em ilegalidade, violando direito individual ou coletivo não amparado por outras ações constitucionais, imprescindível conceder a ordem.


Partindo-se de tal premissa, e no caso concreto, importante destacar que o art. 155, inciso I, da Constituição da República dispõe que:


“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: 


I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos” (g.n.).


Ainda, estabelece o Código Tributário Nacional:


“Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:


I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;


II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;


III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.


Parágrafo único. Nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários” (g.n.).


No âmbito do Estado de Minas Gerais, a Lei estadual nº 14.941, de 29 de dezembro de 2003, que trata do ITCD, determina:


“Art. 1º O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCD – incide:


I – na transmissão da propriedade de bem ou direito, por sucessão legítima ou testamentária;


II – no ato em que ocorrer a transmissão de propriedade de bem ou direito, por meio de fideicomisso;


III – na doação a qualquer título, ainda que em adiantamento da legítima;


IV – na partilha de bens da sociedade conjugal e da união estável, sobre o montante que exceder à meação;


V – na desistência de herança ou legado com determinação do beneficiário;


VI – na instituição de usufruto não oneroso;


VII – no recebimento de quantia depositada em conta bancária de poupança ou em conta-corrente em nome do de cujus” (g.n.).


Mais especificamente sobre as formalidades exigidas para se registrar os títulos que açambarcam as hipóteses de incidência do ITCD, dispõe a Lei estadual:


“Art. 18. O registro de formal de partilha, de carta de adjudicação judicial expedida em autos de inventário ou de arrolamento, de sentença em ação de separação judicial, divórcio ou de partilha de bens na união estável, bem como de escritura pública de doação de bem imóvel, será precedido da comprovação do pagamento integral do ITCD, mediante certidão expedida pela Secretaria de Estado de Fazenda.


Parágrafo único. Será franqueado aos fiscais da Secretaria de Estado de Fazenda o acesso aos processos judiciais que envolverem a transmissão ou partilha de bens (Parágrafo com redação dada pelo art. 1º da Lei nº 15.958, de 29.12.2005)” – (g.n.).


Por sua vez, o Decreto estadual nº 43.981/05, que ''Regulamenta o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCD'', prevê que:


“Art. 39. A Certidão de Pagamento ou Desoneração do ITCD será expedida pela repartição fazendária na Declaração de Bens e Direitos a que se refere o art. 31, após a ocorrência: (Caput com redação dada pelo art. 1º do Decreto nº 44.841, de 8/6/2006) 


I – do pagamento do imposto, acréscimos legais e penalidades, se for o caso;


II – do enquadramento nas hipóteses de não incidência ou isenção do imposto, observado o disposto no art. 7º; […]” (g.n.). 


Com efeito, ainda que a exigência da Certidão de Pagamento ou Desoneração do ITCD esteja dentre as atribuições do oficial, in casu, tem-se que o impetrante já se desincumbiu de tal encargo ao apresentar o documento de f. 23/24, mostrando-se, portanto, indevida nova exigência.


De fato, como reconhecido pela MM. Juíza singular, o valor venal do imóvel, base de cálculo do ITCMD, é de R$95.682,37 (f. 23), já o valor venal para fins de IPTU é de R$117.593,00 (f. 25), podendo o oficial optar por qualquer desses valores para fins de cobrança de emolumentos; todavia, tal escolha não altera o valor do bem atribuído pelas partes no título, em respeito ao disposto na Lei estadual nº 15.424/04:


“Art. 10. Os atos específicos de cada serviço notarial ou de registro, para cobrança de valores, nos termos das tabelas constantes no Anexo desta Lei, são classificados em:


I – atos relativos a situações jurídicas sem conteúdo financeiro; 


II – atos relativos a situações jurídicas com conteúdo financeiro e valores fixos, ou fixados mediante a observância de faixas que estabeleçam valores mínimos e máximos, nas quais enquadrar-se-á o valor constante do documento apresentado aos serviços notariais e de registro.


§ 1º – A averbação com conteúdo financeiro será assim considerada quando implicar majoração do valor do contrato ou da dívida constante no registro, em virtude da liberação de um crédito suplementar.


§ 2º – As averbações feitas de ofício e as concernentes ao transporte de ônus da matrícula e aquelas relacionadas ao encerramento de uma matrícula em virtude da abertura de outra não estão sujeitas a pagamento de emolumentos.


§ 3º – Para fins de enquadramento nas tabelas, relativamente aos atos classificados no inciso II do caput deste artigo, serão considerados como parâmetros os seguintes valores, prevalecendo o que for maior, observado o disposto no § 4º deste artigo:


I – preço ou valor econômico do negócio jurídico declarado pelas partes;


II – valor do imóvel estabelecido no último lançamento efetuado pelo Município, para efeito de cobrança de imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, ou pelo órgão federal competente, para efeito de cobrança de imposto sobre a propriedade territorial rural;


III – o valor do bem ou direito objeto do ato notarial ou registral utilizado para fins do recolhimento do imposto sobre transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição, ou do imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos; […]” (g.n.).


Dessa forma, uma vez que o impetrante pagou o ITCMD em 04.12.2009, no valor de R$4.934,12, tendo como base o valor de R$98.682,37, conforme item 7 da Escritura Pública de Inventário e Partilha (f. 17/22), mostra-se indevida a exigência nº 03, de f. 27.


Dessarte, patente o direito líquido e certo do postulante, pelo que, não encontrando o mandado de segurança em comento óbice na Lei nº 12.016/09, deve a sentença ser confirmada.


Com essas considerações, confirmo a bem-lançada sentença da lavra da culta e operosa Magistrada, Dr.ª Mônica Libânio Rocha Bretas, no reexame necessário.


Custas, na forma da lei.


Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Rogério Coutinho e Paulo Balbino.


Súmula – CONFIRMARAM A SENTENÇA NO REEXAME NECESSÁRIO.

 

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG