Jurisprudência – União estável – não-comunicação de bens

EMBARGOS INFRINGENTES. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO-COMUNICAÇÃO DE BENS. ESCRITURA PÚBLICA LAVRADA PELA AUTORA NA QUAL CONSIGNA NÃO TER DIREITOS SOBRE O PATRIMÔNIO ADQUIRIDO NO CURSO DA CONVIVÊNCIA.

1. Estabelece o art. 1.725 do CCB que, como regra, aplica-se às uniões estáveis o regime da comunhão parcial de bens e a mesma norma excepciona a possibilidade de disposição por escrito em sentido diverso. 2. No caso dos autos, a autora, fazendo uso de escritura pública e durante a vigência da união estável, declarou, unilateralmente, que vivia maritalmente com o varão e consignou que não tinha nenhum direito sobre os móveis e imóveis adquiridos até aquela data. 3. Assim, ante a existência de manifestação volitiva que declara destino diverso aos bens eventualmente amealhados por um ou outro, ou por ambos os companheiros, na vigência da relação familiar, não há falar em comunicação patrimonial e, conseqüentemente, inexistirá partilha de bens. 4. O fato de o texto legal adotar a expressão contrato não suprime a validade e eficácia jurídica da declaração unilateral prestada pela mulher com evidente repercussão na esfera de direito pessoais do varão. Ademais, a lei não exige maio res formalidades para a produção do documento que venha a abrigar a manifestação volitiva, cuja estipulação, instrumentalizada em conjunto ou separadamente, pode ou não se revestir de forma solene. Apenas se exige que seja feita sob a forma escrita.
PROVERAM, À UNANIMIDADE.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes do Quarto Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, acolher os embargos infringentes.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Desembargadores ALFREDO GUILHERME ENGLERT (PRESIDENTE), LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS, RUI PORTANOVA, SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES E JOSÉ S. TRINDADE.
Porto Alegre, 09 de dezembro de 2005.




DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS,
Relator.


RELATÓRIO

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR) –
Cuida-se de embargos infringentes opostos por CLAUDENIR P.H. em face do acórdão (fls. 125/134) proferido em julgamento da Sétima Câmara Cível que, por maioria, proveu em parte a apelação que TÂNIA R.R.M. interpôs contra sentença (fls. 97/102) que julgou parcialmente procedente a ação de dissolução de união estável por ela ajuizada.
Assevera, como dito no voto minoritário, que: (1) os bens adquiridos a título oneroso durante a união estável pertencem aos conviventes, em condomínio e em partes iguais, salvo disposição contrária por escrito; (2) a escritura pública da fl. 10 demonstra que a recorrente renunciou ao direito à partilha de bens, firmando declaração no sentido de que não possui direitos sobre os bens móveis e imóveis adquiridos pelo companheiro; (3) observadas as formalidades legais para validade do instrumento público e inexistente prova de qualquer vício de vontade, nem mesmo alegação de coação, não há falar em invalidade da escritura pública; (4) não há provas seguras da continuidade da união estável após a elaboração da escritura, bem como não há provas acerca da efetiva aquisição de bens depois da realização do ato notarial; (5) é no mesmo sentido o entendimento desta Corte em outros julgados; (6) resolveram as partes estabelecer um pacto de convivência e o fizeram por instrumento público. Requer o provimento dos embargos infringentes para o fim de manter a decisão de primeiro grau (fls. 137/139).
Decorreu o prazo legal sem manifestação da embargada (fl. 142).
Recebida a inconformidade (fl. 143), sobreveio manifestação do Ministério Público opinando pelo não-acolhimento dos embargos (fls. 146/154).
É o relatório, que foi submetido à douta revisão.

