Após manter união estável durante 24 anos, uma viúva teve garantido – a partir de decisão unânime da 2ª Câmara Cível – o direito de habitação em imóvel registrado no nome do enteado que, inconformado com o reconhecimento da união entre seu pai e a madrasta, tenta reverter a sentença. O juiz Jairo Roberto de Quadros, relator do processo, levou em conta o tempo em que a mulher residiu na propriedade, já que, durante o período, os agravantes não manifestaram nenhum tipo de inconformismo. “O direito à habitação pleiteado por N. de O. F. decorre da própria legislação, mais precisamente do parágrafo único, do art. 7º da Lei nº 9.278/1996, que diz que quando a união estável é dissolvida por morte de um dos conviventes, o sobrevivente tem direito de habitação enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento”, deliberou o magistrado.
De acordo com Sulaiman Miguel Neto, juiz da segunda vara de família do Fórum Regional da Lapa, em São Paulo, e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o direito de habitação da companheira – ou cônjuge – supérstite está assentado no art. 7º da Lei 9.278/96, bem como nos arts. 1.414 e 1.415, do Código Civil. “Pressupõem os dispositivos legais a permanência dos seus efeitos após sua configuração em face de mais de uma pessoa, acompanhando a sobrevivente, na hipótese da morte antecipada de um deles, durante seu exercício comum. É maneira de não se inibir o exercício de um direito já consolidado quando estavam juntas, e que a morte prematura de um em relação ao outro, não extingue”, afirma o jurista.
Sulaiman explica que o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana revela em si a oportunidade de um dos cônjuges – ou conviventes – sobrevivos continuar necessitando desse direito sobre imóvel alheio. “Assim, na função social do imóvel, também consagrada constitucionalmente, está esse formato de utilidade da coisa, sem acarretar dano irreparável ou de difícil reparação, a quem pudesse ter que deixar o local onde reside há tanto tempo e numa situação em que permanece a necessidade para o fim residencial e de moradia”, acrescenta.
De acordo com ele, o direito de moradia abarca um conjunto de preceitos, cuja aplicabilidade – no caso concreto – se faz de forma sistêmica, interpretando um composto de regras jurídicas, e não uma norma isolada “E cujo resultado guarda semelhança com a tutela do cidadão e a valorização de sua dignidade”, completa.
O juiz entende que a jurisprudência em questão considerou a prevalência de princípios constitucionais relevantes ao esclarecimento do tema. E, desta forma, o direito imobiliário de terceiro não foi tido como prioritário, e sim a continuidade do direito de habitação original. “A efetividade e a dignidade da pessoa humana são princípios cuja validade permanecem após a morte dos protagonistas, naquilo que se refere à garantia da convivente, após relacionamento por período de 24 anos ininterruptos”, defende Sulaiman Miguel Neto, que conclui: “A interpretação favorece uma relação jurídica longeva, ainda que tenha ocorrido a morte de um deles, fato não considerado evento imprevisível, que são aqueles já previstos, possíveis de acontecer em qualquer momento. A brevidade da condição humana ou morte da pessoa humana é um fato legalmente certo”.
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Fonte: Ibdfam