A Sétima Vara Federal concedeu pensão por morte a uma lésbica de Teresina que perdeu a companheira, funcionária do Ministério da Fazenda, em 1997. A ação foi ajuizada pelo Grupo Matizes em 2012, ano em que a homossexual descobriu ter direito de receber o benefício, após a divulgação de outro caso semelhante. O Grupo Matizes é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, cuja missão principal é a defesa dos direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros.
Segundo informações do Grupo, a união estável dessas mulheres ocorreu na década de 1990, quando ainda não era reconhecida pelo Estado. A Advocacia Geral da União contestou o pedido, alegando prescrição do caso, mas as advogadas Ana Carolina Magalhães e Audrey Magalhães, do Grupo Matizes, ressaltam que a tese anterior não se sustenta, pois, de acordo com o artigo 219 da Lei 8.112/90 (Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos da União), a pensão pode ser requerida a qualquer momento.
Em sentença, o juiz determinou que a decisão deve ser executada até dez dias após a notificação da União, o que ocorreu semana passada. Os valores atrasados, que são contados a partir da data que a ação foi ajuizada, em junho de 2012, também devem ser pagos. A União ainda pode recorrer da decisão.
Para a advogada Patrícia Gorish, presidente da Comissão de Direito Homoafetivo do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a decisão representa um avanço na garantia dos direitos e dignidade da população LGBTI. Segundo ela, já existem muitas decisões nesse sentido, mas para casos recentes. “O que chama a atenção neste caso é justamente a data da morte da companheira: 1997. A Advocacia-Geral da União (AGU) alegou a prescrição, mas além do regime jurídico único dos Servidores da União em seu artigo 219 afirmar que a pensão pode ser requerida a qualquer tempo, o direito de ter uma família e de contrair matrimônio é um direito humano, garantido tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos quanto no Pacto de San Jose da Costa Rica, sendo o Brasil signatário de ambos os documentos internacionais”, afirma.
A decisão é extremamente emblemática, de acordo com a advogada Marianna Chaves, diretora do IBDFAM. Para ela, por um lado, a decisão é consequência natural do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4277) e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 132) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), onde se equiparou as uniões homoafetivas. “O artigo 217, I, c da Lei 8.112/90 reconhece como beneficiário de pensão vitalícia os companheiros sobreviventes, desde que comprovada a união estável. A partir do momento em que o STF reconheceu as uniões homoafetivas como uniões estáveis, passou a ser indiferente que os membros do casal sejam heterossexuais ou homossexuais. Essa decisão se torna extremamente representativa pelo fato dessa união estável ter existido nos anos 90, quando ainda não era reconhecida a união homoafetiva como união estável, nem mesmo pela jurisprudência. O primeiro julgado que reconheceu a união estável homoafetiva é de 2000”, explica.
Marianna Chaves esclarece que, do ponto de vista prático, a decisão pode estimular que outras pessoas que mantiveram uniões estáveis homoafetivas no passado e perderam seus companheiros, e não buscaram o direito ao pensionamento por acharem que simplesmente não o tinham ou que este poderia estar prescrito, que o busquem agora.
Fonte: Ibdfam