VOTOS

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR) –
A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos por TÂNIA REGINA na ação por ela manejada para reconhecer a união estável, que perdurou até o ano 2000, sem direito à partilha de bens (fls. 97/102).
Na apelação, a autora sustenta que a escritura pública da fl. 10 (certidão na fl. 56) “não se caracterizou como ajuste prévio”.
Esclareço que restou como questão não controvertida, após a sentença, o período de vigência da união estável. A relação perdurou de 1994 até 2000 (fl. 128).
Quanto à disciplina dos efeitos patrimoniais que advêm da formação desta entidade familiar, estabelece o art. 1.725 do CCB que, como regra, aplica-se às uniões estáveis o regime da comunhão parcial de bens (arts. 1.658 e seguintes do CCB). A mesma norma introduz a exceção: salvo contrato escrito entre os companheiros.
Cuida-se, o documento da fl. 10, de uma escritura pública declaratória, pela qual TÂNIA REGINA, em fevereiro de 2000, declarou que vivia maritalmente há cinco anos com CLAUDENIR e que não tinha nenhum direito nos móveis e imóveis adquiridos pelo varão até aquela data, ressalvados os direitos sobre o patrimônio havido posteriormente.
Assim, na existência de um ajuste que declara destino diverso aos bens eventualmente amealhados por um ou outro, ou por ambos os companheiros, na vigência da relação familiar, não há falar em comunicação patrimonial e, conseqüentemente, inexistirá partilha de bens.
Às claras que a autora abriu mão de qualquer direito sobre o patrimônio. O fato de o texto legal adotar a expressão contrato não suprime a validade e eficácia jurídica da declaração unilateral prestada pela autora com evidente repercussão na esfera de direito pessoais do varão.
Ademais, a lei, no referido art. 1.725, não exige maiores formalidades para a produção do documento que venha a abrigar a manifestação volitiva. Como leciona Francisco José Cahali:

As contratações, apenas apresentadas por escrito, têm força obrigatória entre os conviventes, interferindo diretamente nas respectivas esferas jurídicas, de modo a regular, criar, modificar, ou extinguir direitos decorrentes da união estável.

Outrossim, também o em. doutrinador conclui que:

(..) a estipulação poderá revestir-se com a roupagem de um documento solene, escritura de declaração, instrumento contratual particular levado ou não a registro em Cartório de Títulos e Documentos, documento informal e até mesmo apresentado apenas como disposições esparsas, instrumentalizadas em conjunto ou separadamente, desde que contenham a manifestação da vontade dos companheiros.
Qualquer acordo, convenção, disposição ou manifestação, expressada pelas partes, ainda que a união estável e seu efeito patrimonial não tenham sido o objeto único ou principal do ato que as contém, valerá como instrumento eficaz para traçar o destino dos bens adquiridos durante a relação, valendo apenas a identificação do elemento volitivo expresso pelos sujeitos. (destaquei).

Por fim, em prestígio ao bem lançado voto do em. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, então Revisor, reproduzo aqui seu entendimento (fl. 133):
No caso, a escritura pública da fl. 10 demonstra que a recorrente renunciou ao direito de partilha, firmando declaração no sentido de que não possui direitos sobre os bens móveis e imóveis adquiridos pelo companheiro.
Dessa forma, sendo observadas todas as formalidades legais para a validade do instrumento público e não tendo sido provado qualquer vício de vontade, nem mesmo alegação de coação, não há que se cogitar de invalidade da escritura pública.
Por outro lado, como não foi comprovada de forma segura a continuidade da união estável após a elaboração da escritura pública (fevereiro de 2000), nem sequer juntadas provas acerca da efetiva aquisição de bens pelas partes após o ato notarial, entendo que se mostra inviável o julgamento favorável da pretensão recursal.

Portanto, hígida a manifestação de vontade, pois o art. 107 do CCB dispõe que “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.” Outrossim, os arts. 212 e 219 estabelecem que o fato jurídico pode ser provado mediante documento, salvo os casos a que se impõe forma especial, e que as declarações constantes em documentos assinados presumem-se verdadeiras.

Nesses termos,

DOU PROVIMENTO AOS EMBARGOS INFRINGENTES.
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES – De acordo com o Relator.
DES. JOSÉ S. TRINDADE – De acordo com o Relator.
DES. ALFREDO GUILHERME ENGLERT (PRESIDENTE) – De acordo com o Relator.
DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS – De acordo com o Relator.
DES. RUI PORTANOVA – De acordo com o Relator.
SR. PRESIDENTE (DES. ALFREDO GUILHERME ENGLERT) – Embargos Infringentes nº 70013055413, de Alegrete – “Acolheram. Unânime.”

Julgador(a) de 1º Grau: DR.ª ALINE SANTOS GUARANHA. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul